Acórdão nº 533/12.6GAEPS.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA LU
Data da Resolução22 de Abril de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO No processo comum (com intervenção do tribunal colectivo) n.º533/12.6GAEPS do 1ºJuízo do Tribunal Judicial de Esposende, por acórdão proferido em 15/11/2012 e depositado na mesma data foi decidido: -absolver o arguido Joaquim A... da prática de um crime de roubo p. e p. pelo art.210.º n.º1 do C.Penal, -declarar extinto o procedimento criminal quanto a quatro crimes de injúria agravada p. e p. pelos arts.181.º n.º1 e 184.º, por referência ao art.132.º n.º2 al.l), todos do C.Penal.

-condenar o arguido Joaquim A... pela prática de três crimes de ameaça agravada p. e p. pelos arts.153.º n.º1 e 155.º n.º1 al.c), por referência ao art.132.º n.º2 al.l), todos do C.Penal, nas penas parcelares de seis meses de prisão por cada um dos crimes; em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de doze meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo sujeita a regime de prova.

* O Ministério Público interpôs os seguintes recursos: A) recurso do despacho judicial proferido na audiência de julgamento do dia 18/10/2012, que indeferiu o requerimento apresentado pelo Ministério Público no sentido de ser dado cumprimento ao art.129.º n.º1 do C.Penal Neste recurso foram apresentadas as seguintes conclusões [transcrição]: 1). É legalmente admissível o “depoimento de ouvir dizer” (art. 129º, nº 1, do Código de Processo Penal), desde que (primeira condição) se indique a pessoa a quem se ouviu dizer e que (segunda condição) essa pessoa seja chamada a depor (1.ª parte do n.º 1 do citado artigo 129.º) ou, mesmo não se fazendo comparecer a fonte do conhecimento dos factos para ser inquirida, isso aconteça por impossibilidade devida a morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada (2.ª parte do n.º 1 do mesmo preceito legal).

2).O preceito citado não exige a confirmação do depoimento indirecto pela pessoa indicada como fonte da informação, mas somente que esta seja chamada a depor: assim, é legalmente admissível o depoimento indirecto mesmo que a testemunha fonte não confirme o afirmado pela testemunha de “ouvir dizer” ou se recuse a depor, nomeadamente ao abrigo do disposto no art. 134º do Código de Processo Penal.

3).De acordo com o estatuído no art. 129º, nº 1, do CPP, resultando o depoimento do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz chama estas a depor.

Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova.

Se o fizer, isto é, chamar as pessoas a depor, o depoimento produzido pode, sem mais, sem necessidade de confirmação pela testemunha fonte, servir como meio de prova.

4).Os órgãos de polícia criminal estão proibidos de depor sobre o conteúdo de declarações que recolheram, quer de testemunhas, quer de pessoas já constituídas arguidas, e que foram formalizadas em auto (n.º 7 do art.º 356.º do Cód. Proc. Penal).

5).Os órgãos de polícia criminal não estão proibidos de depor sobre o conteúdo das declarações não formalizadas em auto e que não tinham de ser formalizadas em auto, prestadas perante si, nomeadamente das colhidas ao abrigo do disposto nos artigos 55.º, n.º 2, 249.º e 250.º do Cód. Proc. Penal, pois, por força destas normas, os órgãos de polícia criminal podem e devem colher notícias do crime, descobrir os seus agentes e praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nomeadamente colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição. Nada impede que os agentes de investigação, em audiência, deponham sobre o conteúdo dessas diligências, incluindo sobre o conteúdo das conversas havidas com a vítima ou com quaisquer outras pessoas, inclusivamente com suspeitos que, entretanto, foram constituídos arguidos e mesmo que estes, na audiência, se remetam ao silêncio.

6).Essencial é, no entanto, que as conversas não visem contornar ou iludir a proibição contida no n.º 7 do art.º 356.º do Cód. Proc. Penal e que seja respeitado o comando do art.º 59.º do mesmo diploma legal.

7).Os depoimentos indirectos são valorados no nosso ordenamento jurídico por força dos princípios da investigação e da verdade material.

8).A norma do n.º 1 do art.º 129.º do Código de Processo Penal consagra uma ponderação equilibrada entre direitos e garantias fundamentais do arguido e as finalidades primárias que o processo penal tem de prosseguir, como sejam a realização da justiça e a descoberta da verdade material, a tutela de direitos fundamentais das pessoas e o restabelecimento da paz jurídica e a reafirmação da norma jurídica violada.

9).Interpretando-se, como interpretou o tribunal recorrido, a norma do art. 129º, nº 1, do Código de Processo Penal, como proibindo os depoimentos indirectos quando a testemunha fonte se recusa validamente, por integrar o elenco das pessoas enunciadas no art. 134º do mesmo código, posterga-se, sem fundamento, as aludidas finalidades primárias que o processo penal tem de prosseguir.

10).Produzido depoimento indirecto, o juiz deve chamar a depor as pessoas fonte, sempre que aquele depoimento indirecto puder revelar-se essencial para a descoberta da verdade (apesar da expressão “o Juiz pode chamar estas a depor”, é para nós pacífico que a norma do art. 129º, nº 1, do CPP, impõe-se ao julgador como um verdadeiro dever: o juiz deve chamar a depor as pessoas a quem se ouviu dizer).

11).Dever resultante ainda por força deste normativo da disciplina do art. 340º do Código de Processo Penal: o juiz é investido de um poder-dever de investigação oficiosa, na procura da verdade material, cabendo-lhe produzir todos os meios de prova que considere adequados à boa decisão da causa e à descoberta da verdade material 12).Os deveres procedimentais de identificação e de chamamento a depor da testemunha fonte, são impostos oficiosamente ao tribunal como corolário do princípio da investigação.

13).Os depoimentos testemunhas Nuno P... e Carlos R..., militares da GNR, na parte relativa à violência que o arguido Joaquim S... terá exercido sobre a sua mãe e ao modo como aquele se terá apoderado de uma quantia em dinheiro pertencente àquela - depoimentos gravados a 20121018110803_91368_64336.wma (v. passagens de 1m25s a 1m35s e de 1m44s a 2m12s) e 20121018111745_91368_64336.wma (v. passagens de 4m10s a 4m30s e 5m20s a 6m44s) -, são indirectos.

14).Atentas as circunstâncias do caso, não há qualquer razão para suspeitar que os militares da GNR tenham procurado na altura, quando se deslocaram à residência da ofendida Zulmira C..., obter outras informações desta além das necessárias e urgentes para assegurar os meios de prova e para a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição.

15).Os militares da GNR limitaram-se a cumprir estritamente os deveres que lhes são assinalados pelas normas dos artigos 55.º, n.º 2, e 249.º do Código de Processo Penal.

16).Os depoimentos indirectos das referidas testemunhas, considerando as revelações feitas pelas mesmas relativamente a outros factos que percepcionaram directamente - designadamente que a ofendida se apresentou desolada, perturbada, que lhes exibiu umas cuecas rasgadas e que havia na residência peças de mobiliário desarrumadas -, não sendo contraditados fundadamente por outros elementos de prova, são, em nosso modesto entender, essenciais para a descoberta da verdade no caso concreto.

17).Para que o tribunal os pudesse valorar, impunha-se, por força dos citados artigos 129º, nº 1, e 340º do Código de Processo Penal - que o tribunal chamasse novamente a depor a ofendida, testemunha fonte, que desse a conhecer à ofendida o relato feito pelas testemunhas sobre o diálogo mantido com ela sobre os factos perpetrados pelo arguido contra a mesma e que lhe proporcionasse depor sobre tal diálogo.

18).Os depoimentos indirectos passariam a ser válidos, admissíveis, a partir desse momento, por força do preceituado do art. 129º, nº 1, do CPP, que não exige a confirmação do depoimento indirecto pela pessoa indicada como fonte da informação, mas somente que esta seja chamada a depor, ou seja, mesmo que a ofendida poderia legitimamente mantivesse a recusa de depor, ao abrigo do disposto no art. 134º do CPP.

19).A norma do art. 129º, nº 1, do CPP, exige incontroversamente que a testemunha fonte seja chamada a depor depois de produzido o depoimento indirecto, porque a chamada da testemunha fonte se destina a validar o depoimento indirecto (não se pode validar o que ainda não existe) 20).O tribunal recorrido violou as normas jurídicas dos arts. 129º, nº 1, e 340º do Código de Processo Penal, ao interpretá-las de forma diversa da sugerida nas conclusões “supra”, designadamente nas conclusões 1 a 3, 10, 11 e 17 a 19.

Termos em que, e nos mais que doutamente se suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido e ordenando-se ao tribunal “a quo” que, cumprindo os artigos 129º, nº 1, e 340º do Código de Processo Penal, correctamente interpretados, chame novamente a ofendida, testemunha fonte, a depor, dê conhecer à ofendida o relato feito pelas testemunhas militares da GNR sobre o diálogo mantido com ela sobre os factos perpetrados pelo arguido contra a mesma e que lhe proporcione depor sobre tal conversa.

  1. recurso do despacho judicial proferido na audiência de julgamento do dia 8/11/2012, que indeferiu o requerimento apresentado pelo Ministério Público no sentido de ser dado cumprimento ao art.129.º n.º1 do C.Penal Neste recurso foram apresentadas motivação e conclusões iguais às formuladas no recurso anterior, apenas se alterando o nome da testemunha que prestou o depoimento indirecto.

  2. recurso do acórdão final, tendo sido formuladas as seguintes conclusões [transcrição]: 1-É legalmente admissível o “depoimento de ouvir dizer” (art. 129º, nº 1, do Código de Processo Penal), desde que (primeira condição) se indique a pessoa a quem se ouviu dizer e que (segunda condição)...

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