Acórdão nº 415/10.6TBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução04 de Junho de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO M… intentou ação declarativa contra L…, A… e J… pedindo que se declare a nulidade, por falta de forma legal, do contrato de trespasse celebrado entre as partes, condenando-se os réus solidariamente a devolverem à autora a quantia de € 20.000,00 ou, subsidiariamente, assim não se entendendo, que seja declarada a nulidade do contrato de trespasse por se tratar de venda de bem alheio, condenando-se os réus solidariamente a devolverem à autora a quantia de € 20.000,00 ou, ainda, subsidiariamente, a condenação solidária dos réus a entregarem à autora aquela quantia a título de enriquecimento sem causa, sendo os réus condenados a pagarem os juros vencidos no montante de € 1326,03 e os vincendos à taxa legal de 4% desde a citação até efetivo pagamento.

Contestaram os réus, excecionando a ilegitimidade dos 1.º e 2.º réus e impugnando por falsa a versão da autora, pedindo a condenação desta como litigante de má fé em multa e indemnização, nunca inferior a € 1500,00.

Respondeu a autora, reafirmando o já alegado e pugnando pela improcedência da exceção de ilegitimidade e do pedido de condenação como litigante de má fé.

Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador no qual se julgou improcedente a invocada exceção de ilegitimidade e definiu-se a matéria de facto assente e a base instrutória, sem reclamações.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação e, em consequência, declarou a nulidade do contrato de trespasse celebrado entre a autora e o 3.º réu, condenando este na restituição do que vier a ser liquidado, até ao montante de € 20.000,00, deduzindo-se o valor correspondente ao lucro que a autora obteve na exploração do estabelecimento comercial, durante os meses de Junho, Julho e Agosto de 2008, em ambos os casos acrescidos de juros de mora à taxa legal, até integral pagamento. Mais se decidiu absolver os réus Liliana e Américo dos pedidos contra si deduzidos, bem como absolver a autora do pedido de condenação como litigante de má fé.

Discordando da sentença, dela interpôs recurso o réu J…, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes Conclusões: I- Por acordo verbal, realizado em 1 de Junho de 2008, foi transmitido à Recorrida, que nessa data recebeu as chaves, a título definitivo, o minimercado da ….

II- O acordo não foi reduzido a escrito porque a Recorrida se recusou a outorgar a escritura.

III- Apesar de não se ter realizado a escritura, durante os meses de Junho, Julho e Agosto (mês que o próprio Tribunal a quo considera ter sido aquele em que a Autora decidiu abandonar o estabelecimento comercial), a Recorrida continuou com a exploração do estabelecimento comercial, conheceu clientela, comprou e vendeu mercadoria, assinou contratos de seguro com a AXA (fls. 47), de telecomunicações com a PT (fls. 54), etc., etc..

IV- A Recorrida considerou válido o contrato e criou no Recorrente a convicção clara e inequívoca de que pretendia explorar o negócio e só quando o decidiu abandonar, como se disse, em Agosto de 2008, como dado como provado pelo Tribunal, é que o Recorrente tomou conhecimento dessa intenção, por isso não se percebe como pode o Tribunal a quo afirmar que “(…) nunca a Autora actuou no sentido de criar na contraparte a convicção de que jamais invocaria o vício resultante da falta de forma. Nem o lapso de tempo decorrido desde a celebração verbal do acordo é assim tanto que permita ao réu confiar plenamente na conclusão do negócio.”.

V- O Tribunal a quo sustentou, a páginas tantas, “não podemos esquecer, no entanto, que o negócio celebrado entre as partes, apesar de nulo, chegou a produzir de facto alguns efeitos”, acrescentando “Ora, os efeitos da declaração de nulidade não estão nem podem estar desligados daquilo que são os efeitos que, de facto, são originados pela celebração do contrato”.

VI- Afirma o Tribunal a quo, que “(…) independentemente das razões que levaram a autora a tomar tal posição, cedo manifestou vontade de não prosseguir com a exploração do estabelecimento comercial.” sem que tal tenha qualquer sustentação na prova produzida.

VII- Ao contrário é o próprio Tribunal a quo a considerar que a Recorrida abandonou o estabelecimento comercial em Agosto de 2008, momento em que decidiu fazê-lo. Se decidiu abandonar o negócio em Agosto, mais precisamente em finais de Agosto, como se pode dizer que “cedo manifestou vontade de não o continuar a explorar”? VIII- Desde que recebeu as chaves, em Junho de 2008, até que decidiu abandonar o estabelecimento comercial, em finais de Agosto de 2008, nunca a Recorrida disse ao Recorrente, ou a quem quer que fosse, que estava a pensar restituir o negócio, devolvendo-o e recebendo de volta o preço, ou por qualquer outro facto o demonstrasse.

IX- Duas coisas são absolutamente certas: o trespasse em causa nos autos não foi reduzido a escrito, mas porque a Recorrida se recusou outorgar a escritura.

X- A arguição pela Autora da nulidade do contrato de trespasse que com os Réus celebrou verbalmente, em 01.06.2008, constitui um exercício ilegítimo do direito de a arguir na medida em que a Autora considerou válido o contrato quando o celebrou e ficou a dever Eur. 10.000,00 dos Eur. 30.000,00 do preço acordado, também o considerou válido enquanto o explorou durante o período que entendeu explorar.

XI- A Recorrida abusa do seu direito, violando a boa fé, ao tentar prevalecer-se do vício falta de forma de que ela própria prescindiu ao longo do tempo em que explorou o minimercado, pois nunca o invocou antes ou durante a execução do contrato.

XII- É manifesto ter a Autora criado no Réu a convicção de ter dado como válido o negócio - não é exigível, no caso, a existência de escrito ou dito, expressos, nesse sentido e tal na realidade nunca ou quase nunca acontece.

XIII- A nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a ser reconhecida a inadmissibilidade da invocação (e da declaração) da nulidade do contrato em razão da forma, a título excepcional e em casos pontuais.

XIV- Uma situação excepcional ocorre quando no caso concreto as circunstâncias apontem para uma ofensa do princípio da boa fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade, situação em que o abuso de direito servirá de válvula de escape no nosso ordenamento jurídico, tornando válido o acto formalmente nulo, como sanção do acto abusivo.

XV- Ao optar por declarar a nulidade do contrato de trespasse, o Tribunal a quo condenou o Recorrente a restituir os Eur. 20.000,00 deduzidos do valor correspondente ao lucro que a Recorrida obteve com a exploração do estabelecimento comercial, a apurar em liquidação de sentença mas também aqui andou mal o Tribunal a quo, em matéria de restituição, violando o disposto no Art.º 289.º do CCivil.

XVI- Mas pode o valor correspondente ser determinado pelo lucro obtido? E se a Recorrida não obteve qualquer lucro? Se, ao invés, teve prejuízo? O que tem a ver o...

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