Acórdão nº 873/05.0TBVLN.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução07 de Maio de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

A.. e marido, J.., intentaram acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra M.. e S.., pedindo que: a) seja declarado que o negócio de compra e venda celebrado entre os réus é nulo, por simulação absoluta e por ser ilícito e ofensivo dos bons costumes; b) seja proferida sentença que restitua ao património do autores a propriedade plena e exclusiva da fracção autónoma que identificam, reconhecendo-se que os autores são os seus legítimos proprietários; c) seja ordenado o cancelamento do registo efectuado a favor da 2ª Ré ou qualquer outro registo posterior.

d) sejam os réus condenados, solidariamente, a pagarem-lhes a quantia de € 25.000,00, a título de compensação económica pelos danos morais sofridos.

Alegaram, para tanto e em síntese, que o réu M.., fazendo uso de uma procuração que lhe foi outorgada pelos autores e através da qual conferiram-lhe poderes para, além do mais, vender quaisquer bens móveis e imóveis e receber o respectivo preço sob os termos e condições que entendesse, celebrou uma escritura pública de compra e venda com a ré S.., sendo este negócio simulado na medida em que o que ele pretendeu foi fazer uma doação a esta mesma ré.

Contestou a ré S.., negando a existência de qualquer acordo simulatório e concluindo pela improcedência da acção.

Os AA. replicaram, concluindo como na petição inicial e pedindo a condenação da ré contestante como litigante de má fé.

Após convite para o efeito, os AA. requereram a intervenção principal de C.., Á.. e G.., sucessivos adquirentes do prédio em causa, a qual foi admitida.

Proferido despacho saneador, foram elaborados os factos assentes e a base instrutória.

Procedeu-se a julgamento com a observância das formalidades legais, decidindo-se a matéria de facto pela forma constante do despacho de fls. 563 a 565.

A final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu os RR. do pedido.

As custas ficaram a cargo dos AA.

Não se conformando com esta decisão, dela apelaram os autores, terminando as alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem: “1ª O Tribunal a quo ao responder, como respondeu, á matéria constante do ponto 22) da base instrutória da causa violou, por omissão de aplicação, o disposto nos artigos 221º e 394º do C.C., permitindo que estipulações adicionais ou complementares ao documento autêntico (procuração), obtivessem prova por testemunhas.

  1. Com a resposta dada àquele quesito, para além da ilegalidade cometida, o Tribunal a quo violou também o disposto nos artigos 13º e 20º da C.R.P. e 3º-A do C.P.C., tratando, nos presentes autos, de forma manifestamente desigual AA. e RR.

  2. Como resulta da acta de audiência de discussão e julgamento datada de 23 de Abril de 2012, o Tribunal a quo não admitiu que os AA. pudessem fazer prova da matéria contida no quesito 1) da b.i., por entender que tal matéria constituía estipulação adicional ou complementar ao documento autêntico (procuração) e, como tal, insusceptível de prova por testemunhas (cfr. despacho proferido para a acta, fls… dos autos); 4ª Conforme resulta da decisão recorrida, à matéria contida no quesito 22) da b.i., deu o Tribunal a quo como provado que: “a “Procuração” a que se alude em C foi outorgada pelos AA. ao 1º R. como forma de garantir o pagamento do empréstimo indicado em 20, permitindo, assim, que o 1º R. usasse a “Procuração” se aqueles não liquidassem a quantia emprestada no prazo acordado;”, resposta que, como se pode ver do despacho de fls... dos autos (resposta à matéria de facto da causa), se baseou na apreciação crítica da prova produzida em audiência, designadamente, no depoimento das testemunhas A.., J.., E.. e J...

  3. Por se tratar de estipulação adicional ou complementar ao documento autêntico, e na ausência de prova documental da mesma, nunca o Tribunal a quo poderia ter respondido como respondeu aquele quesito 22), sob pena de ao fazê-lo, como fez, violar o disposto nos artigos 221º e 394º do C.C. e nos artigos 13º e 20º da C.R.P., padecendo, por isso, de ilegalidade e inconstitucionalidade.

  4. Por não admitir prova por testemunhas, como se viu, e na ausência de outro meio de prova válido, deveria o Tribunal a quo ter respondido negativamente à matéria de facto contida no ponto 22) da b.i., como se deixou impugnado supra.

  5. Também os pontos 2) e 3) da b.i. nunca poderiam ter tido a resposta que lhe foi dada pelo Tribunal recorrido, pois, se por um lado, tal matéria constitui estipulação adicional ou complementar ao documento e como tal insusceptível de prova testemunha (já que inexiste prova documental que comprove tal resposta), por outro lado, a mesma não resulta minimamente comprovada do depoimento das testemunhas A.., J.. e E.., cujos depoimentos se encontram registados no sistema informático em uso no Tribunal recorrido, respectivamente, de 23-04-2012, 15:01:10 – 15:43:18, com início em 00:00:00 e fim em 00:41:59; de 23-04-2012, 16:24:46 – 17:06:36, com início em 00:00:00 e fim em 00:41:49; de 14-05-2012, 14:29:57 – 14:47:40, com início em 00:00:00 e fim em 00:17:42.

  6. Quanto à matéria de facto contida no quesito 22) da b.i. para além do exposto, também a mesma não resulta comprovada pelo depoimento das referidas testemunhas, já que as mesmas não foram indicadas a tal quesito (cfr. atas da audiência de discussão e julgamento de 23 de abril e 14 de maio de 2012, fls…dos autos).

  7. À matéria daquele quesito 22) apenas foi indicada a testemunha J.. (filho do 1º R.), cujo depoimento se encontra registado no sistema informático em uso no Tribunal recorrido, registado em 14-05-2012, 14:48:13 – 15:14:08, com início em 00:00:00 e fim em 00:25:55, e que, no entendimento dos recorrentes e para além do exposto nas conclusões 3ª, 4ª, 5ª e 6ª, é manifestamente insuficiente para fundamentar a resposta dada àquele quesito, devendo ao mesmo ser dada a resposta de “não provado”.

  8. Existe contradição insanável entre a fundamentação da sentença recorrida e a resposta à matéria de facto constante dos pontos 8), 9), 10) e 14) da b.i.

  9. A factualidade que resultou provada é incapaz de sustentar a sentença recorrida.

  10. A 2ª R. defendeu-se por excepção peremptória, alegando que a procuração referida em C) dos factos assentes foi outorgada como forma de garantir o empréstimo que o 1ª R. havia efectuado aos AA. e que seria por este utilizada se tal empréstimo não fosse liquidado em determinado prazo.

  11. Impunha-se, então, que a R. provasse a excepção por si invocada, ou seja, o não pagamento do empréstimo no prazo estipulado, a qual era, na alegação dos RR., condição que habilitava o 1º R. a utilizar tal procuração, o que manifestamente não logrou (cfr. resposta aos quesitos 2), 3) e 21) da b.i.).

  12. Não tendo a R. feito prova da excepção por si invocada, nunca a sentença recorrida poderia ter chegado à conclusão de que se tratou de uma simulação relativa, e que aquilo que o 1º R. quis foi pagar-se do empréstimo que tinha efectuado aos AA./recorrentes, quando não existe matéria provada que demonstre a “condição” do uso da procuração.

    Sem prescindir, 15ª Mesmo que se tratasse de uma simulação relativa (como entendeu a sentença recorrida, do que se discorda como se deixou exposto e alegado supra) sempre o negócio dissimulado (doação) seria nulo, por não terem sido conferidos poderes ao procurador para doar.

  13. Nulidade que sempre existiria e deveria ter sido declarada se, seguindo o trilho defendido na sentença recorrida, se entender que o uso da procuração se destinou ao pagamento do empréstimo concedido pelos 1º R. aos AA.

  14. Nessa situação estaremos, então, perante um verdadeiro negócio consigo mesmo (o 1º R. utilizou a procuração para, com o uso da mesma, se pagar a ele próprio do empréstimo que tinha efectuado aos AA. – conforme se defende na sentença recorrida), sujeito ao disposto no artigo 261º do C.C.

  15. Em qualquer dos casos (doação – negócio dissimulado – ou negócio consigo mesmo), é manifesto que o º R. agiu sem poderes de representação, sendo o negócio ineficaz em relação aos AA., que o não ratificaram (art.268º C.C.), e consequentemente nulo. 19ª Nulidade de que o Tribunal deveria e poderia ter conhecido.

  16. Ao decidir como decidiu violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 13º e 20º da C.R.P., 221º, 394º, 261º e 268º do C.C. e artigo 3º-A do C.P.C.” A final, pede seja revogada a sentença recorrida e a sua substituição por outra que declare nulo o negócio celebrado entre o 1º e a 2ª R., e consequentemente restitua o direito de propriedade sobre o imóvel descrito e identificado na alínea C) dos factos assentes à esfera jurídica dos AA./recorrentes.

    A ré contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir: Os factos dados como provados na 1ª instância são os seguintes: 1. A A. e o A. são, respectivamente, irmã e cunhado do 1º R. A 2ª R. é filha do 1º R. e, portanto, sobrinha dos AA. (A); 2. Os AA. contraíram casamento entre si no dia 7 de Setembro de 1985 (B); 3. No dia 26 de Agosto de 1996, no Cartório Notarial de Valença, os AA. subscreveram o documento de fls. 35 e seguintes, intitulado de “Procuração”, por meio do qual declararam, entre o mais: “Que constituem seu procurador M.., ao qual conferem poderes gerais de administração civil, para dar ou tomar de locação bens móveis e imóveis, (...) para proceder a partilhas, (...) para vender quaisquer bens, receber o preço e dele dar quitação (...), outorgar e assinar as necessárias escrituras, sob os termos e condições que bem entender” (C); 4. Por escritura Pública de fls. 42 e seguintes, celebrada no dia 19 de Agosto de 2004, intitulada de “Compra e Venda”, o 1º R, intervindo na qualidade de primeiro outorgante e na qualidade de procurador, em nome e em representação dos AA, e a 2ª R, intervindo na qualidade de segunda outorgante, declararam entre si, entre o mais: “Que o primeiro, na indicada qualidade, pelo preço de € 35.000,00, já recebido, vende à segunda outorgante, a fracção autónoma designada pelas...

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