Acórdão nº 802/10.0TBPTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Julho de 2013

Magistrado ResponsávelRITA ROMEIRA
Data da Resolução11 de Julho de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO A A., Maria ..., intentou contra a R., Companhia de Seguros, “..., S.A.”, a presente acção com processo ordinário, pedindo que a acção seja julgada procedente e, consequentemente, seja a Ré condenada a pagar-lhe: a) a indemnização global líquida de € 404.198,50, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a propositura da acção até efectivo e integral pagamento; b) a indemnização que, por força dos factos alegados nos artigos 250 a 297, da p.i, vier a ser fixada em decisão ulterior (artº 564, nº2, do CC), ou, seguindo outro entendimento vier a ser liquidada em execução de sentença (artºs 661, nº 2 e 805 e ss – actual artº 378, nº2, do CPC).

Alega para tanto, em síntese, ter sofrido danos em consequência do acidente de viação ocorrido no dia 27 de Maio de 2008, pelas 19h20, entre ela, peão e o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-AA, propriedade e conduzido por José ... que por não prestar atenção ao trânsito de peões que se processava, embateu na Autora projectando-a para o solo, causando-lhe lesões corporais várias, acidente que ficou a dever-se a culpa única e exclusiva daquele condutor, o qual tinha transferido para a ré a sua responsabilidade civil por danos causados por aquele veículo.

Após a citação, a Ré contestou, nos termos que constam a fls. 127 e ss., aceitando a responsabilidade civil pelo acidente, dentro dos limites e condições da apólice, apenas, impugnando o alegado pela A. e, não aceitando pagar as indemnizações peticionadas por considerar algumas exageradas e outras não serem devidas.

Conclui que a acção deverá ser julgada em conformidade com o que fôr provado e com o direito aplicável.

A A. replicou a fls. 145 e ss., impugnando o alegado pela seguradora quanto aos danos alegados e os montantes peticionados pela autora, pugnando que a mesma deve indemnizar a autora já que reconheceu a culpa do veículo seu segurado na produção do acidente.

Termina pedindo a improcedência da alegada matéria de excepção e conclui tudo como na petição inicial.

A fls. 154 e ss., foi proferido despacho saneador tabelar e organizada a selecção da matéria de facto assente e a base instrutória, sem reclamação.

Instruído o processo, com realização de perícia médico legal à autora, junta a fls. 257 e ss., prosseguiram os autos para audiência de discussão e julgamento, tendo sido dada resposta aos quesitos da base instrutória, nos termos que constam a fls. 323 a 332, sem reclamações.

Por fim, foi proferida sentença a fls. 334 e ss, que terminou com a seguinte decisão: “Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, condena-se a Ré “... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” a pagar à Autora MARIA ..., a título de indemnização por acidente de viação: - a quantia de € 88.412,00 (oitenta e oito mil quatrocentos e doze euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, sobre € 18.412,00 desde a citação e desde a presente data sobre o restante, tudo até integral pagamento; - a quantia de € 15.180,00 (quinze mil cento e oitenta euros), relativa ao auxílio de uma pessoa à Autora entre 26 de Fevereiro de 2010 e 23 de Janeiro de 2013; - montante a liquidar em execução de sentença, decorrente do agravamento das sequelas do acidente na Autora, dos medicamentos anti-inflamatórios que a Autora necessite, por prescrição médica, até ao fim da sua vida, da reposição das canadianas ou seus componentes, e do custo da assistência à Autora em casa, 4 horas por dia, de segunda a sexta-feira.

Custas a cargo de Ré e Autora, na proporção do respectivo decaimento e sem prejuízo do decidido em sede de apoio judiciário.”.

Inconformadas interpuseram recurso a seguradora e a autora recurso subordinado, ambos admitidos com efeito devolutivo.

Recurso da seguradora Apresentou alegações a fls. 350 e ss., que terminou com as seguintes CONCLUSÕES: 1) A compensação fixada para ressarcir os danos não patrimoniais é excessiva, por comparação com os montantes já atribuídos no âmbito de acidentes rodoviários.

2) São sobejamente conhecidas as dificuldades em quantificar os danos não patrimoniais e em traduzi-los numa quantia em dinheiro que, de alguma forma, compense o sofrimento, o desgosto e a dor. Resta o recurso à equidade e, enfim, ao que vai sendo a jurisprudência dos nossos tribunais neste domínio.

3) Para que se salvaguarde o valor da segurança jurídica é necessário que os tribunais fixem uma compensação para os danos não patrimoniais passível de ser alcançada por qualquer decisão judicial.

4) Por acórdão proferido em 26-01-2012 (Proc. 220/2001-7.S1) entendeu-se adequado o montante compensatório de € 40.000,00 relativamente aos danos não patrimoniais sofridos por lesado cujo internamento hospitalar se prolongou por quase 3 meses, com várias intervenções cirúrgicas, que, depois, teve necessidade de ajuda permanente de terceira pessoa, tendo tido dores de grau 5 numa escala até 7 e cuja incapacidade absoluta para o trabalho (relevando aqui na sua vertente não patrimoniail) se prolongou por cerca de uma ano e meio, tendo ficado, com a estabilização clínica, com dores e dismetria dos membros inferiores”.

5) Sendo que, numa outra situação, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu fixar a título de danos morais € 50.000,00, tendo o lesado 29 anos, com várias fracturas e traumatismo crâneo-encefálico, com inerentes dores (de grau 5 numa escala até 7). Esteve hospitalizado duas vezes, foi sujeito a intervenções cirúrgicas e tratamento em fisioterapia. Teve de se deslocar, por longo tempo, com o auxílio de canadianas. Ficou, como sequelas permanentes, com cicatrizes na perna, claudicação da marcha, dificuldades em permanecer de pé, em subir e descer escadas e, bem assim, impossibilitado de correr e praticar desporto que antes praticava. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-10-2010 (Proc. 370/04.1TBVNGS.C1).

6) Em situações bem mais gravosas do que aquela descrita nos presentes autos, e envolvendo lesados bem mais jovens, os valores fixados para ressarcir os danos não patrimoniais sofridos foram mais baixos.

7) Como exemplo termos o acórdão de 14-09-2010 (Proc. 797/05.1TBSTS.P1) – Acidente de viação que ocorreu em 04.02.2002, lesado com 19 anos de idade à data do acidente, culpa exclusiva do condutor do veículo segurado fixou-se o montante da indemnização a título de danos morais em € 50.000,00, ponderando: “Autor, em consequência do acidente, se sujeitou a internamentos hospitalares durante cerca de trinta dias, dezasseis dos quais em estado coma; no decurso desse período e para além de uma intervenção inicial de primeiros cuidados no Hospital …, foi sujeito a mais quatro intervenções cirúrgicas, três delas ao joelho esquerdo, bem como a uma cirurgia plástica ao pescoço no Hospital … do Porto, ficando com as sequelas referidas no relatório junto aos autos como documento 4.

Ressalta, designadamente, da factualidade dada como assente que: «…«O autor sofreu dores muito fortes após a sua saída do estado de coma, bem como durante e após as intervenções cirúrgicas e tratamentos a que foi submetido, já que lhe foi diagnosticado «ar intracraniano, fractura temporal esquerda, fracturas múltiplas do maciço facial, hemorragia subaracnoideia, edema cerebral difuso, contusão hemorrágica talâmica esquerda e contusão hemorrágica temporal esquerda. E ainda hoje tem dores no joelho esquerdo, as quais se agravarão aos 50 anos de idade por força de artrose precoce desse joelho». Apresenta ainda o autor, como consequência directa do acidente, «uma lesão estética grave na cara, ou seja encovamento perceptível do olho e órbita esquerda, com assimetria facial marcada, bem como cicatrizes na face, junto ao olho esquerdo, cicatriz no pescoço na área da glote, diversas cicatrizes cirúrgicas no joelho esquerdo, hipotrofia dos músculos da coxa esquerda, a qual reduziu o diâmetro em 2 centímetros e alopécia com 2 centímetros de diâmetro no topo da cabeça, de difícil disfarce com o crescimento do cabelo».

Atendendo à idade do autor (19 anos de idade à data do acidente, pois que nascido em 29-3-82)) «tais lesões causam-lhe grande sofrimento, uma vez que tem vergonha de sair à rua, de encarar outras pessoas e de ir à praia». «Não sendo possível corrigir cirurgicamente a alteração estética e funcional na zona do olho esquerdo, e tendo o autor que conviver com esta nova realidade, sofre cada vez que olha ao espelho e de cada vez que conhece uma nova pessoa; daí que «desde a data do acidente, o autor, que antes era pessoa calma, obediente e cordata, tenha passado a ter um comportamento conflituoso, não só com os familiares e amigos, como também até com estranhos, sendo hoje uma pessoa nervosa, revoltada, que se isola de todos os que o rodeiam»; «e passado, a nível de aprendizagem, memorização e outros desempenhos intelectuais, a ter menor capacidade mental, tendo, por vezes, dificuldade em memorizar e raciocinar» (sic).

8) Por outro lado, a idade da recorrida, as lesões que apresenta, como o défice funcional permanente que lhe foi fixado, apontariam para uma compensação cujo valor revelasse de forma significativa a diferente situação em que se encontra em relação a outros casos concretos já decididos pelo Supremo Tribunal de Justiça.

9) É o que acontece com a situação descrita no acórdão de 11-11-2010 que entendeu adequada uma indemnização de € 80.000,00, fixada como compensação dos danos não patrimoniais de correntes de lesões físicas gravosas, múltiplas, incapacitantes, implicando internamentos prolongados, com imobilização e dores intensas, e envolvendo uma IPG de 45% e o reconhecimento pela segurança social de uma situação de invalidez, com degradação acentuável e irremediável do padrão e qualidade de vida do lesado.

10) É pelo exposto excessivo compensar com € 70.000,00 os danos não patrimoniais sofridos pela recorrida.

11) Ao decidir em contrário a douta sentença fez errada interpretação da lei em violação do...

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