Acórdão nº 1185/11.6TAVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelANA TEIXEIRA E SILVA
Data da Resolução21 de Outubro de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO CARLOS D... veio interpor recurso do acórdão, na parte em que pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artºs 2º, nº1, als. m) e ax), e 86º, nº1, al. d), da Lei 5/2006, de 23.02 (com a redacção da Lei 17/2009, de 06.05) o condenou na pena de 10 meses de prisão.

O arguido expressa as seguintes “conclusões”: I- DAS RAZÕES DE DISCORDÂNCIA - DA INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA (Art.º 410.º n.º 2 al. a) CPP) - DO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA (Art.º 410.º n.º 2 al. c) CPP) A- FACTOS PROVADOS DA SENTENÇA  Itens 1, 2 e 3 transcritos da sentença e discriminados na motivação de recurso. 1. O Tribunal a quo deu como provada a matéria de facto descrita no item 2 supra enunciado, mas, salvo melhor opinião, devê-la-ia ter dado por “não provada” em relação ao arguido CARLOS D....

2. Basta ouvir a prova produzida, para não merecer dúvidas a resposta negativa a dar.

(Cfr. declarações prestadas pelo arguido CARLOS D..., no dia 12.10.2012 e gravado no CD nº 1, através do sistema integrado de gravação digital, desde o n.º 00.00.01 ao n.º 00.04.34, rotação 00.00.09 a 00.02.10 e 00.02.19 a 00.03.30; depoimento prestado pela testemunha José C..., militar da GNR no dia 12.10.2012 e gravado no CD nº 1, através do sistema integrado de gravação digital, desde o n.º 00.00.01 ao n.º 00.07.41, rotação 00.00.13 a 00.07.31) 3. O Tribunal recorrido não deu como provado que existia a falta de justificação da posse e que as armas se destinavam ao uso como meio de agressão (elementos típicos cumulativos da norma incriminatória).

4. O Tribunal a quo deu como provado que o arguido exerce a actividade de pescador desde os 10 anos de idade até à presente data.

(Cfr. item da matéria de facto dada como provada supra transcrita e relatório social de fls...) 5. É entendimento do Tribunal a quo que a pesca é uma das actividades profissionais que necessita da utilização de facas e navalhas. (Cfr. item DO DIREITO da sentença ora recorrida) 6. É sobejamente conhecido e sabido que esse tipo de instrumento é utilizado e de uso comum na actividade piscatória, designadamente, entre outros, por todos os pescadores e por todos aqueles que exercem qualquer actividade relacionada com o mar e a pesca.

7. A posse das armas brancas foi justificada pelo arguido, a aplicação das armas brancas (navalhas) foi definida – i.e., para exercer a sua actividade profissional (pescador) - e não se destinavam ao uso como meio de agressão.

(Vide, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 815/11.4PAVCD.P1, de 12.09.2012) 8. As duas navalhas apreendidas foram encontradas e apreendidas no hall de entrada, no interior de uma gaveta de um móvel.

(Cfr. auto de apreensão a fls. 614 e suporte fotográfico de fls. 622 a 623) 9. O Tribunal recorrido afirma que apesar de o arguido ser pescador e necessitar de utilizar navalhas na actividade que exerce, isso não é suficiente para legitimar a posse, uma vez que existe um leque de profissões que pode usar sem incorrer na prática deste crime.

10. No entender do Tribunal a quo o arguido tinha de exercer todas as actividades profissionais em que se podem usar armas brancas sem incorrer na prática de um crime de detenção de arma proibida para legitimar a posse das navalhas.

11. Salvo o devido respeito, o raciocínio e a fundamentação do Tribunal a quo estão inquinados, desprovidos de qualquer sentido e de sustentação factual e legal.

12. As armas brancas (navalhas) são insusceptíveis de registo e de manifesto, uma vez que tais actos são unicamente obrigatórios em relação às armas de fogo, como decorre do disposto no art.º 86º n.º 2 Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.

(Vide, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 1752/11.8TAVFR.P1, de 04.07.2012) 13. O Tribunal a quo não deveria ter dado como provado que o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, ciente que a sua detenção, por não autorizada, fora das condições legais e por não ser titular de licença de uso e porte de arma, era punida por lei.

14. E, por isso, não cometeu, assim, o recorrente o crime que lhe é imputado e pelo qual vem condenado.

15. Pelo que, ao dar como provado o ponto 2 supra enunciado e transcrito da sentença, face à prova produzida, que se encontra toda no processo, que impunha julgamento contrário, violou o Tribunal a quo o disposto no art.º 368.º n.º 2 CPP e 86.º n.º 1 al. d) Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.

16. Podendo e devendo este Tribunal alterar tal decisão, ao abrigo e por força do disposto nos art.os 410.º n.º 2, 412.º n.º 3 e 4, 431.º CPP.

B- DA INEXISTÊNCIA DE FACTOS DA TIPIFICAÇÃO LEGAL (ÓNUS ALLEGANDI E PROBANDI) 17. O crime de detenção de arma proibida, p. e p. no art.º 86.º n.º 1 al. d) RJAM, tem três elementos constitutivos típicos cumulativos: a) ausência de aplicação definida; b) capacidade para o uso como arma de agressão; e c) falta de justificação para a posse.

18. Da acusação não consta e não são alegados nenhuns dos factos relativos aos elementos do tipo objectivo do crime de detenção de arma proibida e não descreve nenhuma conduta tipificadora do crime imputado ao arguido.

(Art.º 86.º n.º 1 al. d) RJAM) 19. A acusação proferida enfermava de vício, uma vez que não continha todos os elementos típicos de facto constitutivos e necessários ao preenchimento do tipo legal de crime, cuja prática nela vem imputada ao arguido e, por isso, deveria ter sido declarada manifestamente infundada e, consequentemente, rejeitada.

(Art.º 311.º n.os 2 al. a) e 3 al. b) e d) CPP) 20. De igual sorte, uma qualquer sentença condenatória, relativamente a este tipo de crime, que decida pela condenação sem sequer referenciar os pressupostos tipificados no art.º 86.º n.º 1 al. d) RJAM, carece de fundamentação e matéria factual que sustente a sanção que venha a aplicar e, por isso, deve acarretar a absolvição do arguido.

(Vide, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 1752/11.8TAVFR.P1, de 04.07.2012, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 581/10.0GDSTS.P1, de 27.06.2012 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 1229/08.9GBAGD.C1, de 30.06.2010) 21. Para que as armas brancas em apreço nos autos (navalhas) fossem consideradas proibidas tinha-se de alegar, de provar e de se demonstrar, cumulativamente, i) a falta de justificação da posse, ii) a falta de aplicação definida e iii) que possa ser utilizada como arma de agressão.

22. O Tribunal recorrido não deu como provado nenhum dos pressupostos cumulativos tipificados na norma incriminadora, e bem, uma vez que esses factos não foram alegados na acusação e não foram provados.

23. Destarte, o tribunal a quo ao dar como provado o ponto 2 da matéria de facto supra enunciada, violou o disposto no art.º 311.º, 368.º n.º 2 CPP, 86.º nº 1 al. d) RJAM.

Caso assim se não entender, II- DAS BUSCAS DOMICILIÁRIAS E DAS APREENSÕES 24. A habitação do arguido sita na Rua A..., freguesia de C..., concelho de Viana do Castelo, foi alvo de busca domiciliária no pretérito dia 21.02.2012. (Cfr. fls. 610) 25. No final da busca, CARLOS D... foi constituído arguido e prestou Termo de Identidade e Residência. (Cfr. 613, 615 e 616) 26. Conforme consta do relatório intercalar foram os autos remetidos ao Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal para que a constituição de arguido, as buscas domiciliárias e as apreensões fossem validadas. (Cfr. a fls. 633) 27. Compulsados os autos, verifica-se que apenas os arguidos Manuel M... e Maria E... foram sujeitos a primeiro interrogatório judicial – art.º 141.º CPP. (Cfr. de 681 a 693) 28. O arguido Paulo D... foi submetido a primeiro interrogatório não judicial – art.º 143.º CPP. (Cfr. de fls. 674 a 676) 29. O arguido não foi interrogado, após realização das buscas domiciliárias pelos OPC, por nenhuma autoridade judiciária, fosse ela qual fosse.

30. As únicas buscas domiciliárias validadas pelo JIC foram as realizadas aos arguidos Manuel M... e Maria José Zamora Echeverria.

(Cfr. despacho proferido pelo JIC, a fls. 688 in fine) 31. A busca domiciliária realizada na habitação do arguido CARLOS D... foi efectuada por OPC sem o seu consentimento e fora de flagrante delito.

(Art.os 126.º n.º 3 e 176.º n.º 6 e 177.º n.º 4 CPP) 32. Neste caso a busca domiciliária efectuada pelos OPC tinha de ser, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao JIC e por este validada.

33. Acontece, porém, que, a diligência não foi imediatamente comunicada ao JIC, como não houve validação - nem expressa nem tácita - da busca domiciliária realizada à habitação do arguido CARLOS D....

(Vide, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 2189/04-1, de 10.01.2005) 34. A prova dos autos assim obtida viola os n.os 2 e 8 do art.º 32.º da CRP, uma vez que a falta de comunicação imediata ao JIC da realização da diligência, de forma a ser apreciada e validada a busca domiciliária, viola as garantias de defesa do arguido.35. As provas proibidas contempladas no art.º 126.º CPP têm como consequência a proibição da sua valoração e a sua inexistência.

(Neste sentido, SILVA, GERMANO MARQUES, Curso de Processo Penal, Volume II, Editorial Verbo, 1993, página 106) 36. Daí que a busca domiciliária realizada à habitação do arguido CARLOS D..., sem o seu consentimento, enferme da vicissitude de nulidade, a valoração da prova obtida seja proibida e, consequentemente, acarrete a invalidade / inexistência da prova, 37. por não terem sido cumpridas as formalidades legais obrigatórias e não ter sido imediatamente comunicada ao JIC a diligência efectuada pelo OPC, de modo a ser apreciada e validada - expressa ou tacitamente - pela autoridade judiciária competente. (Art.os 118.º n.º 1 e 3, 120.º n.º 1 e 2, 126.º n.º 3, 174.º n.º 6 e 177.º n.º 4 CPP) 38. Destarte, ao dar como provado o item 1 supra transcrito e que foram encontradas e apreendidas...

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