Acórdão nº 735/15.3T9GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Setembro de 2017
Magistrado Responsável | F |
Data da Resolução | 11 de Setembro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães: 1 – RELATÓRIO No âmbito dos presentes autos, tendo o Ministério Público deduzido despacho de arquivamento, nos termos do disposto no artigo 277º, nº. 2, do C.P.P., relativamente aos factos por que a ofendida Maria apresentou queixa contra José veio a ofendida, que se se constituiu assistente, requerer a abertura da instrução, visando a pronúncia do arguido pela prática de um crime de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217º, nº. 1 e 218º, nº. 1, este último com referência ao artigo 202º, al. a), todos do Código Penal.
O Mmº. Juiz de Instrução Criminal, por despacho datado de 18/01/2016, rejeitou o requerimento de abertura da instrução, ao abrigo do disposto no artigo 287º, nº 3, do C.P.P., por inadmissibilidade legal, «designadamente, por não narrar os factos que permitam afirmar a tipicidade objectiva e subjectiva das condutas, bem como o pressuposto da culpa, e sobretudo por não identificar o arguido.» Inconformado veio a assistente interpor recurso do aludido despacho, apresentando a respetiva motivação e desta extraindo as seguintes conclusões: 1º-) O presente recurso versa apenas sobre matéria de direito.
2º-) No RAI da Recorrente mostram-se suficientemente preenchidos todos os requisitos previstos nos artigos 287º, nº 2, e nas alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 283º, ambos do C.P.Penal; 3º-) O RAI apresentado pela Assistente cumpre estas exigências processuais, na medida em que descreve de forma pormenorizada e devidamente circunstanciada todos os factos imputados ao arguido, contendo os elementos objectivos e subjectivos do crime que lhe é imputado e os respectivos pressupostos da culpa; 4º-) O RAI enuncia também as razões de facto e de direito da sua discordância relativamente ao despacho de arquivamento; 5º-) O facto de no cabeçalho do RAI não estar expressamente identificado o arguido, não importa a rejeição da abertura de instrução; 6º-) A omissão expressa do nome do arguido é absolutamente irrelevante para a verificação dos pressupostos de admissão da instrução requerida, porquanto o nº 2 do artigo 287º do C.P.P. apenas remete, para efeitos de formalidades do RAI, para as alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 283º e já não para a alínea a) desse mesmo nº 3 do artigo 283º, esta sim referente às indicações tendentes à identificação do arguido; 7º-) O facto de apenas existir um único arguido nos autos, basta para se saber a quem são imputados os factos, sendo que a existir despacho de pronúncia o Juiz de Instrução tem nos autos todos os elementos quanto à sua completa identificação, não havendo qualquer possibilidade de erro na identificação do arguido e da pessoa a quem são imputados os factos e a quem é dirigida a pronúncia; 8º-) Ao ler-se o RAI infere-se, com toda a certeza e segurança, que o mesmo se dirige ao arguido José, por ser o único denunciado nos autos, encontrando-se o mesmo devidamente identificado na queixa e nos autos, nomeadamente aquando da sua constituição como arguido; 9º-) Contrariamente ao decidido no douto despacho recorrido, o RAI contém a delimitação de todas as circunstâncias de “tempo, modo, como e quando”, como resulta dos pontos 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º e 24º do RAI, nos quais estão devidamente narrados e discriminados todos os factos e todas as circunstâncias de “tempo, modo, como e quando”; 10º-) Tais factos são suficiente para inferir a tipicidade objectiva e subjectiva da conduta do arguido, bem como dos pressupostos da sua culpa; 11º-) O RAI acha-se correctamente elaborado e estruturado, tendo preenchido todos os requisitos formais referidos no artigos 287º do C.P.P.; 12º-) A decisão ora recorrida viola os princípios da confiança, da certeza e da segurança jurídica e a ainda o princípio da legalidade.
13º-) O RAI não pode ser rejeitado; 14º-) O douto despacho recorrido violou os artigos 287º, n.º 2, e 283º n.º 3, alínea a), b) e c) do CPP.
O recurso foi regularmente admitido.
O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta ao recurso interposto pela assistente, nos termos constantes de fls. 129 a 135, formulando, a final, as seguintes conclusões: 1. A nosso ver, no requerimento de instrução em apreço a assistente observou o disposto nos artºs 287º, nº 2 e 283, nº 3, al. b) e c), do CPP, pois que contém todos os elementos objectivos e subjectivos típicos do crime de burla qualificada que é imputado ao arguido; 2. É certo que no RAI a assistente não identifica o arguido, nem sequer mencionando o seu nome, sendo que, de harmonia com o artº 311º, nº 3, al. a), do CPP, a acusação considera-se manifestamente infundada quando não contenha a identificação doa arguido; 3. Porém, a Instrução com base no RAI apresentado pela assistente é exequível, visto que nos presentes autos apenas existe o arguido José, sendo indubitável que o RAI a ele necessariamente diz respeito, nenhuma dificuldade surgindo na sua identificação, por constar dos autos.
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Em face do exposto, somos de entendimento de que o recurso merece provimento.
Neste Tribunal da Relação, o Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, aderindo à posição defendida pelo Ministério Público junto da 1ª Instância, na resposta que o mesmo ofereceu e concluindo nos mesmos termos, no sentido de o recurso dever merecer provimento.
Foi cumprido o disposto no nº. 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não tendo sido exercido o direito de resposta.
Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir: 2 – FUNDAMENTAÇÃO 2.1.
Decisão recorrida O despacho recorrido é do seguinte teor: «(…) - Da inadmissibilidade legal da abertura da instrução: A Assistente Maria, não se conformado com o arquivamento dos autos, requereu a abertura de instrução pelos fundamentos aduzidos a fls 86 e ss.
Analisada a peça processual de abertura de instrução, conclui este Tribunal que não se verificam os requisitos necessários para permitir uma abertura de instrução.
Vejamos, Preceitua o artigo 287 n.º 2 do CPP que o requerimento de abertura de instrução pelo assistente (…) deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito da discordância relativamente à acusação ou não acusação.
Trata-se de uma imposição legal essencial para que o arguido tenha a plena noção daquilo que o assistente o acusa e possa defender-se convenientemente, em respeito ao princípio do contraditório.
A assistente tem que, ainda que sumariamente, delimitar os factos suficientes para integrar todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo criminal que entende ter sido violado, sendo estes factos que delimitam a actividade investigatória do juiz de instrução criminal.
Como...
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