Acórdão nº 97/05.7TBPVL.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução04 de Abril de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO A…, menor, representado por sua mãe, instaurou a presente acção, com processo ordinário, para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, contra B…, S.A., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhes a quantia de € 165.954,08, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

Para tanto alegou, em síntese, que no dia 3 de Janeiro de 2002, nas demais condições de tempo, lugar e modo descritas na petição inicial, foi atropelado pelo veículo auto ligeiro misto, de matrícula 00-00-JX, pertencente a C…, e por este conduzido, seguro na ré, para quem havia sido transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros e emergentes da circulação desse veículo. Do acidente, que ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel, resultaram para o menor danos de natureza patrimonial e não patrimonial, no montante peticionado.

Citada a ré, veio contestar, impugnando a versão do acidente apresentada pelo autor, contrapondo que o mesmo se ficou dever a sua culpa exclusiva, apontando ainda a existência de responsabilidade da mãe do menor por violação da obrigação de vigilância e, de qualquer modo, acrescenta serem excessivos os montantes peticionados a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

Saneado o processo e discriminados os factos assentes e os controvertidos, prosseguiu aquele a sua tramitação, vindo a realizar-se audiência de julgamento com decisão da matéria de facto controvertida e subsequente prolação de sentença, que condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 20.080,24, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros, à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento e a quantia de € 11.000, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à mesma taxa de 4%, desde a sentença (4/7/2009), até integral pagamento.

Inconformados, apelaram autor e ré, sem êxito, pois esta Relação, por acórdão de 06.07.2010, confirmou a sentença recorrida.

Ainda irresignada, interpôs a ré recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por acórdão de 24.02.2011, entendendo que a matéria de facto devia ser ampliada, ordenou a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Guimarães para esse efeito, tendo anulado o acórdão por esta proferido.

Recebido o processo nesta Relação, a Exma. Relatora proferiu decisão singular a ordenar a ampliação da matéria de facto, com repetição do julgamento, nos termos do art. 712º, nº 4, do CPC.

Baixados os autos à 1ª instância, foram aditados à base instrutória os factos constantes dos artigos 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 15º, 16º, 17º, 40º (parte factual) e 42º, todos da contestação.

Realizado o julgamento, respondeu-se aos novos artigos da base instrutória e esclareceram-se as dúvidas referidas no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça relativamente a outros pontos da matéria de facto, nos termos constantes do despacho decisório da matéria de facto de fls. 463 a 470, o qual não foi objecto de reclamação.

Foi então proferida sentença a condenar a ré nos exactos termos da sentença anulada, ou seja, a pagar ao autor a quantia de € 20.080,24, acrescida de juros contados desde a citação à taxa de 4% até integral pagamento, a título de danos patrimoniais, e a quantia de € 11.000, acrescida de juros vincendos, à taxa de 4%, desde a sentença (19.11.2012) até integral pagamento, a título de danos não patrimoniais.

De novo inconformada, apelou a ré, que rematou a sua alegação com as seguintes conclusões (transcrição): «1.ª - De acordo com a factualidade apurada, o menor encontrava-se no exterior da habitação e pendurou-se no taipal da retaguarda do JX antes de o seu condutor iniciar a manobra de marcha-atrás.

2.º - Com esta atitude, o menor praticou um acto culposo e impossibilitou que o condutor do JX o visualizasse quando iniciou a manobra da marcha-atrás por este efectuada, no sentido descendente e para se dirigir à Estrada Nacional mais próxima.

  1. - Da mesma forma, o condutor do JX não se apercebeu que o autor havia caído para o solo – porque não se podia aperceber dada a falta de visibilidade - queda esta na sequência da qual a roda traseira do lado do condutor apertou o autor na zona abdominal, ficando este prostrado no chão.

  2. - Aceita-se, como o fez a sentença recorrida, que, desta factologia apurada, extrai-se que o condutor do veículo seguro na ré nenhuma regra de ordenação estradal violou, pelo que não se encontrava, aquando do atropelamento, em situação ilícita e, por maioria de razão, nenhum juízo de censura, na vertente da negligência, lhe pode ser assacado.

  3. - Pretendeu o legislador que o acidente, desde que não haja culpa do condutor, será imputado ao risco do próprio veículo. Se o acidente se verifica porque o lesado ou o terceiro não observaram as regras de prudência exigíveis em face do perigo normal do veículo, cessa a responsabilidade do detentor do veículo, porque, não obstante o risco, os danos provêm do facto de outrem.

  4. - A razão de ser parece ser esta: sendo já bastante severa a responsabilidade lançada sobre o detentor do veículo, não se afigura razoável sobrecarregá-la ainda com os casos em que, não havendo culpa dele, o acidente é imputável a quem não adoptou as medidas de prudência exigidas pelo risco da circulação. Uma situação deste tipo, tal como a do caso em apreço, está claramente prevista no citado artigo 505º do Código Civil, pelo que não há repartição de responsabilidades entre o risco próprio do veículo e a culpa do lesado (só para falar do lesado, por ser o que aqui está em causa).

  5. - Ou seja, onde há culpa é pela culpa que se afere a responsabilidade; havendo culpa fica afastada a responsabilidade de quem responderia sem culpa. Podemos assim concluir que não há concorrência de risco do lesante com culpa do lesado; se o acidente ocorreu por facto imputável ao peão que, não respeitando as regras de cuidado, atravessou uma via com forte intensidade de tráfego e veio a ser atropelado, é excluída a responsabilidade do proprietário da viatura atropelante, nos termos do artigo 505º do Código Civil.

  6. - Diga-se ainda que a interpretação seguida pela sentença recorrida não tem qualquer correspondência nem com o pensamento legislativo nem com o elemento literal da norma.

  7. - Entendemos assim que a melhor interpretação do art.º 505° só pode ser aquela no sentido de que a culpa exclusiva do lesado para a produção do dano exclui a responsabilidade pelo risco, contemplada no art. 503°.

  8. – Devendo absolver a recorrente e decidindo de outra forma, a sentença recorrida violou, entre outras disposições legais, o disposto nos art.º 483,º, 503.º, 505.º e 570.º, todos do Código Civil.

  9. - Nos presentes autos, ficou provado que o autor passou a padecer de uma IPP de 50%, embora não se tenha provado que dela tenha resultado qualquer perda de retribuição. Mais se provou que o menor tinha, à data do sinistro, 6 anos, pois nasceu em 13.03.1986.

  10. - Constata-se, portanto, que o menor não exercia qualquer actividade remunerada; Apesar de, na altura, não auferir rendimentos, não deve questionar-se o direito a que seja atribuída indemnização por este dano, sendo, na verdade, evidente, que a lesão corporal sofrida pode repercutir-se de uma forma negativa na capacidade física do Autor, comprometendo a sua capacidade de ganho no futuro [Cfr. Álvaro Dias, Dano Corporal – Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, 295.] 13.ª - Por outro lado, e como se refere na sentença recorrida, para efeitos de cálculo inicial da vida activa, não pode olvidar-se a crescente evolução do ensino obrigatório e da formação escolar técnico-profissional, média e superior, o que legitima a conclusão de que um jovem entre no mercado de trabalho não antes dos 21 anos e, quando adulto, tende a obter “uma remuneração capaz de assegurar o mínimo de dignidade, remuneração essa que deve situar-se agora em não menos de 650/700 euros, abertas que estão ainda, porque de uma criança se trata, todas as portas da vida” (Ac. STJ de 13.01.2009, proc. nº 08A3747, in http://www.dgsi.pt).

  11. - Quanto ao tempo provável de vida activa, assumimos como referência a idade de 65 anos.

  12. - Ora, tendo em conta o supra alegado e sem esquecer que recebendo antecipadamente a quantia em dinheiro esse valor, em termos de poder aquisitivo, será, normalmente, superior ao que provavelmente viria a ter com o decurso dos anos, o que (também) aconselha algum “travão” na fixação do montante indemnizatório a atribuir-lhe já, ponderando os valores a que chegaríamos recorrendo às apontadas Tabelas Financeiras [Escreveu-se, também, no Ac. STJ de 29 de Janeiro de 2003, relatado pelo Exmº Sr. Consº Luis Fonseca, disponível base de dados do MJ, temos por conforme aos princípios da justiça, da equidade e da proporcionalidade uma indemnização de € 70.000 pelos danos patrimoniais futuros do menor pela IPP.

    16.º - A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 483°, 562º e 564°, nº 2, todos do Código Civil.

  13. - Face aos factos dados como provados, dir-se-á que o tribunal a quo encontrou valores indemnizatórios exagerados, no que tange à indemnização por danos não patrimoniais, cumprindo-nos sublinhar que a mesma é igualmente exagerada.

  14. - No caso concreto há que considerar que o autor era fisicamente bem constituído saudável e alegre, que foi sujeito a mais do que uma intervenção cirúrgica, permaneceu nos cuidados intensivos em estado de coma e sobrevivendo com ajuda de máquinas, esteve, no pós operatório, com drenagem abdominal e impossibilitado de se movimentar, sofreu uma recuperação dolorosa e com drenagem abdominal, que ficou com três cicatrizes de grandes dimensões, tendo atingido um quantum doloris de grau 6 numa escala de 0 a 7 e que se tornou uma criança mais nervosa e agitada, ao que acresceu a reprovação de um ano escolar.

  15. - Mesmo aceitando o concurso de causas fixado na sentença recorrido - o risco e conduta do lesado justifique a...

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