Acórdão nº 463/10.6PBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA LU
Data da Resolução06 de Maio de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO No processo comum (com intervenção do tribunal colectivo) n.º463/10.6PBGMR da 2ªVara de Competência Mista de Braga, por acórdão proferido em 29/11/2012 e depositado na mesma data, foi decidido: .- Parte criminal a) Condenar o arguido Micael L... pela prática de oito (8) crimes de furto qualificado, previstos e puníveis pelos art.ºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, sendo sete (7) deles nas penas de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão cada um - os referentes ao processo principal, exceção feita ao a seguir discriminado em b), bem como os referentes aos apensos E, I, M e O - e um outro na pena de três (3) anos e seis (6) meses de prisão - o referente ao apenso G; b) Condenar o arguido Micael L... pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos art.ºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. i) do Código Penal, na pena de um (1) ano de prisão - o referente ao processo principal, ocorrido na residência de Rui C....

c) Condenar o arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de nove (9) anos de prisão.

.- Parte cível .- Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante Maria S...

parcialmente procedente e, consequentemente, condenar o demandado Micael L... a pagar-lhe: - a quantia de € 55.264,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais por si sofridos em consequência da conduta do demandado; .- a quantia de € 1.500,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência da conduta do demandado; .- os juros de mora sobre tais quantias, contados à taxa de 4%, desde a data da notificação do pedido cível, até integral pagamento.

Inconformado com a decisão condenatória, o arguido interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]: 1-Afigura-se ao aqui Recorrente que, salvo o devido respeito, carece de fundamento de facto e de direito o douto acórdão, que o condenou pela prática de oito crimes de furto qualificado, previstos e puníveis pelos art.ºs 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. e) do Código Penal, sendo sete deles nas penas de dois anos e seis meses de prisão cada um e pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos art.ºs 203º, nº 1 e 204º, nº 1, al. i) do Código Penal, na pena de um ano de prisão e que o condenou, em cúmulo jurídico, na pena única de nove anos de prisão; e que julgou ainda o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante Maria S... parcialmente procedente.

2-Nos presentes autos e com o devido respeito por diferente opinião, entende o recorrente que não foi produzida prova para o Tribunal de 1ª instância ter dado como provados os factos assentes nos pontos 1 a 38 dos FACTOS PROVADOS da FUNDAMENTAÇÃO, do douto acórdão ora recorrido.

3-Pelo contrário, entende o recorrente que as provas produzidas impõem uma decisão diversa da recorrida.

4-Efectivamente, a prova produzida em sede de audiência de julgamento deveria conduzir não à condenação do arguido, mas antes pelo contrário, à sua absolvição.

5-Assim, encontra-se errada e incorrectamente julgada a matéria de facto dado como provada nos pontos 1 a 38 a qual deveria ter sido dada como não provada porque assim se impunha face a todos os depoimentos das testemunhas e face a inconsistência dos exames periciais lafoscópicos existentes nos autos por falta de fundamentação.

Existindo assim, ausência de qualquer prova sobre a autoria dos crimes.

6-Sucede que o depoimento de todas as testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, não permitia nem permite, como aliás resulta do próprio texto do douto Acórdão (na parte da motivação da decisão), atribuir a autoria do crime ao aqui recorrente, sendo certo que estes, conforme consta do referido acórdão, não presenciaram a prática dos crimes em causa nos autos, nem identificaram o respectivo agente, apenas tendo deposto sobre os bens alegadamente furtados.

7-Ora, para além dessa prova testemunhal de onde resultou que ninguém presenciou os factos aqui em causa, nem identificou ou reconheceu quem quer que seja, o Tribunal “a quo”, para prova da autoria por parte do aqui recorrente dos 9 crimes em causa nos autos, formou e alicerçou a sua convicção e tão e somente sobre os relatórios de inspecção lofoscópica de fls. dos autos que dariam conta da recolha de vestígios lofoscópicos com valor identificativo do interior de cada residência aqui em causa e sobre os respectivos relatórios de perícia de fls. dos autos que associariam ao arguido os vestígios recolhidos nos referidos relatórios de inspecção lofoscópica.

8-Ora no caso concreto, desconhece-se se o arguido foi, por qualquer meio ou em qualquer circunstância de tempo, modo o lugar, anterior a prática dos factos, visita daquelas residências ou nestas permaneceu por qualquer razão ou lhe foi permitido o acesso por terceira pessoa.

9-Também se desconhece, nem foi produzida prova sobre a forma como os objectos ou superfícies identificados no supra referidos relatórios, onde alegadamente foram identificados vestígios produzidos pelos dedos e mão do recorrente Micael, foram por este tocados e em que circunstâncias de tempo, modo e lugar tal sucedeu.

10-Nestes termos, não tendo sido recolhidas quaisquer provas materiais que permitam afirmar com o grau de certeza necessária a autoria dos crimes por parte do aqui recorrente o Tribunal “a quo” não podia, nem devia, ter dado como provado que o aqui recorrente era o agente dos noves crimes aqui em causa, nem a supra factualidade vertida nos pontos 1 a 38 dos factos provados. Muito menos poderia o fazer com base nos alegados relatórios perícias (já supra identificados) remetidos aos autos, transvestidos, com o devido respeito, de prova pericial, de reduzido ou nulo valor probatório.

11-Dispõe o artigo 157°, n.° 1 do Código Processo Penal que: "Finda a perícia, os perito procedem à elaboração de um relatório, no qual mencionam e descrevem as suas respostas e conclusões devidamente fundamentadas." 12-Ou seja, nos termos da apontada disposição legal o relatório pericial deve indicar especificadamente os motivos do respectivo laudo.

13-A falta de fundamentação das conclusões ou das respostas constitui “um vício grave da investigação” e “prejudica a validade de todo o relatório” pericial.

14-Se é certo que o juízo técnico inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador, podendo este contudo dele fundadamente divergir (cfr. artigo 163º do Código Processo Penal), mas não se vislumbre tal possibilidade caso o juízo técnico não se mostre devidamente motivado.

15-Nessa situação, também o exercício do contraditório se mostra absolutamente inviável, uma vez que a refutação da conclusão pressupõe o prévio conhecimento das respectivas premissas.

16-Conforme se pode constatar da leitura dos relatórios de fls. 35 (1º volume), fls. 23 (apenso A); fls. 27 (apenso C); fls. 19 (apenso B); fls. 20 (apenso E); fls. 37 (apenso G); fls. 28 (apenso I); fls. 22 (apenso M) e fls. 28 (apenso O), apesar da designação que lhe pretendem atribuir de relatórios perícias, não consubstanciam os mesmos uma perícia nem mesmo um relatório pericial, uma vez que estes não obedecem aos requisitos impostos pelo artigo 157° do C.P.P supra referido, já que não fundamentam a sua resposta e conclusão de que o recorrente produzira aquelas impressões reveladas.

17-Bem como, esses alegados relatórios nem sequer esclarecem quais os métodos empregues para se proceder ao processo identificativo, nem são juntas aos autos quaisquer fotografias de vestígio digital alegadamente identificado e respectivas ampliações, nem junto aos autos o dactilograma com ele coincidente, para que fosse possível proceder às necessária confrontações utilizando as regras formuladas por Locard.

18-Ou seja, nos relatórios aqui em questão e junto a fls. dos autos, não foram aduzidos quaisquer fundamentos que permitam sindicar a bondade da sua conclusão e metodologia empregue, impossibilitando avaliação e valoração desse juízo técnico ou científico por si produzido, numa clara manifesta violação do disposto no artigo 157° do Código Processo Penal; 19-Estar, nesses alegados relatórios periciais, afirmado que o vestígio recolhido foi produzido por um qualquer dedo ou palma da mão do aqui recorrente, vale tanto como se nesse relatório viesse afirmado sem qualquer fundamento ou sem que se conheça a razão de ciência, que o vestígio recolhido fora produzido por um qualquer dedo do aqui signatário, ou por um qualquer dedo de qualquer dos sujeitos processuais que intervierem nos presentes autos.

20-Compulsando os autos, inexiste neles qualquer elemento complementar quanto aqueles “relatórios periciais”.

21-Em consequência, urge entender que os denominados exames periciais lafoscópicos nos autos são inconsistentes por falta de fundamentação. Na verdade, embora se saiba que tais exames são feitos a partir da reprodução dos vestígios recolhidos e sua comparação com o dactilograma do Recorrente existente nos arquivos policiais, os referidos relatórios são completamente omissos de premissas quanto às conclusões que enunciam.

22-Nomeadamente, desconhece-se em concreto o número de pontos de convergência relativos à comparação entre os vestígios recolhidos e o dactilograma do Recorrente. Muito menos existem imagem que o comprovem. Os exames retiram uma conclusão sem que a explicite suficientemente.

23-Ora, sabe-se que apenas a existência de 12 ou mais pontos de convergência lofoscópica é susceptível de conferir certeza a identidade em causa e que entre 8 e 12 pontos de convergência torna-se necessário aferir esta função de critérios como a nitidez, a raridade do tipo do dactilograma ou a confronto de poros para concluir quanto a tal identidade.

24-Estas omissões dos referidos relatórios lofoscópicos obstam ao cabal exercício do contraditório, não permitindo ao julgador o devido juízo de concordância ou...

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