Acórdão nº 746/11.8PBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelANA TEIXEIRA E SILVA
Data da Resolução04 de Março de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes, em conferência, na Secção Penal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO MANUEL C... veio interpor recurso da sentença que pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artº 152º, nºs 1, al. a), e 2, do CP, o condenou na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa condicionalmente por igual período de tempo, e no pagamento da indemnização de €4.000,00 à demandante Catarina C....

O arguido expressa as seguintes conclusões: 1ª Vem o presente recurso interposto da sentença que condenou o recorrente na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período na condição de pagar durante esse período a quantia de 2.000 €, sendo ainda condenado a pagar a quantia de 4.000 € a título de danos não patrimoniais.

  1. A audiência de julgamento foi realizada em cinco sessões no dia 30/5/12 - teve lugar a 1ª sessão de julgamento (cfr. fls. 223) na qual o arguido prestou declarações -; no dia 6/6/12 - teve lugar a segunda sessão de julgamento (cfr. fls. 228) na qual se terminou o depoimento do arguido e foi inquirida a demandante/queixosa -; no dia 14/6/12 - teve lugar a terceira sessão de julgamento (cfr. fls. 231) tendo sido inquirida a testemunha Vítor C... -; no dia 20/6/12 teve lugar a quarta sessão de julgamento (cfr. fls. 234) na qual foram ouvidas as testemunhas Ana C..., Maria S... e Maria C...; foi proferido despacho no dia 16/7 considerando importante a junção de certidão de casamento e o CRC do arguido. Tal certidão foi junta aos autos em 24/7/12 (cfr. fls. 252 verso), sendo a data da leitura da sentença adiada para 14 de Agosto e finalmente no dia 22/8/12 teve lugar a notificação do arguido para uma alteração não substancial dos factos e a leitura da sentença (cfr. fls. 288).

  2. Assim, entre a quarta sessão de julgamento - 20/6/12 - e a junção aos autos da certidão de casamento - 24/7/12 - mediaram mais do que 30 dias, pelo que se encontra violado o artº 328º nº6 do Código de Processo Penal.

  3. Por outro lado, entre o último depoimento prestado em audiência de julgamento e a prolação da sentença mediaram mais de 2 meses, devendo considerar-se aplicável tal prazo ao período que medeia entre a última sessão de julgamento e a leitura da sentença.

  4. Assim, tendo atendido o tribunal a quo à prova produzida em audiência de julgamento o acórdão recorrido conheceu de matéria que não podia conhecer, porquanto a prova já se havia tornado ineficaz, sendo a sentença nula nos termos do disposto no artº 379º nº1 al. c) do Código de Processo Penal.

  5. Os factos descritos sob os nºs 11, 12, 13, 16 e 18 a 24 devem considerar-se criminalmente inócuos não carregando em si qualquer intenção criminosa.

  6. Por outro lado, nenhuma conexão se faz entre os factos narrados nesses pontos da matéria de facto, com as expressões conclusivas que pretendem introduzir o elemento subjectivo do tipo de crime, designadamente os factos contidos nos nºs 26, 27 e 29.

  7. Acresce que, nem lançando mão da fundamentação da sentença se consegue descortinar, em concreto, quais os factos que o Tribunal entendeu como integradores do crime de injúria e quais os factos que entendeu que consubstanciavam o crime de ameaça, limitando-se a dizer que as mensagens de telemóvel, na sua maioria, eram de conteúdo fortemente ofensivo.

  8. Assim, ocorre o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto prevista no artº 410º nº2 al. a) do Código de Processo Penal, porquanto o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão final (cfr. neste sentido Leal Henriques e Simas Santos, in Recursos em processo penal, 5ª edição, pag. 62), sendo certo que quanto a tal factualidade “a conclusão” vertida nos factos nº 26, 27 e 29 extravasa claramente as premissas não se conseguindo concluir quais os factos que se encaixam nas conclusões supra referidas, pelo que a sentença deve ser anulada, em consonância com o disposto no artº 410º nº2 al. a) e 426º do Código de Processo Penal.

  9. Quanto ao depoimento da ofendida e à sua credibilidade os argumentos que a sentença usa não permitem chegar à conclusão de que o depoimento da ofendida é credível: quer porque a sentença não explicita em concreto qual o depoimento da ofendida; quer porque foi feito uso na fundamentação da credibilidade do depoimento de prova proibida; quer porque as premissas de que parte a sentença recorrida para credibilizar o depoimento da ofendida não são de molde a chegar a tal conclusão.

  10. Na análise que se fez do depoimento da ofendida na sentença recorrida relata-se um facto que a ofendida terá narrado, na descrição do qual seria fácil à ofendida mentir ao Tribunal, imputando as culpas ao arguido. No entanto, sendo a mentira o ponto mais alto da falta de credibilidade - se assim se pode dizer - não se pode concluir que um depoimento é credível, tão-só porque sendo fácil mentir se optou por se dizer a verdade. Quantos depoimentos inverosímeis há polvilhados aqui e acolá pela mais pura verdade? De facto, a melhor mentira é aquela que tem algo de verdade, é a meia-verdade.

  11. Por outro lado, diz-se na sentença recorrida que não há razões para a ofendida mentir quando já findou a sua vida em comum com o arguido e que mantém uma boa relação com o mesmo. No entanto, é consabido que as decisões judiciais ou das Conservatórias relativas a divórcios não têm o condão de, de um momento para o outro, porem fim aos rancores acumulados durante o casamento e que muitos desses rancores sobrevivem no íntimo das pessoas até à sua morte, independentemente de se manter uma relação cordial com a pessoa com quem se tem um filho em comum.

  12. Acresce que, as mesmas razões - que não há razões para a ofendida mentir quando já findou a sua vida em comum com o arguido e que mantém uma boa relação com o mesmo - serviriam como uma luva para credibilizar o depoimento do arguido.

  13. Quer isto dizer que a fundamentação da sentença nesta parte não é suficiente, nem tem o condão de credibilizar o depoimento da ofendida, as premissas ultrapassam largamente a conclusão, pelo que se deve concluir que se incorreu no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto.

  14. Os factos nº 5, 6, 9 e 17 demonstram que o Tribunal não investigou devidamente a matéria factual neles contida.

  15. O facto de a ofendida ter ou não um relacionamento extra-conjugal não é, de todo, inócuo relativamente ao crime pelo qual o arguido vem acusado, porquanto mesmo que se entenda que a existência dessa relação extra-conjugal não justifica os factos alegadamente praticados, certo é que nos fornece a eventual motivação do crime que, pode ser valorada positiva ou negativamente, mas não pode deixar de ser valorada, quanto mais não seja em sede de medida da pena.

  16. Assim, o facto de a ofendida ter ou não um caso extra-conjugal, apesar de apenas descrito como um “convencimento”, deveria ser investigado, levado à matéria de facto e dado como assente ou não provado.

  17. Da mesma forma, o facto nº6 (em conexão com o nº5) dado como assente demonstra que existiu uma discussão entre o arguido e a ofendida, no entanto nos factos dados como provados escreve-se o que o arguido terá dito, mas não se diz aquilo que a ofendida transmitiu ao arguido.

  18. Ora, o que a ofendida disse ao arguido antes de este ter alegadamente dito o que consta da acusação é importante para a descoberta da verdade material, tendo em conta que quanto às expressões constantes da acusação estas podem ter decorrido de uma resposta a outras que a ofendida lhe possa ter lançado ou de qualquer outra circunstância que exclua a culpa ou que a diminua (cfr. o caso para lelo do artº 186º nº3 do Código Penal), o que, quanto mais não fosse, relevaria em sede de medida da pena.

  19. Assim, as expressões que a ofendida dirigiu ao arguido aquando dessa discussão, ainda que não alegadas, deveriam ter sido investigadas, levadas à matéria de facto e dadas como assentes ou não assentes (cfr. os artºs 124º nº 1 e 339.º, n.º 4 e 368º do Código de Processo Penal).

  20. A sentença recorrida ao não levar tal factualidade à fundamentação fáctica da sentença incorreu no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto (cfr. artº 410º nº 2 al. a) do Código de Processo Penal), mas ainda que assim não se entendesse sempre a sentença não conheceu de questões de que deveria conhecer, sendo, do mesmo passo nula, nos termos do disposto no artº 379º nº1 al. c) do Código de Processo Penal.

  21. No facto nº17 diz-se que o arguido abordou a ofendida de forma intimidatória, contudo não se explicita, em concreto, qual foi a conduta do arguido, sendo que dizer-se que o arguido abordou a ofendida de forma intimidatória é, como acima se disse, conclusivo, pelo que nos mesmos termos do que acima se disse, tal matéria deveria ter sido investigada, não o tendo sido.

  22. Assim, deve considerar-se que a sentença recorrida incorreu no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto ou quando assim não se entenda, não fez uma correcta enumeração dos factos, violando os artºs 374º nº2 e 379º nº1 al. a) do Código de Processo Penal, devendo, nesta parte ser julgada nula.

  23. A sentença recorrida ao dar como provada a matéria do ponto 9 dos factos provados emitiu juízos de valor que extravasam os seus poderes de cognição, nomeadamente científicos que violam além do mais o princípio da livre apreciação da prova previsto no artº 127º do Código de Processo Penal, designadamente quando deu como assente que a ofendida vivia num estado geral de preocupação, receio e ansiedade e de sentimentos de impotência e inferioridade.

  24. Tal apreciação e conclusão apenas poderia ter lugar através da realização de prova pericial, uma vez que para apreciação desses factos exigem-se especiais conhecimentos técnicos e científicos que o julgador não possui, encontrando-se assim subtraído à livre apreciação do tribunal, sendo que apenas se poderiam dar como provados tais factos, através de prova pericial realizar os termos do artº 151º e seguintes do C.P.P., ou, pelo menos, através de exame...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT