Acórdão nº 716/13.1TBFAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Outubro de 2013
Magistrado Responsável | MARIA DA PURIFICA |
Data da Resolução | 15 de Outubro de 2013 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Relatório BANCO.., S.A., ..., instaurou o presente procedimento cautelar de entrega judicial contra J.., com domicílio no.., Fafe, pedindo que seja decretada a apreensão e entrega do bem que melhor identifica no seu requerimento inicial.
Alega, em síntese, que realizou um contrato de aluguer de veículo sem condutor (doravante ALD) e que o requerido mais tarde deixou de pagar as prestações, tendo a requerente declarado resolvido o contrato, pelo que requer a entrega do veículo.
Até à presente data não foram pagos os valores devidos, nem foi devolvida a viatura.
Foi dispensado o contraditório.
Ouvida a prova testemunhal arrolada foi proferida a seguinte decisão "Pelo exposto, atentos os elementos indiciários disponíveis e as considerações teóricas expendias, decide-se julgar procedente a presente providência cautelar de apreensão e entrega e, em consequência, determina-se a apreensão e entrega ao requerente de:--- Veículo automóvel de matricula ..-EJ-.. de marca Volvo V50 2.0D nível 2. -- Taxa de justiça paga pela requerente a atender a final na acção respectiva – art. 453.º, É desta decisão que o requerido vem apelar, formulando, nas suas alegações, as seguintes Conclusões:
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Nos presentes autos a requerente Banco.., S.A. interpôs contra o requerido providência cautelar comum requerendo fosse ordenada a apreensão e entrega àquela do veículo automóvel "Volvo V50 2.00 Nivel 2", matricula ..-EJ-.., sem prévia audição do requerido, presente o tipo de bem em litígio, sua fácil ocultação, e sério risco de tal audição prévia pôr em perigo a eficácia e sucesso da providência requerida.
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Para tanto, alegou ter celebrado com o requerido contrato de aluguer de veículo sem condutor (ALO), em que deu de aluguer ao requerido a referida viatura, tendo ficado estabelecido um prazo de duração do contrato de 71 meses, correspondentes a 71 rendas. Rendas essas que alega estarem em parte em falta, mais alegando ter ocorrido interpelação do requerido e resolução do contrato por incumprimento, pedido de devolução da viatura e sério risco da sua ocultação face à não entrega.
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O Tribunal a quo decidiu decretar a providência por entender que "a continuação da viatura em causa na disponibilidade do requerido - que mantém a sua normal utilização - é causa de desvalorização da mesma, com a correspectiva perda de valor na esfera patrimonial da Requerente, sua proprietária. Acresce ainda a possibilidade séria da sua dissipação e do seu mau uso, uma vez que o requerido tem bem presente que mais tarde ou mais cedo vai ser accionado judicialmente. Isto é, a manutenção deste estado de coisas prejudica, e muito, a proprietária do veículo, provavelmente o único bem que poderá obter por forma a ser ressarcida dos valores em divida." d) Com efeito, o requerido ora recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal" a quo", por diversos motivos, como infra se exporá.
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Ora, salvo o devido respeito, mas andou mala Tribunal " a quo" na formação da sua convicção, considerando além dos mais provados todos os factos supra elencados, e concluindo pela verificação dos requisitos indispensáveis a uma providência cautelar, decretou a mesma.
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Com efeito, para que seja decretado o procedimento cautelar não especificado, é necessário, além do mais, um juízo de certeza, de realidade, da iminência de lesão grave e dificilmente reparável do direito que se quer proteger.
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Nisso consiste o "periculum in mora', que terá de ser provado, em termos de convencer o tribunal de que a demora de uma decisão - a obter através da acção competente - acarreta um prejuízo a que se pretende obviar com o procedimento cautelar.
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Esse prejuízo, e bem assim o justo receio, salvo o devido respeito, mas não resulta evidente da matéria de facto indiciariamente dada como provada.
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Na verdade, visando o procedimento cautelar antecipar os efeitos do julgamento, evitando os prejuízos da natural demora na resolução do litígio, estes prejuízos devem constituir uma lesão grave e de difícil reparação.
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No entanto, ln casu, tal receio, nunca poderia dar-se por devidamente justificado e demonstrado.
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É ainda requisito da providência cautelar não especificada a probabilidade séria da existência do direito invocado (fumus boni júris).
I) A requerente, para o êxito da providência cautelar não especificada, teria de alegar factos e não meras conjecturas, como in casu sucede, de onde pudesse concluir-se que o locatário/requerido, tornou impossível ou assaz difícil o ressarcimento dos prejuízos à mesma, em consequência da demora na entrega da viatura que continua a utilizar.
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Não basta à requerente conjecturar que o requerido poderá ter um total desinteresse na conservação e manutenção da viatura, um sua má utilização, presente a obrigação de, mais cedo ou mais tarde, ter de o devolver à requerente.
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Nem tão pouco colhe o argumento de que a continuação da viatura na disponibilidade do requerido seria causa de desvalorização da mesma, com a perda de valor na esfera patrimonial da requerente.
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Na verdade, o risco de deterioração ou perda de um veículo automóvel objecto de um contrato de aluguer sem condutor é um risco normal do próprio contrato, que tem a sua contrapartida na indemnização por incumprimento contratual convencionada em cláusula contratual.
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Sendo certo que, a recusa da entrega do veículo provoca é um agravamento da indemnização a título de cláusula penal, da responsabilidade do requerido, como aliás se evidencia no contrato celebrado entre as partes.
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Daí que sempre a requerente poderia ressarcir-se dos danos resultantes do incumprimento contratual, acionando aquela clausula indemnizatória.
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Atenta esta situação, andou mala Tribunal" a quo" ao considerar verificado o pressuposto de fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito da requerente, pois, em nossa modesta opinião, não é bastante para preencher esse pressuposto que a requerente esteja privada do uso do veiculo e que o requerido continue no seu uso.
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Pese embora alguma similitude com as situações de procedimentos cautelares como tal legalmente previstos e onde são prevalecentes os interesses dos requerentes credores sobre os dos requeridos, como o procedimento cautelar de apreensão de veiculo pelo credor hipotecário ou titular do registo de reserva de propriedade regulado pelo Decreto-lei nO 74/75, de 12 de Dezembro, o Decreto-Lei 354/86 de 23 de Outubro, que define o regime jurídico do aluguer de veiculo automóvel sem condutor, aqui aplicável, não foi sensível à tutela cautelar do incumprimento contratual e não devolução pelo locatário do veiculo subsequentemente à caducidade ou resolução do contrato.
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Do exposto decorre que a requerente, ao formular o pedido de apreensão imediata do veículo, não estava dispensada de alegar e provar factos que pudessem integrar aquele requisito do fundado receio de lesão grave e difícil reparação.
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Assim, para se alcançar a conclusão de que o receio é fundado, impunha-se a alegação de factos que permitissem afirmar com objectividade e distanciamento a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Aliás, como salienta Abrantes Geraldes in "Temas da Reforma de Processo Civil", não bastam simples duvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados, assentes em apreciação ligeira da realidade.
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Pelo que, não bastava à requerente ter alegado, sem qualquer base factual, que o requerido tem "total desinteresse na conservação e manutenção da viatura" fazendo da mesma uma má utilização", até porque, como bem sabe a requerente, face às diversas comunicações que o requerido enviou, é intenção do mesmo adquirir a propriedade do veiculo.
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Nem tão pouco colhe o argumento de que "procuraram junto do domicilio daquele saber do paradeiro da viatura, sem sucesso", pois a mesma sempre esteve aos cuidados do requerido que a usava pessoalmente para as suas deslocações, regressando sempre na mesma ao seu domicílio, à vista e com conhecimento de todos. Aliás, como também diz Abrantes Geraldes, o receio haveria de ser de tal ordem que justificasse a providência requerida e só o justificaria...
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