Acórdão nº 505/15.9GAPTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelARMANDO AZEVEDO
Data da Resolução25 de Setembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- Relatório 1.

O M.P., em processo comum e parente tribunal singular, deduziu acusação contra o arguido M. C.

, filho de A. C. e R. A., natural Ponte de Lima, nascido em ../../…, BI …, residente na Rua …, Ponte de Lima, imputando-lhe a perpetração de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, 4 e 5 do CP.

  1. A ofendida Maria C.

    requereu a sua constituição como assistente, o que foi deferido, e declarou aderir integralmente à acusação deduzida pelo M.P..

  2. Tendo por base a factualidade descrita na acusação deduzida pelo M.P., a assistente formulou pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo que o mesmo seja condenado a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais sofridos, a quantia de seis mil euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do pedido e até integral e efetivo pagamento.

  3. O arguido M. C.

    , foi submetido a julgamento, em processo comum e perante tribunal singular, tendo a final sido proferida sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor [transcrição]: “Por tudo o exposto, decide-se julgar a acusação do Ministério Público improcedente por não provada e, em consequência, absolve-se o arguido M. C., da prática do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CP que lhe vinha imputado.

    Mais se julga improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil formulado pela demandante Maria C., contra o arguido, nele demandando, absolvendo-se o mesmo do pedido.

    Custas criminais a cargo da assistente (cfr. artigo 515.º, n.º 1, alínea a) do CPP), fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.

    Custas civis a cargo da demandante cível (cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC), que na lide saiu vencida.” 5. Não se conformando com tal decisão absolutória, dela interpôs recurso a assistente Maria C., extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]: 1.

    Vem o presente recurso interposta da, aliás, douta Sentença proferida em 10 de maio de 2017 nos autos de processo comum com intervenção de tribunal singular acima identificado, que julgou “a acusação do Ministério Público improcedente por não provada e, em consequência, absolve-se o arguido M. C., da prática do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CP que lhe vinha imputada. Mais se julga improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil formulado pela demandante Maria C., contra o arguido, nele demandando, absolvendo-se o mesmo do pedido.”, e com a qual não pode a recorrente concordar.

  4. Salvo o devido respeito, o douto Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento fazendo uma errada apreciação da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, tendo, no nosso entendimento, dado incorretamente como não provados os factos que constam da matéria de facto dada como não provada sob os pontos i) a xx), que deviam ter sido dados como provados os factos pelo Tribunal a quo).

  5. Acontece que, não foram devidamente valoradas as declarações da assistente e, bem assim, os depoimentos das restantes testemunhas indicadas pela acusação, impondo, no nosso entendimento, a prova produzida nos presentes autos uma decisão oposta à que resulta da sentença recorrida quantos aos factos constantes dos pontos i) a xx) da matéria de facto dada como não provada, tendo o Tribunal recorrido, salvo o devido respeito, feito uma errada valoração e apreciação da mesma e incorrido em erro de julgamento.

  6. Se é certo que nem todos os factos relatados pela ofendida foram corroborados por outros meios de prova diretos, como sejam testemunhas presenciais, não é menos verdade que o depoimento da vítima assume no crime em apreço um relevo acrescido, por se reportar a factos ocorridos no recato do lar, “no recato da impunidade não presenciada, preservado da observação alheia, garantido até pelo generalizado pudor que os mais próximos têm de se imiscuir na vida privada do casal”, sendo os maus tratos geralmente, escondidos, ocorrendo dentro de portas, longe dos olhares de vizinhos e amigos, sendo usual ocultar-se o sucedido.

  7. Com o devido respeito, entendemos que a assistente prestou um relato que se afigurou genuíno, sincero, credível e coerente, não se denotando qualquer pretensão vingativa ou de retaliação em relação ao arguido, pelo contrário, a sua postura em julgamento foi de evidente naturalidade e humildade, procurando tão-só esclarecer o tribunal quanto aos aspetos mencionados na acusação, explicando ainda em juízo as circunstâncias da atuação do arguido – mormente do seu estado alcoolizado como potenciador de todas os factos criminosos.

  8. Das declarações da assistente, prestadas em audiência de discussão e julgamento, resulta confirmada na íntegra a versão dos factos vertida na acusação e, note-se, factos esses todos ocorridos no interior do domicílio comum.

  9. Ademais, contrariamente ao sustentado no corpo motivador da douta sentença recorrida, a assistente logrou justificar a razão de não ligar diretamente para a GNR e sim para G. S., testemunha nos presentes autos, porquanto, como refere, se ligasse para a GNR para pedir auxílio tinha que explicar o que se estava a passar e não o conseguiria fazer sem o arguido se aperceber: “Pois, tinha que dizer que viessem lá, claro que sim, não ia conseguir porque ele não me deixava, porque eu tentei várias vezes fazer isso e ele perseguia-me sempre, uma altura chegou-me a dar conta de um telefone”.

  10. É sustentado na douta sentença de que se recorre, que no depoimento prestado em audiência de discussão e julgamento pela testemunha G. S., que “O único facto de que teve conhecimento direto respeita aos insultos atribuídos ao arguido, na noite de 09/11/2015, que refere ter ouvido pelo telefone, na sequência de chamada recebida da assistente que, nesse momento, lhe pedia ajuda no sentido de chamar a GNR ao local.”, o que não corresponde à verdade! 9.

    Conforme resulta límpido do depoimento da testemunha G. S., o que a própria ouviu “Foram os insultos” “mais que uma vez”, sendo que “chamava-lhe «puta» com muita frequência, chamava-lhe «porca», chamava-lhe «vaca»”.

  11. A primeira vez que a testemunha G. S. ligou para a GNR a pedido da assistente foi uns meses antes de novembro de 2015, e a segunda precisamente em 09 novembro de 2015, em virtude de a assistente estar muito atrapalhada e o arguido exaltado e a maltratá-la, tendo ouvido pelo telefone por várias vezes os insultos “puta, vaca, porca” em diversas ocasiões uma vez que o arguido os proferia em voz alta sendo dessa forma audíveis.

  12. Por isso, salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal recorrido ao entender que apenas só por uma vez, na noite de 09 de novembro de 2015, a testemunha G. S. ouviu o arguido insultar com impropérios a assistente, desta forma maltratando-a, quando, na realidade, demonstrou conhecimento direto de ter ouvido em outras ocasiões o arguido dirigir insultos – “puta”, “vaca” e “porca” – à assistente e de ter inclusivamente por via disso, alguns meses antes de novembro de 2015, ligado para a GNR.

  13. Assim, no nosso entendimento, resulta provado que o arguido vinha dando maus-tratos à assistente desde data anterior a 09 de novembro de 2015, confirmando nesta parte o que consta da acusação.

  14. Em relação aos restantes factos vertidos na acusação, a testemunha G. S. demonstrou ter conhecimento deles “pelas confidências da D. Maria C.” conforme resulta do seu depoimento prestado em audiência de discussão e julgamento, muito embora esclareça, ainda, que a “D. Maria C. tinha algum receio, algum... aquele medo de se expor, ela ia falando de alguns apertos, de lhe ter dado uns socos e assim, não assim muito claro”.

  15. Esta testemunha confirmou ainda que a assistente, aquando do processo com o n.º 319/05.4GAPTL, desistiu da queixa apresentada por causa do filho em comum do arguido e da assistente, e também por causa da “vergonha”.

  16. Do depoimento da testemunha C. G., resulta que é vizinha do arguido e da assistente há cerca de 9, 10 anos, distando a sua casa da deles a “nem sequer 10, 15 metros” e que desde que é vizinha deles que ouve do seu quintal, e inclusive do interior de sua casa, “Discutimentos quase todos os dias” e o arguido a insultar a assistente, chamando-lhe Puta”, “vaca”, “porca” e a dizer-lhe que “ela tinha muitos amantes”, “que um dia que lhe ia fazer como faziam os outros, que a matava.”.

  17. A testemunha C. G. referiu em julgamento foi que “Às vezes ouvia a Maria C. mas não ouvia o que ela dizia porque também o que ouvia mais era o senhor M. C. a falar mais alto”, o que é confirmado pelas declarações da assistente e, bem assim, da testemunha G. S., quando referem que o arguido gritava, falava mais alto, ao proferir os insultos e as ameaças de morte, o que, no nosso modesto entendimento, tal resulta claramente plausível e em nada gera dúvida.

  18. A testemunha C. G. referiu ainda que o fator motivador de todas estas situações de maus-tratos era o estado alcoolizado em que quase diariamente o arguido se apresentava e que a assistente suportava tal porque lhe tinha medo e estava com esperanças que o arguido mudasse de comportamento, tendo ainda precisado que nunca interveio no sentido de ajudar a assistente porque não se queria meter, muito embora tenha aconselhado a mesma a chamar a GNR.

  19. É sustentado também na fundamentação da douta sentença recorrida, que a testemunha C. G. ter “faltou à verdade quando afirmou que ouviu o arguido ameaçar a assistente de morte no dia da discussão, quando a GNR o levou, facto que sequer coincide com as declarações da assistente que, nesse particular, foi perentória em afirmar que na noite de 09/11/2015 a GNR não entrou na sua habitação, por ter encontrado o ambiente pacificado, apenas se tendo deslocado ao local no dia seguinte, quando já nenhuma discussão decorria.”, sendo nesto ponto, com o devido...

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