Acórdão nº 3490/08.0TBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2013
Magistrado Responsável | MANUEL BARGADO |
Data da Resolução | 17 de Dezembro de 2013 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO A… instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra A… e C…, pedindo que os réus sejam condenados a: 1) reconhecerem o direito de propriedade sobre o estabelecimento comercial do autor, bem como a sua qualidade de arrendatário do rés-do-chão do prédio art. … (actual … urbano) da freguesia de Barcelos; 2) restituírem imediatamente ao autor o gozo e fruição do dito espaço e estabelecimento, abstendo-se de impedirem de nele entrar o autor; 3) reconhecerem que a degradação do imóvel se deveu à falta de obras de conservação e manutenção de que os réus são responsáveis e conhecedores desde 2001; 4) reconhecerem que o encerramento determinado pela CMB se deveu a requerimento do réu, sem ter procedido a denúncia ou suspendido a execução do contrato de arrendamento como era exigível por força do art. 5º do DL 157/2006 de 8/8; 5) reintegrar o autor no referido estabelecimento no local e patamar de revalorização do comércio em que estaria se não fosse a conduta dos réus ou, não sendo isso possível, pagarem ao autor uma indemnização equivalente ao valor que este estabelecimento teria à data da reintegração natural ou pelo menos a que existia ao tempo em que foi determinado o dito encerramento, a relegar para posterior liquidação, acrescida dos valores relativos aos lucros cessantes daquele estabelecimento; 6) pagarem ao autor, a título de indemnização provisória, o valor de € 24.180,00 que seria devido se os réus tivessem formalizado a denúncia e que permitiria ao autor sustentar o seu agregado familiar, valor esse a ser abatido na indemnização final a descontar aos réus; 7) pagarem ao autor a quantia de € 7.000,00 por danos não patrimoniais.
Alegou, em síntese, que os réus estão a edificar obra nova, ainda que sob a veste de remodelação, no prédio onde se situa o rés-do-chão de que é arrendatário e no qual está instalado o estabelecimento supra referido, prédio esse que passará para o regime de propriedade horizontal, com habitação e comércio, resultando do primeiro licenciamento, aprovado pela Câmara Municipal de Barcelos, que o locado seria transformado em três fracções autónomas, mas em projecto juntaram-se duas lojas numa, o que significará redução ou manutenção da área do locado e a criação de mais uma loja, fechando uma porta de acesso às traseira actualmente existente, sendo que o autor veio a ser impedido de entrar no locado, o que motivou o embargo de obra nova por si deduzido, tudo isto lhe causando danos patrimoniais e não patrimoniais.
Os réus contestaram, contrapondo que a sua vontade foi sempre a de realizar as obras necessárias à recuperação do seu prédio, obras essas que o próprio autor reclamou, tendo para esse efeito apresentado projecto na Câmara Municipal de Barcelos, que foi aprovado, e contrataram um empreiteiro para proceder à reconstrução do imóvel. Tem sido o autor quem tem impedido a execução das obras, pois não sai do arrendado, tendo inclusive intentado um procedimento cautelar no Tribunal Administrativo, sendo que os réus sempre reconheceram ao autor o seu direito ao arrendamento e o direito de reocupar o espaço após a conclusão das obras.
Mais alegam que desde 2002 se disponibilizaram a realojar provisoriamente o autor num espaço comercial que não dista do arrendado mais do que cinquenta metros, sendo que as despesas de transferência do estabelecimento do autor ficariam a cargo dos réus, acrescendo que o autor sabia que as obras iriam durar o período máximo de 18 meses.
O autor replicou, negando que o senhorio tenha feito uma comunicação escrita indicando a intenção de proceder a obras no arrendado, o local e condições de realojamento, a data de inicio e de duração das obras, limitando-se a avançar para as obras e requerendo à Câmara que encerrasse o estabelecimento.
Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar, com subsequente selecção da matéria de facto assente e organização da base instrutória.
As partes juntaram, a fls. 264, uma transacção efectuada perante a comissão arbitral Municipal de Barcelos, requerendo a sua homologação nos presentes autos. Nos termos dessa transacção, o autor reduziu o pedido de indemnização por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais até à data sofridos pela suspensão do arrendamento e pela não ocupação do locado desde a primeira intervenção camarária ao montante de € 45.000.00, nada mais tendo a receber um do outro. Mais acordaram, autor (arrendatário) e réu (senhorio), em resolver o contrato de arrendamento.
A mencionada transacção foi homologada por sentença de fls. 271, tendo transitado em julgado em relação ao réu marido.
A ré, notificada nos termos do art. 301º, nº 3 do CPC, veio declarar que não ratificava o acto praticado pelo mandatário sem os necessários poderes conferidos por mandato judicial, pelo que os autos prosseguiram contra a ré com vista a apurar se a mesma devia ou não ser condenada na indemnização peticionada pelo autor.
Concluída a instrução os autos seguiram para julgamento, sendo a matéria de facto decidida nos termos do despacho de fls. 589 a 593, sem reclamações.
Por fim, foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 45.000,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da não fruição do arrendado desde o encerramento do estabelecimento comercial do autor até à data da resolução do contrato.
Inconformada, apelou a ré para este Tribunal da Relação de Guimarães, tendo encerrado a respectiva alegação com as seguintes conclusões (transcrição): «1. A sentença recorrida definiu erroneamente como objecto “apurar se é devido pela ré qualquer tipo de indemnização e, em caso afirmativo, determinar o seu montante.” 2. Tal acontece porque o tribunal a quo, com base nos despachos e sentenças que são objecto também do presente recurso, decidiu considerar a transacção efectuada perante a comissão arbitral da CMB como produzindo efeitos apenas em relação ao réu marido, prosseguindo os presentes autos em relação à ré mulher.
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A transacção arbitral alcançada entre o recorrente e o recorrido não foi ratificada pela recorrente.
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A existir qualquer transacção nos autos ela deveria ter sido subscrita por ambos os réus e não poderá produzir efeitos apenas em relação a um deles.
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O preâmbulo do DL 161/2006 de 8 de Agosto esclarece, caso dúvidas houvesse, que “(...) Assim as CAM terão competência para dirimir alguns tipos de conflitos, nomeadamente os relativos a obras e à efectiva utilização do locado. Essa competência não abrange, em caso algum, a possibilidade de determinar a cessação do contrato.” 6. A transacção alcançada perante a Comissão Arbitral Municipal ultrapassa os poderes legais atribuídos a estas Comissões.
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Nunca a cessação do arrendamento e a estipulação da obrigação de indemnização poderia ter sido objecto de transacção perante aquela comissão.
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Sendo, por isso a transacção nula, devendo os autos principais prosseguir relativamente a ambos os réus.
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A sentença homologatória de 26/05/2011 não transitou em julgado em relação ao recorrente marido.
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Tanto que a Ré C… veio expressamente aos autos de processo ordinário comunicar que não ratificou o acto praticado pelo Ilustre Mandatário presente na transacção perante a Comissão Arbitral Municipal.
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A celebração daquele contrato de transacção não pode ser entendido como um acto de administração ordinária para o qual não seria necessário o consentimento da Ré.
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A obrigação de pagamento pecuniário em causa, estando em causa a cessação do arrendamento do locado da qual a Ré é também proprietária, não ratificado por esta, e onerando directamente o património desta, exige o consentimento de ambos como pressuposto essencial da sua validade e eficácia.
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Recorde-se a decisão proferida nos autos de execução apensos (Processo 3490/08.0TBBCL-B) do mesmo 3º Juízo Cível, do mesmo Tribunal – referencia 6530181 de 09/07/2011: “De facto, como o ora exequente reconhece a fls. 264 dos autos principais, quando requereu que fosse notificada a mulher do co-réu, também ré nesses autos, nos termos do artigo 301º/3 do CPC, era necessário a anuência desta para que a sentença se considerasse notificada à mesma e transitasse em julgado. A ré C…, nos autos principais, declarou, porém, expressamente, que “não ratifica o acto do mandatário sem os necessários poderes conferidos por mandato judicial – ver fls. dos autos principais. Ora, tal facto é do conhecimento do ora exequente, atentas as notificações que lhe foram efectuadas no âmbito dos autos principais.
Destarte, carece o exequente de título bastante face à execução comum que deduz contra o executado/co-réu autos principais (que não representa o seu cônjuge), indeferindo-se assim, liminarmente, a presente execução – ver artigo 812º E/1/a) do CPC.” 14. O recorrente transigiu sobre um direito de que não podia dispor sem o consentimento da sua mulher, no sentido em que deverá ser interpretada a norma constante do artigo 1724º al. b) do Código Civil.
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Os termos exarados da transacção arbitral alcançada não se enquadram no âmbito de um acto de administração ordinária de um bem comum do casal, no sentido em que deve ser interpretado o artigo 1678º n.º 3 do Código Civil.
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O recorrente ainda que pudesse sozinho fazer cessar o arrendamento, o que não se concebe, não poderia nunca transigir na acção judicial em que a mulher também é Ré e assumir em nome de ambos a responsabilidade pelo pagamento de uma dívida devida pela cessação do contrato de arrendamento sem o consentimento daquela.
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A transacção arbitral não é, por isso, válida.
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Deveria pois a presente acção...
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