Acórdão nº 1033/10.4GAFAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães, I – RELATÓRIO 1. Nestes autos com o n.º 1033/10.4GAFAF do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, o Ministério Público acusou o arguido António B..., nascido a 03.11.1973, natural da freguesia de Parada de Todeia, Paredes, do cometimento, em concurso efectivo, de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo art. 137º, nº1, do Código Penal, de um crime de omissão de auxílio, previsto e punido pelo art. 200º, nº 1 e 2, do Código Penal, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3º, nº1 e 2, do D.L. nº 2/98, de 03.01, de uma contra-ordenação prevista e punida pelos artºs. 13º, nº 4, 145º, nº1, al. a) e 147º, todos do C. Estrada e de uma contra-ordenação prevista e punida pelos artºs. 24º, nº1 e 3, 145º, nº1, al. e) e 147º, todos do C. Estrada.

Em acção civil enxertada, Luís C... e mulher, Rosa C..., pais de Luís C..., nascido a 26/3/1996, deduziram contra o arguido e o Fundo de Garantia Automóvel pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência dos factos destes autos, no valor global de € 267.500.

Após a realização de audiência de julgamento, o tribunal colectivo proferiu acórdão, em 13-07-2012, que conclui com o seguinte dispositivo (transcrição parcial): “Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a acusação e, nessa consonância: - Absolver o arguido António B...

da prática de um crime de omissão de auxílio, previsto e punido pelo art. 200º, n1 e 2, do Código Penal; - Condenar o arguido António B..., pela prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo art. 137º, nº1, do Código Penal, na pena de dois anos de prisão; - Condenar o arguido António B..., pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3º, nº2, do D.L. nº 2/98, de 03.01, na pena de dez meses de prisão; - Em cúmulo jurídico, condenar o arguido António B...

na pena unitária de dois anos e seis meses de prisão efectiva.

Quanto ao pedido cível - Condenar os demandados António B... e Fundo de Garantia Automóvel a pagarem, solidariamente, a Luís C... e Rosa C..., a quantia de mil, novecentos e setenta e três euros e catorze cêntimos, por danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa de 4%, contados desde a notificação do pedido até efectivo pagamento; - Condenar os demandados António B... e Fundo de Garantia Automóvel a pagarem, solidariamente, a Luís C... e Rosa C..., a quantia de sessenta e cinco mil euros, por danos não patrimoniais decorrentes da perda do direito à vida, acrescida de juros à taxa de 4%, contados desde o presente e até efectivo pagamento; - Condenar os demandados António B... e Fundo de Garantia Automóvel a pagarem, solidariamente, a Luís C... e Rosa C..., a quantia de setenta mil euros, por danos não patrimoniais sofridos pelos progenitores, acrescida de juros à taxa de 4%, contados desde o presente e até efectivo pagamento; - absolver os demandados do demais peticionado” 2.

O assistente Luís C..., casado com Rosa C..., interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões (fls. 573 a 576) : “1- No presente recurso há uma única questão a considerar: a inaceitável absolvição do Arguido quanto à prática do crime de omissão de auxílio.

2- Assim, do acórdão recorrido resultou provado que:

  1. O arguido bem se apercebendo de que embateu no veículo conduzido pela vítima e de que esta dada a violência do embate, tinha necessariamente de estar muito magoada, se não morta, prosseguiu a sua marcha, sem sequer parar para se inteirar do estado de saúde da mesma e sem providenciar, por qualquer forma, pelo seu socorro.

  2. Acresce que, como bem se deu conta o arguido, tendo em conta o local isolado do acidente e o facto de se tratar de um domingo, poderia tardar que ali passassem outras pessoas.

  3. No que ao mesmo tange, não se afigurou possível realizar os respectivos exames de pesquisa de álcool no sangue, nem de rastreio para confirmação de substâncias psicotrópicas ou estupefacientes, já que o mesmo abandonou o local, apenas tendo com parecido nas autoridades no dia seguinte.

  4. O arguido, embora tenha representado a grave situação de perigo em que a vítima se encontrava e que por si havia sido criada, deliberadamente não a socorreu e não diligenciou pelo seu socorro, quando podia e devia tê feito.

  5. Quis, ainda, conduzir na via pública o automóvel acima identificado, bem sabendo não estar legalmente habilitado para o efeito e que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

  6. Sabia, ainda, que as suas condutas são proibidas e punidas por lei penal e contraordenacional, assim como que o veículo que conduzia não estava segurado em qualquer companhia de seguros g) O acidente ocorreu, no dia 1 de Agosto de 2010, cerca das l6h e o óbito foi declarado pelo INEM às 17h30m h) O arguido, prestando declarações, confirmou que, no dia, hora e local referidos na acusação, circulava, sem seguro, no veículo e à velocidade ali identificados do dia, e que quando sentiu o embate não parou para ver os danos, apesar de sentir que bateu em qualquer coisa debaixo do carro i) Admitiu ainda que, quando sentiu o impacto, poderia estar fora da sua mão e sentiu que o carro saltou e ainda passou por cima de algo J) Após o acidente, o Arguido fugiu do local tendo andado a vaguear toda a noite pelo monte, sem destino, tendo-se entregue às autoridades no dia seguinte k) O arguido detém já um vasto rol de antecedente criminais por diversos tipos de crime, onde se incluem várias condenações por condução sem habilitação legal crimes, tendo cumprido uma pena de prisão efectiva, não obstante o que voltou a delinquir, assim arredando a possibilidade de um juízo de prognose muito favorável no que ao cometimento de outros ilícitos respeita (exigências de prevenção especial de ressocialização) l) O crime cometido e em apreço nestes autos, ocorreu quando o arguido se encontrava ainda em liberdade condicional, o que eleva. sobremaneira, as exigências de prevenção especial de intimidação.

  7. Quer os antecedentes criminais, quer a personalidade evidenciada reconduzem à conclusão de que o arguido encerra uma falta de preparação para manter uma conduta socialmente lícita, pelo que as penas a aplicar deverão ser de molde a censurar essa postura e providenciar pela respectiva alteração.

  8. Apesar de se ter apercebido do embate ocorrido e de que em consequência do mesmo poderia haver alguém a necessitar de uma assistência médica o arguido António B... resolveu abandonar o local - cfr. Ponto 5 da Fundamentação do Tribunal “a quo.

  9. Após ter abandonado o local o arguido só se apresentou às Autoridades Policiais passadas mais de 24 horas - cfr. Ponto 18 da Fundamentação do Tribunal “a quo.

  10. O arguido, com a sua conduta, visou ocultar a sua participação no adidente, atento ao facto deste não estar legalmente habilitado a conduzir o veículo interveniente e quiçá, por que vinha de uma romaria, não pretender fazer o exame de pesquisa de álcool e o de rastreio para confirmação de substâncias psicotrópicas ou estupefacientes — cfr. Pontos 19 e 23 da Fundamentação do Tribunal “a quo” q) O arguido agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente cfr. Ponto 24 da Fundamentação do Tribunal “a quo”.

    “r) Apesar destas evidências, e apesar do douto colectivo reconhecer que o arguido, embora tenha representado a grave situação de perigo em que a vítima se encontrava e que por si havia sido criada, deliberadamente não a socorreu e não diligenciou pelo seu socorro, quando podia e devia tê-lo feito.- cfr. Ponto 22 da Fundamentação do Tribunal “a quo”.

  11. O mesmo decidiu, quanto a este crime, absolver o arguido por, no essencial haver entendido não poder ser ético-penalmente censurada a conduta de quem abandone alguém cuja morte imediata é um facto inelutável, de tal forma que a omissão de auxilio é, em si mesma, irrelevante por nenhum perigo acrescentar para a vida da vítima e nenhum afastamento de tal perigo ser susceptível de causar a acção omitida.

  12. Salvo devido respeito pelo assim entendido, não o podemos perfilhar.

  13. Com efeito, o bem protegido no crime de omissão de auxílio não é a integridade física ou a vida da vítima, mas sim o direito natural ao socorro que assiste a toda a pessoa vítima de acidente de viação e assim, o facto de a morte da vítima ter ocorrido de imediato não impede a verificação de omissão de auxilio.

  14. O que está em causa é o direito natural ao socorro que assiste a toda a pessoa vítima de acidente, ao qual é assim conferida dignidade jurídica com o estabelecimento do correspondente dever de socorro a favor dela.

  15. É irrelevante a circunstância de o sinistrado ter morrido ou não imediatamente pois que o crime de omissão de auxílio é um crime de omissão pura, uma vez que o facto criminoso restringe-se à ausência de uma actividade.

  16. O facto de a morte advir imediatamente à vítima do acidente não a transforma em coisa. A vítima é um ser humano, o cadáver é um homem que jaz morto.

  17. O arguido, ao ter consciência que deu causa a um acidente, de que resultou ii morte da vítima, e tendo no seu veículo, abandonado aquela sozinha no local, sem qualquer causa justificativa, tornou-se também autor material do crime de omissão de auxilio.

  18. O Tribunal “a quo” deveria ter optado pela condenação efectiva pela prática do crime de omissão de auxilio (…)” 3.

    Também inconformado, o arguido interpôs recurso do acórdão e das motivações extraiu as seguintes conclusões (ttanscrição fls. 549 e 550): “1-A sentença não apreciou correctamente os factos provados, nem avaliou correctamente a personalidade do arguido e as suas condições pessoais.

    2 -O Tribunal a quo não fez uma correcta apreciação da conduta do arguido em relação à valoração do seu comportamento na de audiência de julgamento, circunstância que pesou na determinação da não suspensão das penas.

    3-O Tribunal não logrou extrair daquela conduta uma manifestação de...

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