Acórdão nº 1202/11.0PBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelTERESA BALTAZAR
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

- Tribunal recorrido: Tribunal Judicial de Braga – Vara de Competência Mista.

- Recorrente: O arguido Fernando A....

- Objecto do recurso: No processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 1202/11.0PB BRG, da Vara de Competência Mista, do Tribunal Judicial de Braga foi proferido acórdão, nos autos de fls. 188 a 195, no qual, no essencial e que aqui importa, se decidiu condenar o arguido nos termos seguintes: “DECISÃO: Pelo exposto, acordam os juízes que integram o tribunal colectivo da Vara Mista de Braga em julgar procedente a acusação e, em consequência, decidem condenar o arguido Fernando A..., como autor material de um crime de burla previsto e punível pelo artigo 217º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão, e, como autor material, em concurso real com aquele, de dois crimes de falsificação de documento, previstos e puníveis pelo artigo 256º, números 1, alínea d), e 3 do mesmo diploma legal, nas penas parcelares de 1 (um) ano de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão efectiva.

Mais se julga parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e, em consequência, condena-se o arguido a pagar ao demandante José Carlos B... a quantia de €349,05 (trezentos e quarenta e nove euros e cinco cêntimos).

O arguido suportará ainda as custas da parte crime, fixando-se em 3 UC’s a taxa de justiça, acrescida de 1% do respectivo quantitativo a favor do Cofre Geral dos Tribunais, nos termos do artigo 13º, n.º 3 do DL 423/91, de 30 de Outubro.

As custas do pedido cível serão suportadas por demandante e demandado na proporção do respectivo decaimento.” (o sublinhado e destacado a negrito é nosso).

** Inconformado com a supra referida decisão o arguido Fernando A..., dela interpôs recurso (cfr. fls. 222 a 229), terminando a sua motivação com as conclusões constantes de fls. 227 a 229, seguintes (transcrição): “1) O recorrente foi condenado, como autor material de um crime de burla previsto e punível pelo artigo 217, n.º 1 do Código Penal, na pena de 10 ( dez) meses de prisão, e, como autor material, em concurso real com aquele, de dois crimes de falsificação de documento, previstos e puníveis pelo artigo 256°, números 1, alínea d), e 3 do mesmo diploma legal, nas penas parcelares de 1 ( um) ano de prisão e, em cumulo jurídico, na pena única de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão efectiva, por força do Acórdão do Plenário das Secções Criminais do ST J de 19 de Fevereiro de 1992, publicado no Diário da República, Série-A de 9 de Abril do mesmo ano 2) Sucede que, o Acórdão do Plenário das Secções Criminaís do ST J de 19 de Fevereiro de 1992, actualizado pelo Assento n.º 8/2000 de 4 de Maio de 2000 (DR l-A, de 23 de Maio de 2000), não pode ter aplicabilidade na situação em apreço uma vez que o mesmo se limita às previsões do crime de falsificação e do crime de burla, previstos no artigo 256°, n.º 1, alínea a), e no artigo 217°, n.º 1, respectivamente, do Código Penal e o recorrente foi condenado pela prática do crime de falsificação previsto e punido no 256°, números 1, alínea d) e 3 do Código Penal (e não no artigo n.º 1, alínea a) do Código Penal.) 3) Impunha-se, portanto, afastar a aplicabilidade do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 19 de Fevereiro de 1992 e consequentemente o concurso real e efectivo de crimes no caso em apreço.

4) No caso sub judice, entre o crime de falsificação de documentos e o crime de burla há um concurso aparente de normas sob a forma da consunção. Neste sentido, ARTZ e WEBER, FIGUEIREDO DIAS e RIBEIRO DE FARIA, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo 11, Artigos 202° a 30JO, Coimbra Editora, 1999, p. 690.

5) Terá que se entender que" Se a falsificação de documentos é realizada como meio para atingir um crime de burla o agente apenas deverá ser punido pela prática de um crime de burla ( e como se verifica sempre se tratar de um caso de uma falsificação de um dos documentos previstos no nO 3 deste artigo será um caso de consunção impura) JI, pois "a consunção apenas se verifica se houver uma unidade de resolução criminosa, isto é, o agente tem de falsificar para burlar'. - Cfr, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo 11, Artigos 202° a 307°, Coimbra Editora, 1999, p. 690.

6) Atendendo à doutrina descrita e aos factos dados como provados é claro e evidente que o recorrente forjou o endosso dos beneficiários nos dois vales de correio e fez-se passar pelo seu legítimo possuidor, apenas e só, para obter os montantes titulados nos mesmos, sendo certo que o vale do correio é um dos documentos tipificados no art. 257°, n.º 3 do Código Penal, facto que nos remete sem margem de dúvida para a consunção impura entre o crime de falsificação de documentos e o crime de burla.

7) Deste modo, a falsificação dos vales de correio apenas constituiu um meio necessário para o recorrente praticar o crime de burla, constituindo o meio ardiloso para induzir a entidade bancária, determinando-a a creditar o montante inscritos nos vales de correio na conta do recorrente à custa do empobrecimento dos beneficiários dos valores.

8) Trata-se, pois, de um caso de consunção impura na medida em que o crime punido com a pena mais grave que é consumido pelo menos grave.

9) Aliás, esta solução é a única que se impõe pelo respeito ao principio ne bis in idem, consagrado constitucionalmente no art. 29°, n.º 5 da CRP.

10) Pelo exposto, impõe-se a alteração da sentença recorrida, devendo o recorrente ser condenado apenas e só como autor material de um crime de burla previsto e punido pelo artigo 217°, n.º 1 do Código Penal, sob pena de violação do principio ne bis in idem, consagrado constitucionalmente no art. 29°, n.º 5 da CRP.

Nestes termos e nos melhores de Direito, no seguimento das conclusões apresentadas, decidindo em conformidade com as mesmas V.s Ex.as farão a acostumada JUSTIÇA!”.

* O M. P. respondeu, concluindo que o recurso do arguido não merece provimento (cfr. fls. 258 a 271).

* O recurso foi admitido por despacho constante a fls. 273.

* O Ex.mº Procurador Geral Adjunto, nesta Relação no seu parecer (constante de fls. 283 e 285) conclui, também, que o recurso não merece provimento.

* Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do C. P. Penal, não veio a ser apresentada qualquer resposta.

* Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, prosseguiram os autos para conferência, na qual foi observado todo o formalismo legal.

** - Cumpre apreciar e decidir: - A - É de começar por salientar que, para além das questões de conhecimento oficioso, são as conclusões do recurso que definem o seu objecto, nos termos do disposto no art. 412º, n.º 1, do C. P. Penal.

- B - No essencial, no recurso suscita-se a questão seguinte: - De saber se no caso “(…) entre o crime de falsificação de documentos e o crime de burla há um concurso aparente de normas sob a forma de consunção” (cls. n.º 4 a fls. 227), “(…) devendo o recorrente ser condenado apenas e só como autor material de um crime de burla previsto e punido pelo artigo 217º, n.º 1 do Código Penal (…)” (cls. n.º 10, a fls. 228).

* - C - Matéria de facto dada como provada e não provada, na 1ª instância e sua motivação - cfr. fls. 189 a 192 (transcrição): “MATÉRIA DE FACTO PROVADA: Por forma não concretamente apurada, entre os dias 8 e 12 de Abril de 2011, o arguido entrou na posse do vale de correio com o n.º 6678419661, no valor de €383,92, emitido pelo Instituto da Segurança Social a favor de Maria M... e expedido para a residência desta.

Uma vez na posse desse vale, o arguido apôs pelo seu próprio punho, ou solicitou a outrem que o fizesse, no espaço reservado ao endosso, a expressão “Eu Maria M... Endosso a Fernando A...

”, bem como o nome da beneficiária e um número e data de emissão do bilhete de identidade desta por si inventados nos campos a tal destinados.

Inscreveu ainda no vale o número do seu próprio bilhete de identidade (11658735) e a respectiva data de emissão e assinou-o como suposto beneficiário do endosso que nele previamente forjara.

De seguida, depositou-o na conta n.º 48249983 do Finibanco de que é titular, depósito esse efectuado no dia 12 de Abril de 2011.

Por forma não concretamente apurada, entre os dias 7 e 16 de Junho de 2011, o arguido entrou na posse do vale de correio com o n.º 1138018646, no valor de €349,05, emitido pelo Instituto da Segurança Social a favor de José Carlos B... e expedido para a residência deste.

Uma vez na posse desse vale, o arguido apôs pelo seu próprio punho, ou solicitou a outrem que o fizesse, no espaço reservado ao endosso, a expressão “Eu Carlos B... Endosso a Fernando A...

”, bem como o nome do beneficiário e um número e data de emissão do bilhete de identidade deste por si inventados nos campos a tal destinados.

Inscreveu ainda no vale o número do seu próprio bilhete de identidade (11658735) e a respectiva data de emissão e assinou-o como suposto beneficiário do endosso que nele previamente forjara.

De seguida, depositou-o na conta n.º 48249983 do Finibanco de que é titular, depósito esse efectuado no dia 16 de Junho de 2011.

Tais vales titulavam as pensões de reforma dos respectivos beneficiários.

Ao manuscrever os nomes dos ofendidos Maria M... e José Carlos B... nos vales de correio, o arguido agiu com o propósito concretizado de os colocar em circulação como se tivessem sido regularmente endossados pelos seus legítimos beneficiários, consciente de que punha em crise a genuinidade e a credibilidade que tais títulos merecem no tráfego comercial.

Acresce que, ao depositar o vale de correio emitido a favor de José Carlos B... por si adulterado na conta de que era titular, fez crer aos funcionários do Finibanco que era o seu legítimo portador, determinando-os ao pagamento do correspondente montante, que gastou em proveito próprio, à custa do empobrecimento do património do ofendido.

Agiu sempre livre e deliberadamente, com o propósito de obter para si benefícios...

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