Acórdão nº 26/12.1PEGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA LU
Data da Resolução17 de Junho de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO No processo comum (com intervenção do tribunal colectivo) n.º26/12.1 PEGMR da 2ªVara de Competência Mista de Guimarães, por acórdão proferido em 11/3/2013 e depositado na mesma data, o arguido António M... foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.21.º (que por manifesto lapso de escrita consta da parte decisória art.20.º) n.º1 da Lei n.º15/93, de 22-1, na pena de cinco anos e dez meses de prisão e de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art.86.º n.º1 al.d) da Lei n.º5/2006, de 23/2, na pena de nove meses de prisão; em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de seis anos de prisão.

Nos termos do art.109.º n.º1 do C.Penal e dos arts.35.º n.º1 e 2, 36.º n.º1 do DL n.º15/93, de 22-1, foram declarados perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos e referidos a fls.334 a 336, com excepção de duas chaves e documento único registados como objecto n.º732382 e do veículo registado como objecto n.º733966, já restituído.

O arguido, inconformado com a decisão, interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]: 1. Afigura-se ao aqui Recorrentes que, salvo o devido respeito, sem prescindir a forma correcta e qualidade com que o julgamento dos presentes autos foi conduzido e elaborado o douto acórdão posto em crise, a presente condenação merece reparo, quer de facto, quer de direito, pelo que merece a discordância do recorrente; 2. Questão prévia: No decurso da audiência de discussão e julgamento (conforme acta de 27 de Fevereiro de 2013) foi arguida pela defesa a nulidade da revista, sucessivas buscas e detenção ocorridas no carro e no domicílio do arguido e na revista da sua própria pessoa, levadas a cabo pelos agentes da PSP no dia 4 de Setembro de 2012; 3. O Tribunal a quo relegou para a decisão final a apreciação da questão, vindo a decidir a mesma no douto Acórdão, tendo aí indeferido as pretendida declaração da nulidade de “pretendida declaração de nulidade das buscas, revista e detenção a que o mesmo se reporta.”. Contudo sem razão; 4. As revistas e buscas são meios de obtenção da prova. Há lugar a revista quando existem indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, e há lugar a busca quando existem indícios de que objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público (art. 174º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal); 5. Em regra, as revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas pela autoridade judiciária competente (art. 174º, nº 3, do Código de Processo Penal); 6. Porém, os órgãos de polícia criminal podem efectuar revistas e buscas sem aquela autorização ou ordem, nos casos consagrados no art.º 174 n.º 5 do Código de Processo Penal; 7. Para além desses casos, e ainda no âmbito das medidas cautelares e de polícia – que não são actos processuais mas de polícia, embora possam ser anteriores ou contemporâneos do processo (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 63 e ss.) – aos órgãos de polícia criminal compete, mesmo antes de qualquer ordem da autoridade judiciária para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova designadamente, compete-lhes proceder a exames dos vestígios do crime e assegurar a sua manutenção, colher as informações que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição, e proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas (art. 249º, nºs 1 e 2, do C. Processo Penal); 8. O art. 251º, do Código de Processo Penal disciplina as revistas e buscas no âmbito das medidas cautelares e de polícia. Também aqui os órgãos de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária, à revista de suspeitos em caso de fuga iminente ou de detenção e a buscas no lugar em que se encontrarem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem de prova e que de outra forma poderiam perder-se (alínea a), do nº 1, do art. 251º, do Código de Processo Penal), sendo nestes casos, correspondentemente aplicável o disposto no nº 6 do art. 174º, do Código Processo Penal; 9. E é exatamente nesta matéria que se insere o caso dos autos, ou mais concretamente, a primária revista efectuada ao aqui Recorrente e a consequente busca ao seu veículo. Os senhores agentes da PSP – Guimarães, no dia 04.09.2012 decidiram levar a cabo uma alegada vigilância – primeiro acto de investigação do presente processo, sem previa comunicação ao MP de existência de qualquer noticia de crime, e que era levado a cabo para apurar da veracidade de umas alegadas denuncias anónimas efectuadas para o posto policial – que visava ou tinha por objecto o aqui recorrente – que consequentemente desconheciam os seus antecedentes criminais – e que havia sido decidido levar a cabo naquele dia, tendo sido organizado um dispositivo de vigilância, dentro de um edifício, a pelo menos mais de cem metros do local onde o recorrente se encontrava dentro de um veículo automóvel. Os senhores Agentes da PSP alegam ter, nas circunstâncias de modo e lugar supra descritas, percepcionado um movimento de “toma lá, dá cá”, entre um indivíduo – na altura não identificado – junto à porta do veículo do Recorrente. Tal perceção é de facto inverosímil, porque naquelas circunstâncias, qualquer gesto e respectivo significado, é uma mera presunção de quem o crê ter percepcionado, mas a mais sem a utilização de qualquer instrumento, nomeadamente binóculos; 10. Não obstante, e tendo em atenção as naturais limitações visuais comuns a qualquer ser humano, cremos que o simples avistamento de um gesto que pode ser um “apertar de mãos” ou outro, não pode legitimar que um órgão de polícia criminal (OPC) proceda, com aquele mero indício e sem qualquer fundada razão, à abordagem e detenção do arguido, e busca no veículo automóvel em que este último se encontrava, no intuito de lá encontrar qualquer meio de prova ou objecto com o alegado crime cuja verificação não estava minimamente indiciada; 11. Isto ao abrigo do disposto no art.º 251.º, n.º 1, al. a), do CPP, na parte em que nele se refere que os órgãos de polícia criminal podem procede, sem prévia autorização da autoridade judiciária, a buscas no lugar em que se encontrarem [os suspeitos], sempre que tiverem fundada razão para crer que nele se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem a prova e que de outra forma poderiam perder-se; 12. Não podemos de modo algum aceitar que o avistamento de um simples aperto de mão ou outro gesto semelhante, desacompanhado de qualquer indicio seguro da pratica de um crime, caucione a realização da busca nestas circunstâncias. Nenhum senhor juiz de instrução ordenaria a realização de uma busca, revista ou detenção com aquele mero indicio, e sem qualquer investigação prévia, que permitisse reunir provas ou indícios seguros que aquele individuo se dedicava a pratica de um crime, nomeadamente do trafico de estupefacientes; 13. Salvo o devido respeito e melhor opinião, os senhores agentes da PSP, nestas concretas circunstâncias, não podiam, nem deviam – a não ser que queiramos fazer tábua rasa das disposições legais que regem as buscas e revistas, pondo em causa o Estado de Direito em detrimento de um Estado Policial, em que os fins justificam quaisquer meios e a derrogação das garantias e direitos constitucionalmente consagrados – proceder a abordagem, detenção, revista e buscas, sendo as mesmas ilegítimas e ilegais, nada sanando as mesmas, mesmo sendo encontrados imediatamente após objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova deste ou que a sua detenção possa consubstanciar ela própria a pratica de crime. Ora, esta realidade só foi conhecida no decurso das inquirições levadas a cabo em sede de julgamento aos agentes que levaram a cabo a aquelas diligências, imediatamente foi arguida em acta a nulidade dos actos praticados naquelas circunstâncias por esse OPC. Neste sentido conferir o depoimento da testemunha Joaquim M..., agente da PSP que participou na busca ao veículo do aqui Recorrente (Cfr. resulta do depoimento da testemunha Joaquim M..., agente da PSP, gravado em suporte digital, conforme resulta de acta de audiência de discussão e julgamento de 27 de Fevereiro de 2013, desde o minuto 00:01m ao minuto 36:08m, que supra parcialmente se transcreveu e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais; 14. A actuação dos agentes da PSP, naquelas circunstâncias de tempo, modo e de lugar, violam claramente o disposto nos artigos n.ºs 174º, 178º e 249º e 251º seguintes do Código Processo Penal e art.º 32º, n.º 1 e 8 da Constituição da República Portuguesa, uma vez que as buscas e revistas que tiveram lugar não foram precedidas dos competentes mandados, foram levadas a cabo fora do flagrante delito, e sem que houvesse noticia e indicio seguro e inequívoco ou mesmo, suspeita fundada de que o arguido estava a cometer qualquer crime, pelo que esta abordagem e revista ao Recorrente, e busca ao seu veículo, e posteriormente ao seu domicilio, estão feridas de nulidade – que aqui novamente e expressamente se invoca –, enquanto meios de obtenção de prova nos termos dos n.º 1 e nº 3 do artigo 118.º, do artigo 125.°, do n.º 3 do artigo 126.°, por violação dos artigos 251.º e 174º n.º 5 do Código de Processo Penal; 15. Este vício afecta o acto em si mesmo, bem como, os actos que dele dependem e que podem ser afectados pela nulidade – artigo 122º n.º 1 do Código Processo Penal, o que tudo se suscita para os devidos e legais efeitos; 16. Assim, nos termos supra expostos devem ser...

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