Acórdão nº 460/14.2TTVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Setembro de 2017
Magistrado Responsável | VERA SOTTOMAYOR |
Data da Resolução | 21 de Setembro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães APELANTE: SEGURADORAS, S.A.
APELADA: MARIA Comarca de Viana do Castelo, Juízo do Trabalho de Viana do Castelo – Juiz 2 I – RELATÓRIO MARIA, residente na Travessa …, Valença, intentou ação especial emergente de acidente de trabalho contra SEGURADORAS, S.A.
, com sede na Av. …, em Lisboa, pedindo que se declare o acidente dos autos como de trabalho e consequentemente que a Ré seja condenada a pagar-lhe: a) A pensão anual e vitalícia que resultar da IPP que lhe vier a ser fixada em junta médica; b) A indemnização pelos períodos de incapacidade temporária no montante de €2.371,66; c) As despesas com deslocações no valor de €450,00; d) Os juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos.
Alegou em síntese que no dia 27/03/2014, pelas 13.15 horas, quando se deslocava da residência de sua mãe, onde normalmente almoça, para o trabalho sofreu um acidente, tendo o mesmo ocorrido no logradouro da referida habitação. Em resultado do acidente sofreu lesões que lhe determinaram período de incapacidade temporária e uma IPP.
A Ré contestou a acção reconhecendo a existência do contrato de seguro e não aceitando a caracterização do acidente como de trabalho, alegando que o mesmo ocorreu quando a autora estava a apanhar “espinhas de peixe” que estariam caídas no solo, ou seja antes de iniciar o trajecto para o trabalho. Mais defende que em face do facto do acidente ter ocorrido no logradouro da habitação pertencente exclusivamente ao proprietário e sendo de utilização e acesso privados, não integra a extensão a que alude o artigo 9.º da LAT.
Conclui a Ré pela improcedência total da acção.
Foi proferido despacho de condensação da matéria de facto, foi determinado o desdobramento dos autos e tramitado o apenso para fixação de incapacidade da sinistrada, que culminou com a decisão que fixou a IPP em 20%, desde a data da alta (26/03/2015), tendo tido os seguintes períodos de incapacidades temporárias: ITA de 28/03/2014 a 04/09/2014 (161 dias) e ITP de 35% de 05/09/2014 a 26/03/2015 (203 dias).
Os autos prosseguiram os seus trâmites normais, tendo por fim sido proferida sentença na qual se fez constar o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, o Tribunal julga parcialmente procedente a presente acção e, e consequência decide: - condenar a ré seguradora, “Companhia de Seguros, SA”, a pagar à autora Maria o capital de remição calculado com base na pensão anual e vitalícia de dois mil e duzentos e dezoito euros e trinta e seis cêntimos (2 218,36), com início em 27 de Março de 2015; - condenar a ré seguradora, “Companhia de Seguros, SA”, a pagar à autora Maria, a título de indemnização pelos período de incapacidades temporárias, o valor de dois mil e oitocentos e um euros e noventa e três cêntimos (2 801,93); - condenar a ré seguradora, “Companhia de Seguros, SA”, a pagar à autora Maria, a título de despesas com deslocações a tratamentos médicos e fisiátricos, ao GML e ao tribunal, o valor de duzentos e setenta euros (270,00); - condenar a ré seguradora, “Companhia de Seguros, SA”, a pagar à autora Maria os juros de mora contados à taxa civil legal em vigor sobre: o capital de remição desde a data da alta até à entrega efectiva deste; a indemnização das ITs desde a data do vencimento da obrigação do seu pagamento; o montante das despesas reclamadas desde o dia subsequente à sua reclamação no processo (despesas de transporte e despesas médicas e medicamentosas), conforme artigos 126º, n.º 1 e 2, do RRATDP e 805º, n.º 2, alínea a) e 559º, n.º 2, do Código Civil, e até integral pagamento; - condenar a ré seguradora, “Companhia de Seguros, SA”, a pagar ao Centro Distrital de Segurança Social a quantia de Euros 4 254,84 (quatro mil e duzentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal; - condenar autora e ré seguradora, na proporção do decaimento, nas custas do processo; - fixar o valor da causa: quarenta e um mil e setenta euros e vinte e quatro cêntimos (41 070,24); - determinar que se proceda ao cálculo.
Registe e notifique.” Inconformada com esta decisão, dela veio a Ré Seguradora interpor recurso para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam com as seguintes conclusões: “I -Vem o presente recurso interposto da sentença dos autos em referência e é o mesmo apresentado na firme convicção de que a matéria de direito merecia outra apreciação.
II - A discordância da Recorrente versa sobre dois pontos distintos da decisão, sendo o segundo subsidiário: - em primeiro lugar, o entendimento segundo o qual o sinistro que foi julgado provado consubstancia um acidente de trabalho, mais concretamente um acidente in itinere e a consequente condenação da Recorrente a reparar o referido acidente - sem prescindir, na hipótese, que apenas se equaciona por hipótese de raciocínio, de assim não se entender, a condenação no pagamento de juros de mora sobre o capital de remição desde a data da alta até à entrega do mesmo.
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O sinistro dos autos como acidente in itinere III - É o risco empresarial ou de autoridade decorrente do facto de o empregador possuir um conjunto de trabalhadores ao seu serviço que justifica a consagração de uma responsabilidade objectiva daquele, da qual decorre a obrigação de reparação dos acidentes que vitimem tais trabalhadores.
IV - Para além da definição de acidente de trabalho dada no artigo 8.º da LAT, a Lei consagra um conjunto de extensões ao conceito, para abranger situações em que, não obstante o evento infortunístico não ocorrer no tempo ou local de trabalho, se verifica ainda a autoridade do empregador.
V - A decisão do Tribunal a quo, que reproduz o acórdão do STJ de 18.02.2016 (proc. 375/12.9TTLRA.C1.S1), segundo a qual o acidente ocorrido no logradouro da habitação deve ser considerado um acidente de trajecto, resulta exclusivamente de uma determinada interpretação do sentido a atribuir à eliminação do segmento “desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública” antes previsto no artigo 6.º, n.º 2 do Regulamento da LAT, que não atende devidamente aos interesses jurídicos que a lei visa tutelar.
VI - O tratamento diferenciado entre os acidentes ocorridos nas partes comuns e os acidentes ocorridos nos logradouros não é discriminatório, dado que nos segundos é o proprietário/possuidor e os seus familiares quem determina como o referido espaço está organizado e tem pleno controlo e domínio sobre o mesmo e nas primeiras é inequívoco que nenhum dos condóminos/ocupantes da fracção detém, a título individual, tal controlo.
VII - Consequentemente, não há razões para concluir que na mente do legislador da nova norma relativa à extensão do conceito acidente de trabalho esteve a intenção de passar a incluir tanto as partes comuns como os logradouros.
VIII - Como decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa no seu acórdão de 07.10.2015 (proc. 408/13.1TBV.L1-A, relator José Eduardo Sapateiro), “a tónica delimitadora do que é acidente in itinere ou não passa necessariamente pela perda de controlo, ainda que meramente parcial, das condições e circunstâncias que afetam o espaço onde o trabalhador circula, quando se desloca de casa para o trabalho ou vice-versa, sujeitando-se assim aos perigos a que os locais públicos ou explorados pelo empregador ou clientes deste último estão expostos e que escapam, no todo ou em parte, ao seu domínio, vigilância e capacidade de modificação e reação. II – Nessa medida, não é acidente de trajeto aquele evento que se traduz na queda do trabalhador no logradouro privado da sua habitação, quando aí se deslocava, provindo do seu local de trabalho, com vista a tomar a refeição do almoço”.
IX - Este entendimento é o único compatível com as exigências de certeza e segurança jurídica pretendidas num domínio como o dos acidentes de trabalho e com a necessidade de se traçar...
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