Acórdão nº 3770/12.0TBBRG-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução24 de Outubro de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I - Relatório A… veio deduzir oposição à execução que B…, SA. lhe intentou para pagamento da quantia de 48.000,00 acrescida de juros, à taxa legal de 4%, que até 23 de Maio de 2012 contabilizou em 5.992,98.

Alega, em síntese, que o contrato de compra e venda de acções alegado pela exequente para justificar a dívida da aqui oponente não é válido, estando ferido de nulidade, por violação do princípio da especialidade e do fim, consagrados no nº 1 do artº 6º do CSC. O objecto social da exequente não abrange qualquer tipo de negócio envolvendo a compra e venda de participações sociais e de cessão de créditos e, por outro lado, a exequente celebrou o contrato de cessão de créditos a título gratuito, encontrando-se igualmente fora da esfera do seu objecto social. Os referidos contratos não são necessários, nem tão pouco convenientes à prossecução do seu objecto social.

Mais invocou que, ao contrário do mencionado na cláusula quinta do contrato de compra e venda celebrado entre a exequente e o oponente/executado, nunca a exequente procedeu à entrega efectiva das 22.000 acções, ordinárias e ao portador, da sociedade C…, SA ao oponente/executado e que a falta de entrega das acções constitui um requisito de validade do próprio contrato de compra e venda de acções ao portador, tendo como consequência a sua nulidade, pelo que a exequente não tem título executivo válido para lhe exigir qualquer pagamento.

Mais alegou que o contrato de cedência de créditos é violador do dever de sigilo expressamente previsto no contrato de compra e venda de acções, tendo a exequente conhecimento ao adquirir o crédito do exequente que estava a agir em clara violação do dever de sigilo previsto no contrato de compra e venda de acções, do qual emergia o crédito ora peticionado e desta forma, pelo que é credor da exequente do valor de € 100.000,00 (cem mil euros) pela violação do dever de sigilo, decorrente da penalidade prevista na cláusula nona do contrato de compra e venda de acções.

Por fim, alega que o contrato de cessão de créditos referido é atentório do princípio da boa-fé e foi causa de elevados prejuízos para o oponente/executado, no valor que computa de € 20.000,00, pelo que o contrato de cedência de créditos e a exigência da quantia exequenda ao oponente constitui um abuso de direito nos termos do art.º 334º do Cód. Civil.

Termina, formulando pedido reconvencional, pedindo que a oposição à execução seja julgada procedente, por provada, e como consequência: - declarar-se a inexistência/inexequibilidade do título dado à execução, por o título executivo que serviu de base à presente execução ser nulo e, por via disso, ser declarada extinta a execução, e consequentemente ser entregues ao oponente todas as quantias já pagas ao abrigo do contrato de compra e venda de acções; - Sem prescindir, caso não se entenda que o contrato de compra e venda de acções, e consequentemente, o contrato de cessão de créditos seja nulo: a) que seja declarada a violação do dever de sigilo previsto no contrato de compra e venda de acções e do princípio de boa fé, constituindo a exigência da quantia exequenda um claro abuso de direito nos termos do art.º 334º do Código Civil; e, consequentemente, b) que seja julgado procedente, por provado, o pedido reconvencional, e a exequente condenada a proceder ao pagamento da quantia de € 120.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento; Foi proferido despacho liminar, no qual foi julgado inadmissível o pedido reconvencional deduzido pelo executado, pelo que a exequente foi absolvida da instância quanto aquele.

A exequente veio apresentar contestação, impugnando a factualidade invocada pelo executado e defendendo a improcedência das excepções por si deduzidas, mais sustentando que as acções em causa foram efectivamente entregues ao executado conforme declaração escrita que juntou, subscrita pelo próprio executado, e que este sempre exerceu os direitos a tais acções inerentes e que a existir violação do direito de sigilo a única entidade vinculada a tal obrigação é a dita D… – Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA.

Conclui pedindo que a oposição deduzida seja julgada totalmente improcedente e a condenação do oponente como litigante de má-fé.

O executado veio apresentar resposta à litigância de má-fé, com ampliação do pedido deduzido na oposição à execução.

Por sua vez, a exequente veio apresentar articulado a arguir a inadmissibilidade da resposta ao pedido de condenação como litigante de má-fé e da ampliação do pedido, pedindo o desentranhamento de tal articulado, ao que o executado se opôs.

Findos os articulados, foi realizada audiência preliminar, onde se tentou a conciliação das partes, sem sucesso.

Foi proferido despacho onde se entendeu ser admissível a resposta do opoente/executado ao pedido de condenação de litigante de má fé, indeferiu-se a ampliação do pedido requerida pelo opoente, fixou-se o valor da causa e foi proferido despacho saneador onde se conheceu parcialmente da oposição, conhecendo das excepções de nulidade dos contratos de compra e venda de acções e de cessão de créditos e de violação do dever de sigilo, seguindo os autos para julgamento para habilitar o julgador a conhecer do restante mérito da causa, com dispensa da selecção da matéria de facto, dada a sua simplicidade.

O executado/opoente não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, onde formulou as seguintes conclusões: 1. No processo em análise, veio a M.ª Juiz a quo, no despacho saneador, conhecer das seguintes questões do pedido, nos termos do art. 510º, nº 1, al. b) do C.P.C.: Da nulidade do contrato de compra e venda de acções e do contrato de cessão de créditos por violação do princípio da especialidade; Da nulidade do contrato de compra e venda de acções por falta de entrega efectiva das aludidas acções ao executado; e, da oponibilidade da violação do dever de sigilo à exequente, tendo julgado parcialmente improcedente a oposição à execução apresentada pelo ora Apelante no que respeita a estas excepções.

  1. Acontece que, com o devido respeito, não pode a ora Apelante concordar com a douta decisão.

  2. No que respeita à nulidade do contrato de compra e venda de acções e do contrato de cessão de créditos por violação do princípio da especialidade do fim, é certo que o objecto social da Apelada não abrange a compra e venda de participações sociais e de cessão de créditos, muito menos, quando estes constituem meras liberalidades.

  3. O contrato de compra e venda de acções em apreço, apesar dentro do objecto social da sociedade D… – SGPS, S.A., revela-se de natureza sui generis, uma vez que o valor da venda das acções corresponde ao seu nominal, a receber em prestações, após um elevado esforço financeiro em subscrever quase um milhão de euros no aumento de capital da sociedade “ C…”, revelando ser um negócio contrário ao seu objecto, que é ter lucro com a compra e venda de participações sociais.

  4. O contrato de cessão de créditos também revela características sui generis, por o crédito do Apelante ter sido adquirido pela Apelada, de forma integral e sem reservas, sem qualquer contrapartida ou remuneração, não tendo sido salvaguardada sequer a hipótese da falta de cobrança do crédito cedido, nem a da insolvência do devedor (art. 587º, nº 2 do C.Civil).

  5. Este contrato de cessão de créditos também não poderá enquadrável e admissível no art. 840º do C.C., ou seja, o negócio não pode ser entendido como uma dação pro solvendo ou em função do cumprimento, “mediante o qual a cedente se exonera da sua obrigação à medida (e na medida) que a cessionária obtenha a cobrança do crédito cedido”, uma vez que a ora Apelada declarou logo que se encontrava integralmente paga.

  6. Desta forma, por serem gratuitos e não precaverem os interesses das sociedades envolvidas, estes contratos são nulos por violação do princípio da especialidade do fim, tal como previsto no art.º 6º n.º 1 do CSC já que os mesmos não são necessários, nem tão pouco convenientes à prossecução do objecto social das sociedades envolvidas.

  7. O “fim” (ou elemento teleológico) constitui o interesse em função do qual a pessoa colectiva existe e é reconhecida, representando o escopo que se visa atingir através da sua actividade.

  8. De acordo com o princípio da especialidade (do fim), que encontra expressão no disposto pelo artigo 160º do Código Civil, a actividade jurídica das pessoas colectivas não pode ultrapassar os limites do escopo que lhes está assinalado, pelo que só para a satisfação dos interesses que constituem fins ou atribuições do ente jurídico podem ser exercitados direitos e contraídas obrigações.

  9. Resulta a contrario do art. 160º, nº 1 do Código Civil estarem fora da capacidade jurídica das pessoas colectivas os direitos e obrigações que não sejam necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins - trata-se do chamado principio da especialidade do fim (cfr. MOTA PINTO, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição, p. 317).

  10. Como se refere no douto acórdão do STJ de 17 de Fevereiro de 2000, in BMJ 494º-397, “A delimitação da capacidade das sociedades comerciais faz-se nos termos do art. 6º do Código das Soc.Com., em função do respectivo fim, que é o da obtenção de lucro” afirmando que “ São nulos os actos praticados por titulares de órgãos de sociedade comercial que não sejam abrangidos pela capacidade desta.” 12. Como refere Coutinho de Abreu, in Curso de Direito Comercial, vol. II, 2ª Edição, pág. 184/185, referindo-se à delimitação da capacidade das sociedades, “Uma outra possibilidade é a capacidade das sociedades ser balizada pelo escopo lucrativo que às mesmas se reconheça – é esta a solução actual do direito português”.

  11. É esta a pedra de toque de todo o regime da capacidade consagrado no art.º 6º, n.ºs 1, 2 e 3 do CSC: estando a capacidade das sociedades delimitada pelo seu fim lucrativo, a lei...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT