Acórdão nº 273/09.3GEGMR.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelPAULO FERNANDES SILVA
Data da Resolução06 de Maio de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: --- I.

RELATÓRIO.

--- Nestes autos de processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, a 2.ª Vara de Competência Mista de Guimarães, por acórdão de 17.12.2012, depositado no mesmo dia, decidiu, além do mais, --- «b) Condenar o arguido Manuel M... pela prática de um crime de coacção agravada, previsto e punível pelos art.°s 154.º, n.° 1 e 155º, n.° 1, al. a) do Código Penal, na pena de dois (2) anos de prisão;», --- «c) Suspender a execução de tal pena de prisão pelo período de dois (2) anos, na condição de, nesse prazo de 2 anos, o arguido pagar a indemnização que, de seguida, será arbitrada ao demandante no âmbito do pedido cível deduzido»; --- «d) Condenar o arguido Manuel M... pela prática de um crime de injúria, previsto e punível pelo art.° 181.°, n.° 1 do Código Penal, na pena de 40 dias de multa, à razão diária de € 5,00»; «e) Condenar o arguido Manuel M... pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punível pelo art.° 291º, n.° 1 do Código Penal, na pena de 150 dias de multa, à razão diária de €5,00»; --- «f) Condenar o arguido Manuel M..., em cúmulo jurídico das penas referidas em d) e e), na pena única de 170 dias de multa, à razão diária de € 5,00, no total de € 850,00»; --- «g) Condenar o arguido Manuel M... na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no art.° 69.º, n.° 1, alíneas a) e b) do Código Penal, pelo período de seis (6) meses»; --- «Julgar o pedido civil parcialmente procedente e, consequentemente, condenar o demandado a pagar ao demandante a indemnização global de € 2.800,00 - sendo € 2.500,00 a título de indemnização dos danos sofridos com o crime de coacção e € 300,00 a título de indemnização dos danos sofridos com o crime de injúria -, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a notificação do pedido para contestar até integral pagamento» Cf. volume II, fls. 444 a 474. ---. --- Do recurso para a Relação.

--- Inconformado com tal acórdão, o Arguido veio dele interpor recurso para este Tribunal, em 21.01.2013, concluindo as suas motivações nos seguintes termos: (transcrição) --- «2.° - Encontra-se errada e incorrectamente julgada a matéria de facto vertida nos pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14 e 15, os quais deveriam ter sido dados como não provados, porque assim o impunha a ausência de prova, na medida em que a produzida, pelo menos, é francamente dúbia.

  1. - Não foi produzida prova alguma que permita ao Tribunal a quo, com segurança e o mínimo grau de certeza, dar como provado e assente que o arguido, ora recorrente, praticou os crimes nos quais foi condenado.

  2. - O Tribunal a quo formou a sua convicção para dar como provados os factos constantes dos pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 14 até "pernas", única e exclusivamente nas declarações do assistente Joaquim F... e no depoimento da testemunha Rogério M..., conjugados com o auto de notícia de fls. 3 e dos documentos de fls. 126 a 129.

  3. - Da conjugação dos elementos de prova nos quais o Tribunal a quo se baseou para dar como provados os factos supra referidos, impunha desde logo uma decisão diversa da tomada quanto aos factos considerados como provados.

  4. - De facto, analisando os depoimentos prestados pelo assistente e pela testemunha Rogério M... e conjugando os mesmos, verifica-se a existência de diversas contradições que certamente não foram percepcionadas pelo Tribunal, pois se assim fosse não se teria chegado a outra solução que não fosse a absolvição do arguido.

  5. - Na verdade, da conjugação de tais depoimentos, resulta o seguinte: a) Só o assistente é que diz que o arguido andou em contramão; b) O assistente, na descrição que faz da alegada perseguição, diz que o arguido fez uma primeira tentativa de o atropelar junto à Travessa Nossa L... e como não conseguiu, fez marcha atrás nesse local (mm. 37:50 a 38:44), tendo o assistente corrido em direcção ao seu prédio em linha recta, pelo lado esquerdo da estrada, enquanto o arguido o perseguia, numa distância de 10, 20 metros. Diz ter fugido, em seguida, aos ziguezagues e saltou uma sebe que fica junto ao infantário do lado oposto da estrada, momento em que declarou ter terminado a perseguição. - Conforme depoimento do assistente - minuto 10:00m a 11:35m; mm. 20:49m a 22:19m; e min. 38:44m a 39:41m; c) Declarou ainda o assistente que a testemunha Rogério M... se colocou à frente do carro do arguido, nesse momento, a mandá-lo parar, o que já não viu porque caiu ao saltar a sebe. - Conforme depoimento do assistente - minuto 29:40m. a 30:23m; d) Por sua vez, a testemunha Rogério M..., na sua descrição da alegada perseguição, declarou que o arguido fez duas investidas para tentar atropelar o assistente, uma junto à travessa e outra junto ao infantário e fez duas vezes marcha atrás (e não apenas uma vez, como referiu o assistente). - Conforme depoimento da testemunha - minuto 17:49m a 21:55m (da 1.ª parte da gravação) e 13:40m a 14:55m (da 3.ª parte da gravação); e) Referiu ainda a mesma testemunha que o assistente tentou saltar a sebe que fica junto ao infantário, do outro lado da estrada, mas não conseguiu por causa de um arame (ao contrario do que disse o assistente que declarou ter saltado a sebe). - Conforme depoimento da testemunha - minuto 15:15m a 15:30m (da 3.ª parte da gravação); f) Referiu também, ao contrário do que tinha sido afirmado pelo assistente, que a perseguição não terminou nesse momento, ou seja, não terminou quando o assistente saltou ou tentou saltar a sebe, pois, segundo esta testemunha, o arguido ainda voltou a perseguir o assistente, após esse momento, fazendo piruetas no meio da rua, a tentar apanhá-lo, e só parou quando esta testemunha se pôs à frente do carro a mandá-lo parar. - Conforme depoimento da testemunha - minuto 15:30 m a 16:00m (da 3.ª parte da gravação); g) De notar ainda que esta testemunha afirmou que o arguido subiu o passeio junto ao infantário, ou seja, do lado do infantário e o assistente tinha declarado que o arguido não subiu esse passeio, mas sim o passeio do lado oposto ao do infantário, como aliás resulta do douto Acórdão na seguinte passagem que se reproduz: "a testemunha Rogério M... deu conta de que o arguido subiu, de facto, um passeio, mas que só o fez uma vez e que o passeio em causa foi o do lado da escola, isto é, o passeio que o assistente disse expressamente que o veículo do arguido não subiu." h) A testemunha Rogério M..., quando questionada, declarou ainda que o assistente nunca caiu, nem mesmo quando saltou a sebe, e disse que o assistente estava do seu lado direito quando se colocou à frente do carro para o parar, o que também não coincide com a versão do assistente. - Conforme depoimento da testemunha - minuto 24:36m a 25:00m (3.ª parte da gravação).

  6. - Em suma, analisando os dois depoimentos ficamos sem saber se o arguido andou ou não em contramão, se o arguido fez apenas uma vez marcha atrás (como refere o assistente) ou se o fez por duas vezes (como afirma a testemunha Rogério M...) se o assistente saltou ou não a sebe, se caiu ou não ao saltar a sebe, se o arguido subiu o passeio do lado direito ou do lado esquerdo da estrada e se a perseguição terminou quando o assistente saltou ou tentou saltar a sebe (como este declarou) ou se afinal ainda continuou após esse momento (como afirma a testemunha Rogério M...).

  7. - Tendo em conta todas estas dúvidas, resultantes da conjugação dos depoimentos do assistente e da testemunha Rogério M..., não se percebe como pôde o Tribunal concluir que as suas declarações foram "sinceras e objectivas" e "coerentes", quando na verdade tais depoimentos são tudo menos coerentes, ao invés, são manifestamente contraditórios e inverosímeis.

  8. - Não se percebe também como pôde o Tribunal formar a sua convicção e dar como provados os factos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 14 até "pernas", com base nestes depoimentos tão incoerentes entre si, pois estando duas pessoas no mesmo local a presenciar os mesmos factos, não se entende como podem ter visto coisas tão distintas, pelo que forçoso é concluir que ou a testemunha Rogério M... não presenciou os factos e por isso o seu depoimento não pode ser valorado ou então os factos descritos quer por esta testemunha quer pelo assistente não correspondem à verdade, sendo certo que em qualquer dos casos, havendo dúvidas sobre a veracidade do ou dos depoimentos, não podiam os factos supra referidos ser dados como provados.

  9. - Atentando na conjugação dos dois depoimentos vindos de referir e na absoluta incongruência e consequentemente falta de credibilidade destes, bem como no facto do Tribunal não ter formado a sua convicção, quanto à prática dos factos ilícitos, nos depoimentos de quaisquer outras testemunhas, nem sequer se poderia, com grau de certeza ou com mínimo de segurança, concluir que o arguido praticou os crimes pelos quais foi condenado, pelo que se impunha que toda a factualidade vertida nos factos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14 e 15 fosse dada como não provada.

  10. - Isto porque, havendo dúvidas quanto à prática dos factos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 14 até "pernas", por parte do arguido, também não podiam ter sido dados como provados os factos constantes dos pontos 11, 12, 13 e 14, a partir de "pernas", ou melhor, não podia ter sido dado como provado que tais factos advieram do comportamento do arguido.

  11. - Acresce que, tendo o Tribunal formado a sua convicção para dar como provados os factos constantes dos pontos 11, 12, 13 e 14, a partir de "pernas", ou seja, "as consequência que para o demandado advieram da conduta do arguido", no depoimento das testemunhas António P... e Rogério M..., não poderia ter igualmente dado tais factos como provados, posto que do depoimento de tais testemunhas não resulta claro e evidente que o assistente tenha sentido "humilhação e vergonha", medo intenso de que o arguido o pudesse atingir com o veículo e matar, que se tivesse ferido nas pernas...

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