Acórdão nº 347/10.8TBVLN-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelFILIPE CARO
Data da Resolução09 de Abril de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I.

E.., residente no Lugar de.., Valença, instaurou por apenso a processo de inventário onde é cabeça-de-casal, ação declarativa sob a forma de processo ordinário, contra: A.. e marido, M.., ambos residentes no Lugar de.., Valença; C.. e marido, D.., ambos residentes no Lugar de.., Valença; e O.. e marido, M.., ambos residentes no Lugar de.., Valença, todos eles interessados naquele inventário, alegando essencialmente que, sendo também interessada naquele processo, faltou à respetiva conferência de interessados, apesar de ter sido notificada para o efeito, mas tendo justificado a sua falta ainda antes da sua realização e pedido o seu adiamento. Não obstante e tendo-se convencido que o ato seria adiado --- o que constitui um erro de facto --- a conferência teve lugar na data aprazada, na sua ausência, onde foi proferido despacho de indeferimento do seu pedido e se procedeu depois a licitações.

A A. só teve pleno conhecimento do que se passou no processo depois de ter recebido o mapa de partilha, verificando que os outros interessados se aproveitaram da sua ignorância, licitando o único bem (imóvel) com base num valor muito inferior ao real, prejudicando-a.

Na perspetiva da A., ocorre um erro-vício que conduz à nulidade dos atos praticados na conferência de interessados.

Caso assim não se entenda, tais factos são fundamento de emenda à partilha.

Os R.R. sabiam do interesse da A. em adquirir o imóvel, tendo inclusive já oferecido montante superior àquele por que foi adjudicado. E sabiam que se a A. estivesse cabalmente esclarecida, jamais deixaria ou consentiria que o imóvel fosse adjudicado por € 15.000,00, tendo-se aproveitado da sua ausência para, em conluio e de forma a prejudicá-la, licitarem aquele valor, acertando as tornas, quiçá de montante superior.

Deduziu o seguinte pedido, ipsis verbis: “Termos em que se requer a V. Ex.a se digne emendar a partilha por falta de acordo, nos termos do disposto no art. 1387° n° 1 do CPCivil, ou subsidiariamente, anular a partilha judicial, nos termos do disposto no art. 1388° n° 1 CPCivil, e consequentemente se anule os actos praticados na Conferencia de Interessados ou caso assim se não entenda seja o imóvel adjudicado à interessada pelo valor que resultar da avaliação.” Citados, os R.R. O.. e M.. contestaram a ação, por exceção e por impugnação.

Por exceção e para o caso de ser reconhecido o direito da A. (no que não concedem), entendem que ela age com abuso de direito.

Quanto ao mais, negam parte dos factos alegados e o direito que a A. invoca, acrescentando que exerceu funções de cabeça-de-casal, sem reparo, falta de conhecimento ou incapacidade para o cargo, apesar da iliteracia de que se pretende fazer valer.

Terminam nos seguintes termos, ipsis verbis: “Assim, e pelo exposto, e cumpridos os ulteriores tramites processuais, deverá a presente Acção ser julgada totalmente improcedente, pelo que a seguir de expõe: a) Ser julgada totalmente procedente por provada a excepção peremptória de abuso de direito, sendo que a mesma poderá ser já decidida em Despacho Saneador Sentença tendo, inclusivamente por base as posições controvertidas das partes tal como as apresentam; b) Caso não seja o entendimento de decidir como se encontra peticionado na alínea anterior, e que naturalmente se tem que equacionar, ser a acção julgada totalmente improcedente por não provada, independentemente de provada na sua factualidade (não concebível), por insusceptibilidade de ser extraídas as consequências jurídicas pretendidas e peticionadas, com as legais consequências daí decorrentes.” Também os R.R. C.. e marido, D.., ofereceram contestações pelas quais impugnaram parcialmente os factos alegados na petição inicial em sentido semelhante à contestação dos co-R.R. O.. e marido, concluindo pela improcedência da ação.

A A. respondeu às contestações impugnando a matéria de exceção, concluindo como na petição inicial.

Dispensada a audiência preliminar, o tribunal proferiu saneador-sentença ao abrigo do art.º 510º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil, culminando no seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo a presente acção improcedente, absolvendo os réus do pedido.” (sic) Inconformada, a A. E.. recorreu da decisão, alegando com as seguintes CONCLUSÕES: «1. Salvo o devido respeito que é muito a douta sentença erra na aplicação do direito e viola o disposto nos artigos 1386º, 1387, 1388º todos do CPC e os artigos 251°, 247° e 289° estes do CC.

  1. O pedido principal é a emenda da partilha por falta de acordo, nos termos do artigo 1387º do Cod. Proc Civil e o pedido subsidiário a anulação da partilha nos termos do artigo 1388º, n.º 1 do CPC.

  2. Os factos alegados (a serem provados) são suficientes para conduzirem à emenda ou anulação da partilha.

  3. Os factos alegados são susceptiveis de viciar (como viciaram) a vontade da recorrente.

  4. Tendo em conta a forma do acto de Partilha e de licitação e o concernente efeito jurídico, a sua natureza jurídica é a de um negócio jurídico oneroso unilateral tendente à partilha dos elementos integrantes de determinado património indiviso e à concretização do quinhão do respectivo licitante 6. E como negócio jurídico é susceptível de anulação.

  5. O artigo 1372º do Código de Processo Civil refere-se a uma particular situação de anulação do acto de licitação a requerimento do Ministério Público motivada pela ideia de defesa do interesse de incapazes ou equiparados.

  6. Fora dessa situação, a anulação do acto de licitação é regida em termos substantivos pela lei geral relativa à falta e aos vícios da vontade a que se reportam os artigos 240º a 257º do Código Civil.

  7. Nestes preceitos podemos distinguir o erro na formação da vontade, a que por vezes se chama erro-vício ou erro-motivo, e o erro na declaração, figura de divergência entre a vontade real e a vontade declarada, prevista fundamentalmente no artigo 247º do CC e a que se chama correspondentemente erro obstativo ou erro obstáculo.

  8. No direito chama-se erro à ignorância ou falsa representação de uma realidade que poderia ter intervindo ou que interveio entre os motivos da declaração negocial. Neste caso todo o factos alegados.

  9. Sendo que a declaração é uma decisão volitiva, precedida, no plano psicológico, de uma deliberação, rápida ou demorada, em que o possível autor se representa o possível negócio e o seu circunstancialismo.

  10. Ora, nesta representação, podem faltar elementos, ou pode haver elementos que não correspondam à realidade.

  11. Quer isto dizer que, em direito, o erro abrange a ignorância. Seja ela dos trâmites processuais de um inventário, seja até, como neste caso, pelo analfabetismo da Recorrente.

  12. No erro vicio há coincidência entre o querido e o declarado sendo, contudo, a declaração a consequência de uma errónea representação da realidade.

  13. Ocorre uma “ignorância (falta de representação exacta) ou uma falsa ideia (representação inexacta) por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro estado de coisas não teria querido o negócio, ou, pelo menos, não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu.” (Prof. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, Reimpressão, 1992, 233).

  14. Assim, o erro enquanto vício na formação da vontade só existe quando falta um elemento, ou a representação mental está em desacordo com um elemento, da realidade existente no momento da formação do negócio jurídico.

  15. O certo, porém, é que nem todo e qualquer erro tem repercussão no negócio jurídico.

  16. Requisito da relevância do erro em geral é aquilo a que, com Castro Mendes, podemos chamar causalidade.

  17. Isto é, é preciso que o erro seja “error causam dans”, causa do negócio jurídico nos seus precisos termos.

  18. A causalidade implica a inserção de um factor anómalo - justamente o erro, abrangendo a ignorância - no processo volitivo.

  19. Processo volitivo esse que, sem a intromissão do erro, teria sido outro e diferente. (neste caso ter comparecido na conferencia de interessados ou constituir um mandatário).

  20. Mas acima de tudo é condição primacial para a eventual relevância do erro, que ele exista no momento da formação do negócio jurídico, pois esse é o momento a que se devem reportar tanto a vontade real como a vontade conjectural. (neste caso quando envia a carta a pedir o adiamento por doença e no errado pressuposto que isso faria com que a diligência fosse adiada).

  21. A emenda à partilha pressupõe um erro de facto na descrição ou na qualificação dos bens ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes (artigo 1386º do CPC) 24. A fundamentação do meritíssimo juiz a quo labora em erro e por dois motivos.

  22. O primeiro porque essa alegação por si só íntegra, como se alegou na Petição Inicial, um erro suspectivel de viciar a vontade das partes nos termo do disposto no artigo 247º e seguintes do C.C.

  23. Em segundo lugar porque a Autora alegou...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT