Acórdão nº 1344/11.1TBVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Julho de 2013

Magistrado ResponsávelFILIPE CARO
Data da Resolução02 de Julho de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I.

M.., LDA., NIPC .., com sede no lugar .., Viana do Castelo, instaurou ação declarativa com processo sumário contra COMPANHIA SEGUROS.., NIF.., com sede em.., Lisboa, alegando essencialmente que, sendo uma empresa que se dedica ao transporte e aluguer de máquinas de terraplanagens, celebrou com a R. um contrato de seguro do Ramo Mercadorias Transportadas, pelo que esta deve responder pelos prejuízos resultantes do embate de uma máquina na sacada de uma varanda quando estava a ser transportada num camião da demandante na via pública, danos esses no valor de € 27.687,37.

Com efeito, formula assim o pedido: «Nestes Termos E nos melhores de direito aplicáveis deve a presente acção ser julgada provada e procedente e em consequência a R. condenada a) A pagar à A. a quantia de 27.687,37 euros, necessária para a reparação da máquina dos autos, ou em alternativa a proceder à sua reparação; b) Nas custas processuais, procuradoria condigna e honorários do mandatário da A. e todos os legais acréscimos.» (sic) Citada, a R. contestou a ação. Aceitou a existência e a validade do contrato de seguro, assim como a verificação do sinistro, impugnando, ainda assim, parte dos factos alegados na petição inicial, relacionados com algumas das suas circunstâncias e consequências. Ademais, defendeu a não cobertura pela apólice do risco concretizado no sinistro, por não ter havido colisão do veículo pesado que transportava a máquina. Para que a garantia contratual funcionasse --- esclarece --- necessário se tornaria que os danos sofridos pela mercadoria transportada decorressem do embate do veículo que os transportava em outro veículo ou obstáculo, de qualquer natureza.

Em resposta, a A. defendeu que o contrato cobre o risco em causa e que a matéria de exceção alegada na contestação terá que ser considerada improcedente.

Foi elaborado despacho saneador tabelar e dispensada a seleção da matéria de facto.

Instruídos os autos, teve lugar a audiência de discussão e julgamento da causa, que culminou com respostas fundamentadas em matéria de facto, de que as partes não reclamaram.

Foi proferida sentença que culminou com o seguinte segmento decisório: «Em face do exposto, julgo a acção intentada por M.., Lda. contra Companhia de Seguros.., S.A. totalmente procedente, por totalmente provada, e, consequentemente, condeno a ré pagar à Autora a quantia de € 27.687,37 ou, em alternativa, a proceder à reparação da máquina escavadora giratória de marca Hitachi, ZX210, série MBDA00V00500896.

Custas pela Ré.» (sic) Inconformada, recorreu a R. de apelação, formulando as seguintes CONCLUSÕES: «1 - A recorrente não se conforma com a decisão recorrida porquanto entende que o Tribunal recorrido operou uma menos correcta interpretação do clausulado contratual do contrato de seguro invocado nos autos, e bem assim, porque desconsiderou factualidade provada no processo, por via de confissão, a qual nem sequer fez constar do elenco dos factos provados constante da sentença.

2 – Ora por um motivo, ora por outro, a decisão ora posta em crise deve ser revogada e substituída por outra que absolva a recorrente do pedido, ou, quando assim não se entenda, que tenha em consideração a factualidade confessada pela autora em sede de Audiência de Julgamento.

3 - Discutida a matéria de facto controvertida nos presentes autos, com relevância para o que ora se pretende, resultaram provados os factos vertidos nas alíneas b), c), d), e), f), g), h), i), j), k), l), m), q), r) e s) constantes do elenco de factos provados da sentença e que aqui se dão por reproduzidos por razões de economia processual.

4 - Atentos os factos supra indicados, dúvidas não restam de que os danos derivados do sinistro dos autos, que a autora peticiona da ré, resultaram do embate da parte superior da máquina escavadora giratória transportada no veículo “UI” e a sacada de uma varanda, pertencente a um prédio que confronta com a via pública, a qual ocupa parte da faixa de rodagem.

5 – Por outras palavras, os danos reclamados pela autora nos presentes autos não tiveram origem nem são consequência de qualquer embate do veículo transportador, posto que o mesmo, como resulta da matéria de facto provada, não embateu em qualquer bem móvel ou imóvel.

6 – O problema que se põe a Vossas Excelências prende-se com a subsunção deste quadro factual ao contrato de seguro firmado entre a recorrente e a recorrida e que aqui se dá por integralmente reproduzido, também por razões de economia processual, até porque é deste modo que o teor de tal contrato figura do ponto q) da matéria de facto provada da sentença.

7 – Tal subsunção pressupõe a interpretação deste documento, sobretudo do n.º 2 do artigo 2º das condições gerais da apólice, à luz dos critérios legais, efectuada por essa Instância Superior, posto que a ora recorrente não se conforma com a interpretação que o Tribunal recorrido fez dos termos do aludido contrato, e muito menos com os fundamentos em que estribou tal solução interpretativa.

8 – Tal como aduz a sentença recorrida, a recorrente também entende que “em matéria de interpretação, o contrato de seguro não se afasta das regras gerais do direito civil, previstas nos artigos 236º e 237º do Código Civil. É maioritariamente aceite que o legislador consagrou a doutrina da impressão do destinatário, de cariz objectivista, valendo a declaração com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele – cfr. artigo 236º, nº 1, do Código Civil.” 9 – Impõe-se a interpretação do clausulado do contrato, em especial da norma vertida na alínea a) do n.º 2 do artigo 2º das condições gerais da apólice, de acordo com esta solução interpretativa.

10 - Reza assim o aludido normativo contratual: “ART. 2º - Objecto do Contrato e Âmbito da Garantia 1. O presente Contrato garante, de acordo com o estipulado nas Condições Particulares, as perdas ou danos sofridos pelos bens e/ou interesses patrimoniais devidamente identificados, durante o seu transporte, no percurso normal da viagem segura, quer este se efectue por via marítima, fluvial, terrestre ou aérea.

  1. O Contrato poderá assim garantir: a) a perda total, material e absoluta, dos bens seguros quando ocorrida conjuntamente com idêntica perda total, por fortuna de mar, do navio ou embarcação transportadora, ou por acidente terrestre ou aéreo com o meio de transporte utilizado, durante o período de risco abrangido pelo Contrato; …” 11 - Da leitura da norma exposta supra, resulta claramente que a garantia do seguro funcionará quando os danos a indemnizar, nomeadamente a perda total, material e absoluta dos bens seguros – neste caso da mercadoria transportada – ocorram conjuntamente com idêntica perda total do navio ou embarcação transportadora, ou por acidente terrestre ou aéreo com o meio de transporte utilizado.

12 – Sem qualquer margem para dúvidas, ou para outra interpretação do seu conteúdo, esta cláusula contratual faz depender, de um modo objectivo, unívoco e expresso, o funcionamento da cobertura contratual da conjugação de dois factos, a saber, a ocorrência da perda total, material e absoluta dos bens seguros e a perda total do navio ou embarcação transportadora ou por acidente terrestre ou aéreo com o meio de transporte utilizado.

13 - A norma que aqui se pretende interpretar acha-se expressa de uma forma absolutamente clara, e por esse motivo, apenas permite uma única interpretação com exclusão de todas as demais.

14 - A leitura desta norma contratual, efectuada por um homem medianamente instruído e diligente, colocado na posição da declaratária – a ora recorrida, pode entender o sentido e significado do vertido naquele artigo das cláusulas contratuais gerais, o qual coincide com a solução interpretativa que ora se sustenta.

15 - Por conseguinte, nos termos do preceituado nos artigos 236º e 237º do Código Civil, o sentido que deve prevalecer da alínea a) do n.º 2 do artigo 2º das condições gerais da apólice é o que sustenta a recorrente nos presentes autos, desde a sua contestação de fls… 16 - Entendeu o Tribunal recorrido o contrário, estribando o seu entendimento no facto de a recorrente não “atentar quer à forma verbal do verbo poder – poderá – que logo no início da alínea (quis dizer “n.º 2”) inculca a ideia de eventualidade, quer à circunstância que as alíneas do nº 2 do artigo em causa concretizarem – poderá assim – a regra fundamental do nº 1” do aludido artigo 2º.

17 - Aduz a sentença recorrida em defesa da interpretação que faz do artigo em causa que “… o que temos nas várias alíneas do nº 2 são situações exemplificativas em catálogo não taxativo, mas meramente exemplificativo, em que a seguradora é responsável. O elenco não esgota as situações em que a seguradora deve ser responsabilizada…”.

18 – E concluiu que, “… nem do sentido literal da alínea a) - uma alínea exemplificativa – é legítimo extrair a conclusão de que a responsabilidade da seguradora está dependente da existência concomitante de um dano ou de um embate ou de um qualquer outro evento, igualmente danoso, que atinja o veículo transportador.” 19 - Não podemos estar mais em desacordo com os fundamentos apresentados pelo Tribunal para a interpretação que faz da referida norma contratual, porquanto, mesmo a entender-se que o elenco de circunstâncias vertidas no n.º 2 do artigo 2º das condições gerais da apólice seja meramente exemplificativo e não taxativo de situações em que o contrato de seguro deve funcionar, o que nem sequer é líquido, o certo é que, no mínimo, deve atender-se sempre às circunstâncias concretas que as partes previram ao celebrar o contrato em causa, mesmo que estas não sejam taxativas.

20 - Do facto de se achar expressamente previsto no contrato, que a cobertura dos danos em causa nos presentes autos depende da ocorrência de acidente com o meio de transporte...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT