Acórdão nº 546/14.3TBBGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Setembro de 2017
Magistrado Responsável | LINA CASTRO BAPTISTA |
Data da Resolução | 14 de Setembro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO A. M.
, residente em Bragança, entretanto falecida, e habilitada pelos seus herdeiros e co-Autores; A. D.
e mulher J. M.
, residentes na B.º…, Bragança; M. M.
e marido J. H.
, residentes em Remscheid; H. D.
, funcionário da …, residente em B.º da …, Bragança; J. J.
e mulher E. F.
, residentes em Rue …, Levallois; M. I.
e marido N. D.
, residentes em Rue, Rueil Malmaison; M. E.
, residente Rue … Chatillon, e E. J.
e marido J. F.
, residentes em Rue …, Levallois, intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum e forma sumária, contra E. B.
, residente em B.º …, Bragança; L. M.
e marido J. N.
, respectivamente doméstica e agricultor, residentes em Bragança, e SM, residente em Bragança, pedindo que os Réus sejam condenados a: 1. Reconhecerem que eles são viúva, filhos, noras e genros de JDN.
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Reconhecerem que o prédio identificado em 4) da Petição Inicial pertence em comum à primeira Autora e à herança aberta por óbito de JDN.
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Fazer-lhes a entrega do referido prédio, na qualidade em que intervêm.
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Verem declaradas nulas e de nenhum efeito a escritura de justificação e venda outorgada pelo 1.º Réu no Cartório Notarial de Bragança, em 20 de novembro de 1995, e bem assim a escritura de doação outorgada no mesmo Cartório Notarial pelos 2.º e 3.º Réus.
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Verem ser ordenado o cancelamento de todos os registos efectuados sobre o referido prédio com base nas referidas escrituras.
Alegam – em síntese – que o seu marido, pai e sogro, JDN, faleceu em 09 de fevereiro de 1992, mantendo-se a respetiva herança jacente, fazendo parte da mesma o prédio de pastagem e dois castanheiros, inscrito na matriz predial rústica, sob o n.º 4B2B, que confronta de Norte com A. M., Sul com A. F., Nascente com A. F. e Poente com Estrada.
Especificam que os pais da 1.ª Autora possuíram o dito prédio, por mais de 15, 20 e 30 anos, sempre o cultivando, lavrando, adubando, semeando e dele colhendo e guardando as culturas que o mesmo produzia, à vista e com o conhecimento de todas as pessoas, sem oposição de ninguém e convencidos de exercerem um direito próprio. Entendem que, por via da usucapião, a propriedade do referido prédio se radicou na esfera jurídica dos pais da 1.ª Autora.
Acrescentam que, depois de seus pais, de quem o herdou, a 1.ª Autora e seu marido possuíram o mesmo prédio durante mais de 15, 20, 30 e mais anos, sempre o cultivando, lavrando, adubando, semeando e dele colhendo e guardando as culturas que o mesmo proporcionava, sempre à vista e com o conhecimento de todas as pessoas, sem a oposição de ninguém, convencidos de exercerem um direito próprio.
Mais alegam que, através de escritura de justificação e venda, celebrada no Cartório Notarial de Bragança, no dia 20 de novembro de 1995, o 1.º Réu se arrogou dono do referido prédio e vendeu-o aos 2.º Réus. Também que estes, em 10 de março de 1997, por escritura celebrada no Cartório Notarial de Bragança, doaram à 3.ª Ré, sua filha, o referido prédio.
Afirmam serem falsas as declarações produzidas pelos declarantes na escritura de justificação e compra e venda que o 1.º Réu celebrou, já que este nunca esteve na posse do referido prédio.
Os Réus vieram contestar, excecionando a falta de patrocínio judiciário, alegadamente por os Autores não terem conferido ao Advogado que faticamente os acompanha quaisquer poderes; excecionando a ilegitimidade passiva, por a Ré SM ser casada e o imóvel dos autos se integrar no casal comum da mesma com o marido; excecionando a ilegitimidade ativa, por a ação dever ter sido intentada pela herança indivisa e excecionando a ineptidão da petição inicial, por alegadamente os pedidos estarem em contradição com o fundamento da ação.
Impugnam a generalidade da matéria de facto da Petição, contrapondo que, na data de outorga da escritura de justificação e compra e venda, o Réu E. B. era efectivamente dono e legítimo proprietário do prédio dos autos, já que, por si e seus maiores, vinha detendo e fruindo o mesmo, pacífica e publicamente, com animus domini, e sem oposição de quem quer que fosse, há mais de 20 e 30 anos, sem interrupção, à vista de toda a gente.
Dizem que aquele direito de domínio pleno e exclusivo que veio a ser adquirido pelos Réus M. M. e marido pela dita escritura de compra e venda foi, posteriormente, transmitido para a sua filha SM, por doação titulada por escritura pública lavrada em 10 de março de 1997.
Defendem que atuamente SM é a única e exclusiva proprietária do prédio em apreço, o qual se encontra inscrito na matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial de Bragança, sob o n.º 999, e inscrito a favor da donatária.
Concluem pedindo que seja reconhecido o direito de propriedade sobre o prédio identificado no art.º 4.º da Petição Inicial, a seu favor, e, consequentemente, que seja julgada improcedente, por não provada, a ação, com a sua absolvição dos pedidos contra si deduzidos. E, se assim se não entender, que sejam julgadas procedentes as invocadas exceções dilatórias.
Os Autores vieram responder, impugnando a totalidade da matéria de facto alegada em sede de exceções.
Em sede de audiência preliminar, convidaram-as as partes a fazer intervir nos autos o marido da Ré SM (PR) e o marido da Autora M. E. (V. E.).
Deferida a requerida intervenção destes terceiros, PR veio intervir voluntariamente nos autos, ratificando todos os atos processuais praticados pelos Réus.
Ordenou-se a junção aos autos de novas Procurações Forenses por parte dos Autores, com ratificação do processado.
Proferiu-se despacho saneador, no âmbito do qual se julgou improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial.
Realizou-se julgamento de acordo com o legal formalismo e foi proferida sentença que julgou a ação procedente, por provada, e, em consequência: I. Declarou que a propriedade sobre o prédio rústico sito em Bragança, descrito na Conservatória do Registo Predial de Bragança, sob o n.º 999 e inscrito na matriz sob o artigo 4B2B.º, pertence em comum e sem determinação de parte ou direito, aos Autores.
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Declarou validamente impugnada e, por isso ineficaz e sem qualquer efeito, a escritura de justificação notarial e venda outorgada pelos Réus, E. B., L. M. e J. N., em 20 de novembro de 1995, no Cartório Notarial de Bragança, por serem falsas as declarações aí prestadas pelo Réu, E. B..
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Declarou ineficaz e sem qualquer efeito a escritura de doação outorgada pelos Réus, L. M., J. N. e SM, em 10 de março de 1997, no Cartório Notarial de Bragança.
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Determinou o cancelamento do registo de aquisição a favor da Ré, SM, mediante a Ap. 8 de 04/06/2007, do prédio rústico sito em Bragança, descrito na Conservatória do Registo Predial de Bragança sob o número n.º 999 e inscrito na matriz sob o artigo 4B2B.º V. Condenou a Ré SM e o chamado PR a restituírem aos Autores o prédio rústico sito em Bragança, descrito na Conservatória do Registo Predial de Bragança sob o número n.º 999 e inscrito na matriz sob o artigo 4B2B.º.
Inconformados com o julgado, os Réus recorreram, terminando com as seguintes Conclusões (que se resumem): 1.
Entendem desta feita os RR. Que a Douta Sentença encontra-se desfasada da realidade e das normas jurídicas aplicáveis in casu, pois, tal como supra elencado, a mesma carece de pilares e fundamentos quanto aos compradores aqui RR M. M. e seu marido e a Ré sua filha SM e marido PR, nestes autos chamados.
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A fundamentação não é aceitável, porquanto a mesma viola a Lei contrariando o regime aplicável nos presentes termos.
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No Despacho Saneador, datado de 15/12/13, a ação foi qualificada como Ação de Reivindicação (art.º 1311.º do C.C.).
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Dos documentos ora juntos resulta o trato sucessivo do identificado prédio – o registo de aquisição do direito de propriedade - 1995/1997-04-06.
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A Petição Inicial dá entrada em 07/01/2001 – volvidos mais de 04 anos sobre o último registo de aquisição – da Ré SM e marido chamado PR.
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Da referenciada certidão inexiste qualquer registo provisório da presente ação – pese embora arguida tal nulidade o Tribunal a quo não se pronunciou da falta de registo da ação, sendo totalmente omissa.
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Os Réus aqui Recorrentes assumem ab initio a qualidade de terceiros de boa fé, para os devidos efeitos, nomeadamente do regime do art.º 291.º do CC, que visa a protecção do terceiro de boa fé, estabelecendo um desvio ao princípio geral sobre os efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio (art.º 289.º do C.C.).
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Factualidade que resulta dos autos, matéria provada, assente, e suscitada. Porém, mesmo que os Réus não invocassem tal matéria a mesma – presunção de terceiros de boa fé – é de conhecimento oficioso, tal como a arguida nulidade – inexistência do registo da ação.
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A sentença afasta a presunção assentando tão só que da referida não beneficiavam os aqui Réus considerando que os mesmos compraram na data da escritura de justificação. O que não aceitamos por contrário ao que é expectável nas normas e no regime aplicável aos terceiros de boa fé.
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Assim, os direitos de terceiro sobre a coisa a restituir cedem se a ação de nulidade ou anulação for interposta e registada dentro dos três anos posteriores ao negócio. Vide o n.º 2 do art.º 291.º do C.C., o que não sucedeu nos presentes autos.
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Matéria propagada ainda nos art.º 17.º do C.R.Predial, que em suma estabelece que o registo do ato que seja anterior ao registo de ação de nulidade. Tal declaração de invalidade do negócio não estorva os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé. Os aqui Réus beneficiam desta presunção ao contrário do vertido na Douta Sentença.
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Nos termos do art.º 291.º trata da nulidade e anulabilidade do negócio jurídico (nulidade substantiva), ao passo que o art.º 17.º trata da nulidade do registo (nulidade registral) – artigos violados na sentença.
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Ainda, definindo o que se deve entender...
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