Acórdão nº 91/10.6TMBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Março de 2013
Magistrado Responsável | MANUEL BARGADO |
Data da Resolução | 14 de Março de 2013 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO A… intentou no Tribunal de Família e Menores de Braga, acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, contra B… pedindo que seja decretado o divórcio entre autora e réu.
Alega, em síntese, que desde o início do casamento o réu sempre teve um comportamento de desconfiança para com a autora, questionando-a constantemente sobre tudo o que fazia, o que originava muitos conflitos no casal, mas foi só no dia 14 de Junho de 2009 que se deu a ruptura do respectivo vínculo conjugal, quando depois da autora se recusar a entregar as chaves da viatura do casal que era por si utilizada nas deslocações para o seu trabalho, o réu, na presença de dois dos três filhos do casal, chamou vários nomes à autora, tendo a discussão terminado quando o réu se apoderou de uma cadeira ameaçando atingi-la com a mesma, refugiando-se a autora nas escadas, após o que o réu se dirigiu para junto de si e começou a bater-lhe com o punho nas coxas, principalmente na direita, tendo o réu saído de seguida e apenas regressando de madrugada. No dia seguinte a autora saiu de casa definitivamente, tendo apresentado queixa no Ministério Público de Vila Verde, não havendo da sua parte o propósito de restabelecer a vida em comum com o réu.
Realizada tentativa de conciliação, não se logrou obter o acordo das partes quanto ao divórcio por mútuo consentimento.
Notificado o réu, veio o mesmo apresentar contestação, negando que alguma vez tenha chamado nomes à autora ou lhe tenha batido, concluindo pela improcedência da acção.
Saneado, condensado e instruído o processo, seguiu ele para julgamento e, discutido o pleito, foi proferido o despacho que fixou a matéria de facto apurada na audiência, o qual não mereceu reclamação.
Seguidamente foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por não provada.
Inconformada com esta decisão e visando a sua revogação, dela recorreu a autora, formulando as seguintes conclusões: «1ª. No ponto 1 da matéria provada diz-se que o casamento foi celebrado sem convenção antenupcial sob o regime de separação de bens. Salvaguardando a hipótese de se tratar de um lapso, o casamento dos autos só pode ter sido celebrado no regime de comunhão de adquiridos, que é o regime supletivo.
2ª. A testemunha C… disse, referindo-se à autora, “ … ela chegou com um olho todo preto …”, e acrescentou “… uma pessoa veio a saber que ele lhe batia …”. Questionada pela advogada da autora sobre a data desses factos, disse : “… já foi mais quando ela saiu…”, tudo, cfr. gravação áudio, minutos 14:37:48 a 14:43:58.
3ª. Por sua vez, a testemunha D… disse : “ … ouvimos uma guerra dentro de casa …” , “… ouvimos a discutir lá em casa …” . Questionada pela advogada da autora, se depois da discussão com o réu a autora mostrou ferimentos, respondeu: “ … ela tinha um olho preto …” , “ …. mostrou pisadurazitas …”, “ … vi que estava preta, pisada … “. Questionada pela advogada da autora, se o ferimento era na coxa, disse : “… sim …”, tudo, cfr. gravação áudio, minutos 14:50:36 a 14:56:23.
4ª. Estes depoimentos testemunhais indicam claramente que o réu maltratava fisicamente a autora, provocando-lhe ferimentos, e tal deveria ter sido dado como provado. Pelo que, ao não considerar assim, a sentença faz um errado julgamento da prova (art. 685º-B nº 1 a) e b) e nº2 do CPC).
5ª. A prova dos maus tratos físicos, do réu sobre a autora, aliada à prova da separação de facto de ambos, mesmo com duração inferior a 1 (um) ano (confirmada na sentença) seriam motivo para a procedência do pedido de divórcio, por integrarem a previsão legal do art. 1781º nº 1 d) do CC.
6ª. Mesmo sem a prova dos maus tratos, como se concluiu na sentença, ainda assim subsistem motivos para a procedência do pedido, pois a simples constatação da separação de facto, ainda que por menos de um ano, aliada à prova do propósito da autora de não reatar a relação conjugal com o réu (confirmado na sentença), constituem motivos suficientes para a procedência do pedido de divórcio.
7ª. Neste sentido se inclina vária jurisprudência, nomeadamente: Ac. Relação de Coimbra, proferido por unanimidade em 07.06.2011, Proc. 394/10.0TMCBR.C1: Sumário: 1- O actual regime jurídico do divórcio, instituído pela Lei nº 61/2008, de 31.10, eliminou a culpa como fundamento do divórcio sem consentimento do outro cônjuge (à semelhança da maioria de legislações dos Países que integram a União Europeia) e alargou os fundamentos objectivos da ruptura conjugal (sistema de divórcio-ruptura) através de uma cláusula geral (art.1781 d) CC), dando relevância a outros factos que mostram claramente a ruptura manifesta do casamento, independentemente da culpa dos cônjuges e do decurso de qualquer prazo.
2- Verifica-se situação integradora da “cláusula geral” da alínea d) do art. 1781 do CC (na redacção conferida pela Lei nº 61/2008, de 31.10, quando deixa de existir a comunhão de vida própria de um casamento, como evidente e irremediável quebra de afectos e o desfazer do que representava esse mundo comum.” 8ª- O mesmo acórdão refere ainda que “ … Dada a importância actualmente atribuída aos afectos para o bem-estar das pessoas, passou a considerar-se que em caso de persistente desentendimento no casamento os cônjuges não devem ser obrigados a manter o vínculo a qualquer preço.”.
9ª. É o que se passa no caso dos autos, onde se vislumbra a presença desse “persistente desentendimento no casamento”, tal como é dito pela testemunha C… que refere: “ os filhos (das partes) que disseram que não iam mais.” (entenda-se aqui para casa) e “os miúdos já estavam cheios de estar em casa com tanto barulho”cfr. Gravação áudio, minutos 14:37:48 a 14:43:58. (parêntesis e sublinhados nossos).
10ª. E mais se acrescenta no acórdão em abono do que se vem agora defendendo: “O Tribunal recorrido, atendendo ao alegado na p.i. e à factualidade dita em II.1, supra, considerou, primeiro, que “sobre a factualidade alegada nada se apurou” e, depois, ter ficado demonstrado que o “casal está separado de facto, o que ocorria ter menos de um ano aquando da propositura da acção”, vindo a concluir pela improcedência da acção, por falta de prova dos factos alegados.”.
11ª. Tal situação tem paralelo no caso dos autos. De facto, a douta sentença considera como provado que a autora deixou de viver onde até então vivia com o réu, e ainda que, “a autora deixou de manter o propósito de restabelecer a relação conjugal com o réu”. E ainda que “com efeito, desde essa data que deixaram de viver na mesma casa, não partilhando a mesma cama e/ou mesa, não existindo, da parte da autora, propósito de restabelecer essa comunhão.”.
12ª. Apesar de não se encontrar preenchido o decurso de um ano da separação de facto, o tribunal deveria ter atendido, na esteira do Acórdão ora citado, ao facto de se encontrar verificada a “factualidade suficiente integradora da “cláusula geral” da alínea d) do art. 1781º do CC podendo-se assim concluir pela ruptura definitiva do casamento, porquanto deixou inequivocamente de existir a comunhão de vida própria de um casamento”.
13ª. O tribunal deveria ter averiguado se ainda persistia “uma qualquer “parcela” da plena comunhão de vida que constitui a sua razão de ser” ou antes a “falência do casamento”, falência esta que se encontra aqui plasmada nas agressões que ocorreram antes da saída de casa da autora e que culminaram com essa mesma saída que perdurou, depois, por mais de um ano. Se o tivesse feito só poderia ter concluído pela procedência do pedido.
14ª. Veja-se ainda o Ac. Relação de Guimarães, proferido por unanimidade em 11.09.2012, Proc. 250/10.1TMBRG.G1: “Sumário: 3- O prazo de um ano consecutivo, na separação de facto, tem de verificar-se no momento da propositura da acção.
4- Na concepção do divórcio ruptura basta constatar ou concluir dos factos provados que o...
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