Acórdão nº 1483/17.5T8BCL.G1 – 1.ª de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Setembro de 2017
Magistrado Responsável | JOSÉ AMARAL |
Data da Resolução | 21 de Setembro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO A Sociedade “A – Participações Sociais e Investimentos Imobiliários, SA”, instaurou, em 14-06-2017, no Tribunal de Barcelos, contra M. R.
, procedimento judicial que apelidou de “Providência Cautelar Comum Não Especificada” e “ao abrigo do artº 362º, do Código de Processo Civil, e seguintes”.
Na respectiva petição inicial, em síntese, alegou que: - é proprietária e possuidora do prédio misto denominado “CS”, composto de casa e terrenos, sito em …, Barcelos; - a ré é proprietária e possuidora do prédio rústico que, pelo lado nascente, confronta com aquele; - o seu prédio, em todo o respectivo perímetro, é separado dos confinantes, incluindo o da ré, por “um muro de pedras soltas sobrepostas e saibro, mas regularmente dispostas, que oferecem adesão e consistência numa extensão superior a quinhentos metros do seu percurso circundante”; - tal muro “foi construído com o mesmo tipo de pedras e saibro que a então habitação, actualmente em ruinas”, “quer pela sua estrutura quer pela sua curvatura nas estremas”, verifica-se que “tem um seguimento lógico, demonstrando, claramente, que o mesmo foi construído por um único proprietário, cuja idade do mesmo é a mesma que a referida habitação, pois os materiais utilizados […] são exactamente os mesmos”, “tratando-se de uma construção centenária”; - além do prédio, “Também sobre o referido muro divisório […] têm vindo os anteriores proprietários do prédio, há já mais de cento e cinquenta anos, a praticar todos os atos de fruição que se lhe revelam necessários ao longo de toda a sua extensão e em todo o seu cumprimento, nele tendo apoiado as suas ramadas, servindo de apoio e encosto às pedras de suporte das ramadas que se encontravam em toda sua extensão e no acompanhamento do respectivo muro”, sendo que “até à presente data nunca ninguém da freguesia, vizinho, confrontante e a própria ré questionou que o muro não é pertença, em exclusivo, do prédio que pertence a autora”; - após a aquisição, por compra – registada em 09-03-2017 –, a autora planeou rentabilizar o prédio, e “promover a sustentatibilidade dos espaços rurais e dos recursos naturais, artesanato e folclore”, “prevendo um gasto de centenas de milhares de euros”, visando candidatar-se ao “Proder” para o que encomendou um projecto a gabinete de arquitectura/engenharia – investimento que na fase inicial ronda aproximadamente 250.000,00€ - e, além do mais, mandou proceder à limpeza dos muros, retirar pilares da ramada já envelhecida, alinhar o terreno, restaurar o muro de delimitação que se encontrava danificado pelo tempo, sendo seu objectivo “restaurar o muro com pedras e cimento (argamassa de cimento), uniformizando-o em toda a sua extensão e em toda a sua largura, tornando-o coeso por forma a vedar definitivamente a sua propriedade”; - a ré, ao contrário de todos os demais confrontantes, “assim que viu pessoas a trabalhar no local começou a criar novamente conflitos, impedindo assim o decurso das obras” e, quando abordada sobre a razão disso, “acabando por questionar a propriedade do referido muro, mostrando-se a ré a reivindicar […] um direito pleno e exclusivo sobre o mesmo”, “irredutível, insultando tudo e todos, exigindo que a autora edifique um muro paralelo ao existente” e “ameaçou todos os trabalhadores, bem como a autora, que caso se iniciem as obras no referido muro irá chamar a autoridade policial, a fiscalização, embargar a obra e proceder à sua demolição, imputando-lhe danos irreparáveis”, apesar de o prédio dela ser todo delimitado por muros mas nenhum por si edificado; - o restauro do muro já terminou, salvo na parte confrontante com a ré; - “a ameaça constante perpetrada pela ré impede que a autora avance com a reconstrução do muro”, “esta postura hostil manifestada […] evidenciou-se desde o início deste negócio tendo apresentado sempre uma atitude inapropriada, quer por carolice, quer por mesquinhez”, o que “gera desânimo” no representante da autora, dada a relação de vizinhança e de amizade que existiam; - são “sinais evidentes” da propriedade exclusiva da autora sobre o muro “os limites da ramada que existiam no prédio da autora bem como os que existem no prédio da ré, do próprio muro na sua extensão e delimitação de toda a propriedade”; - pretende a autora continuar as obras “sob pena de ter feito um investimento do qual não tem retorno estando a ter um prejuízo diário …de largos milhares de euros” [sic]; - a não se entender que o muro é propriedade exclusiva da autora, estar-se-ia ante compropriedade, aliás legalmente presumida (artº 1370º, CC); - a autora, face à “postura hostil” da ré, “deseja ver a situação totalmente definida e devidamente respeitada, com a maior urgência possível” através da providência cautelar e, assim, “esclarecida a situação jurídica, através de uma decisão pacificadora”, pois “trata-se claramente de um conflito de vizinhança em torno da titularidade de um muro que delimita os dois prédios”; - a suspensão das obras “causa um sério prejuízo” [sic] e “o atraso na resolução do presente litígio implica custos elevadíssimos para a autora”, “o projecto/estudo que foi apresentado na Câmara Municipal, bem como, se almeja, no âmbito da candidatura do Proder junto dos Ministérios, poderá ser indeferido se não concluir as obras em curso” e “se não vedar todo o prédio com uma construção mais moderna, é efectivamente um prejuízo sério e credível para a Autora, tanto no âmbito do seu projecto, um projecto dedicado ao Turismo Rural naquela região, como para a sua total privacidade (evitar invasões desde ladrões a animais, tais como cães e toura, como aconteceu recentemente, danificando, assim, a referida propriedade) e acima de tudo ameaçando as condições e a segurança da mesma”; - ainda que se considere ser o muro “compropriedade”, a autora dispõe-se a pagar todo o custo da reconstrução, respeitando todas as suas características.
Entendendo, enfim, pelo exposto, estarem reunidos os requisitos e justificada a providência cautelar, concluiu formulando o pedido de que deve esta “ser julgada procedente por provada e em consequência:
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Reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio descrito no artº 2º deste articulado, assim como do muro que o divide e delimita o prédio da Ré e demais confinantes face aos sinais apresentados; b) Ser a ré condenada a reconhecer que o muro existente e que divide o seu prédio e o da Autora é pertença exclusivamente da Autora, pelos sinais existentes; c) Se assim não se entender deve ser reconhecida a presunção da compropriedade do muro da Ré e da Autora, devendo esta ser autorizada a reconstruir a totalidade do muro, pagando a totalidade das despesas.
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Mas se mesmo assim não se entender, adquirir a comunhão forçada do referido muro, pagando e assumindo todas as despesas.
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E sempre a reconstrução do muro em questão deverá ficar uniforme ao restante muro já devidamente reconstruído, sendo inclusivamente permitida e/ou autorizada a colocação de uma rede que vede as propriedades com a chamada “rede Painel”.
Requer, nos termos do 369º nº 1 do Código de Processo Civil a V. Exª a dispensa da propositura da acção principal tendo em conta que toda a prova documental e prova testemunhal nos presentes autos permite que, efectivamente, se forme uma convicção segura e não perfunctória ou verosímil sobre a existência do direito que visa ser acautelado bem como o facto de o respectivo decretamento da providência ter a virtualidade de ela própria compor, em definitivo, o litígio.” Requereu inspecção judicial, o depoimento de parte da ré, arrolou treze testemunhas e juntou variada documentação.
Apresentados os autos a despacho inicial, foi ordenada a citação da requerida nos termos do artº 366º, nºs 1 e 2, do CPC, e para contraditar o pedido de inversão do contencioso.
Realizada esta, a requerida deduziu oposição, pretendendo que o procedimento deve ser liminarmente indeferido ou ser julgado improcedente quanto aos três pedidos subsidiários, invocando para tal, em suma, que:
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O procedimento devia ter sido liminarmente indeferido “por patente falta de requisitos legais”, pois a “parca” factualidade alegada na petição é “insuficiente” para preencher o “periculum in mora”, “perigo de lesão grave e dificilmente reparável”, o “prejuízo sério”, o “receio justificado da necessidade de uma providência” e o “direito que possa ser seriamente afectado ou inutilizado”; b) Parte do alegado é por si desconhecido ou irrelevante ou conclusivo ou falso, impugnando e aceitando apenas que é proprietária do prédio confrontante, nos termos descritos pela requerente; c) É contraditória a postura processual da requerente ao alegar que é proprietária do muro mas sem lançar mão da restituição provisória de posse; d) O muro não é propriedade da requerente, bem sabendo ela disso, mas sim, única e exclusivamente, da oponente, pois foi quem sempre o utilizou, nomeadamente “para prender os cabos de sustentação das ramadas” pelo “lado de fora do muro” e quem procedeu à manutenção deste; e) Aliás, além do muro em todo a extensão deste existe ainda uma faixa com cerca de 20 cm de largura, ocupada pelos ditos cabos, que integra o prédio da requerida; f) Há no local “marcos em pedra e sinais” que confirmam tal tese; g) Sendo certo que se opôs frontalmente a qualquer obra no muro, nega qualquer atitude ameaçadora, hostil ou menos adequada, incorrecta e de má-fé tendo sido a actuação da requerente no processo e fora dele; h) O pedido de aquisição da “comunhão forçada” não pode ter lugar em providência cautelar nem satisfaz os requisitos desta; i) O pedido de inversão do contencioso deve ser indeferido, por infundamentado.
Juntou documentos.
Na audiência final, a requerente pronunciou-se sobre a “excepção de ineptidão da petição inicial” – termos do convite que para tal lhe foi dirigido pelo tribunal; realizou-se inspecção ao local, foram tomadas declarações de parte ao legal representante da requerente...
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