Acórdão nº 490/10.3JABRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução23 de Setembro de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO 1. Nestes autos de processo comum nº 490/10.3JABRG, por acórdão proferido a 27 de Fevereiro de 2013, o tribunal colectivo da Vara Mista de Guimarães condenou, pelo cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21.º, n.º 1 do DL. n.º 15/93, de 22/01, o arguido João F..., na pena de seis anos e seis meses de prisão, o arguido José C... na pena de sete anos e seis meses de prisão, o arguido José S... na pena de cinco anos e seis meses de prisão e o arguido Joaquim F..., na pena de cinco anos de prisão.

  1. Inconformado, o arguido João F...

    interpôs recurso, tendo enunciado as seguintes conclusões (transcrição): 1. O recorrente considera que se encontra incorrecta e erradamente julgada a matéria de facto dada como provada.

  2. No que se refere ao facto dado como provado de que o arguido “…procurava e era procurado por outros traficantes e também por consumidores para lhes vender tais produtos.”, da prova produzida em julgamento e salvo o devido respeito não resulta que o arguido ora recorrente haja procedido à venda ou cedência de produtos estupefaciente a outros consumidores para além do co arguido José C....

  3. Os depoimentos testemunhais produzidos em audiência de julgamento não confirmaram outras transações de produto estupefacientes perpetradas pelo ora recorrente para além das confessadas pelo próprio aquando do seu depoimento.

  4. A convicção dos agentes da PJ que acabou por influenciar a decisão proferida no douto Acordão, fundou-se apenas nas poucas conversas havidas pelo arguido nas quais nunca houve qualquer referência a um qualquer produto estupefaciente ou a uma qualquer transação.

  5. Assim, inexistindo nos autos outros elementos probatórios para além das transcrições das interceções telefónicas constantes dos autos e ainda assim inócuas no que a tráfico de estupefacientes se refere, resulta e com o devido respeito, que o douto Acórdão enferma de insuficiente matéria factual para poder concluir pela venda de produtos estupefacientes por parte do arguido a vários consumidores.

  6. Não existe no Acordão recorrido matéria que possa fundamentar tal convicção que, a final, se mostrou relevante para a determinação da medida da pena sendo certo que entre a venda a um consumidor e a venda a vários consumidores existe uma enorme distância no que se refere à determinação da pena a aplicar e nomeadamente na aproximação aos mínimos daquela.

  7. As interceções telefónicas só poderão ser valoradas como meio de prova, caso, nos autos, existam outros elementos (inexistentes no caso sub judice) que permitam suportar e confirmar a veracidade das mesmas não revestindo só por si um grau de credibilidade suficiente que permita a condenação de um arguido.

  8. O douto Tribunal a quo considerou ainda provado e, salvo o devido respeito, erroneamente que “desde data não concretamente apurada do ano de 2011 até 17 de Fevereiro de 2012 data em que foi detido à ordem dos presentes autos, dedicou-se compra e venda de heroína e cocaína.” 9. Ouvida a prova produzida em audiência de julgamento não se entende de que forma o Tribunal a quo fundamenta tal convicção porquanto, e mais uma vez, são os próprios agentes investigadores que confirmam que só após 28 de janeiro de 2012 e até 17 de fevereiro de 2012 o arguido João F... foi intercetado telefonicamente, 10. sendo que só a partir daquela data foi conotado, nos presentes autos, com o tráfico de estupefaciente.

  9. Também nesta matéria não existem quaisquer factos que possam fundamentar a venda de estupefacientes por parte do recorrente num período para além do que medeia as datas de 28 de janeiro e 17 de Fevereiro.

  10. A este propósito ainda as declarações do agente da PJ Mário V... na sessão do dia 19 de Dezembro de 2012.

  11. E não pode ser a circunstância de no relatório social do recorrente elaborado pelo Instituto de Reinserção Social constar que o mesmo reiniciou o consumo de estupefacientes em finais de 2011 a determinar que, por causa desse consumo, o recorrente ter-se-ia dedicado à compra e venda de heroína e cocaína.

  12. Considerou ainda erroneamente o Tribunal a quo que o recorrente “…forneceu quantidades de heroína e cocaína, que variavam entre 5 e 100 gramas, quantidades estas que os adquirentes destinavam também a venda a terceiros consumidores.

  13. Quanto às quantidades transacionadas é mencionado pelos agentes da PJ responsáveis pela investigação que quase diariamente o ora recorrente fornecia ao co-arguido José C... quantidades que variavam entre as 5 e as 20 gr. de cocaína.

  14. A única vez em que das interceções telefónicas aqueles agentes suspeitaram que o recorrente iria fornecer 100gr. de cocaína ao co-arguido José C..., tal fornecimento acabou por não se concretizar. Situação conhecida e declarada pelas mesmas testemunhas.

  15. Veja-se a este propósito as declarações prestadas pelo agente da PJ, José A... quando refere que as quantidades eram habitualmente 20 gr. de cocaína e 20 gr. de heroína.

  16. A única vez em que foram intercetadas conversações telefónicas onde se refere a quantidade de 100 gr. foi confirmado pelas testemunhas que tal transação nunca aconteceu.

  17. Considera o recorrente, com o devido respeito, que nenhuma prova foi produzida em sede de audiência e julgamento que possa sustentar o douto acórdão condenatório, ainda que apenas em parte, existindo no direito penal o principio da presunção da inocência formulado no art. 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, no art. 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no art. 6º, nº 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

  18. Um princípio que exige que contra um arguido em processo penal, seja feito uma prova segura, concludente e inequívoca de que foram praticados os factos descritos na acusação.

  19. Tal não ocorreu de forma manifesta neste processo no que diz respeito a determinados fatos considerados como provados pelo douto Tribunal a quo.

    QUANTO À MEDIDA DA PENA APLICADA 22. No que respeita ao crime de tráfico de estupefacientes, o legislador adotou um esquema de tipificação penal em que leva em conta que a grande maioria dos casos que chegam aos tribunais se apresentam como pouco investigados.

  20. Existe uma «zona cinzenta» em que o juiz fica na dúvida sobre a real dimensão do tráfico em causa e, nesses casos, deverá, tendencialmente, aplicar uma pena cuja medida concreta é coincidente na moldura penal abstracta do crime de tráfico comum e na do crime de tráfico menor gravidade, a qual, conforme se pode verificar pelos artigos 21.º e 25.º, se situa entre os 4 e os 5 anos de prisão.

  21. Do mesmo modo, não aceitou que o tráfico que é realizado pelo agente com a finalidade de obter droga para o seu consumo seja sempre integrado no crime privilegiado do traficante-consumidor, pois que essa finalidade tem de ser “exclusiva”.

  22. A diminuição de ilicitude que o tráfico de menor gravidade pressupõe resulta de uma avaliação global da situação de facto, atenta a qualidade ou a quantidade do produto, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação.

  23. Mas, a avaliação de uma atividade, seja ela qual for, obriga a uma definição prévia de critérios (ou de exemplos-padrão) e, portanto, dir-se-á que o agente do crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, deverá estar nas circunstâncias seguidamente enunciadas, tendencialmente cumulativas: - A atividade de tráfico é exercida por contacto direto do agente com quem consome (venda, cedência, etc.), isto é, sem recurso a intermediários ou a indivíduos contratados, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico, internet); - Há que atentar nas quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores, se são adequadas ao consumo individual dos mesmos, sem adicionar todas as substâncias vendidas em determinado período, e verificar ainda se a quantidade que ele detinha num determinado momento é compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto; - O período de duração da atividade pode prolongar-se até a um período de tempo tal que não se possa considerar o agente como “abastecedor”, a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo tratando-se de indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, caso em que aquele período poderá ser mais dilatado; - As operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas.

    - Os meios de transporte empregues na dita atividade são os que o agente usa na vida diária para outros fins lícitos; - Os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados, essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes; - A atividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita; 27. Ora e no que se refere em concreto ao tráfico de estupefacientes perpetrado pelo recorrente é manifesta a verificação de tais requisitos cumulativos.

  24. Sob pena de comprometer o embasamento das diligências adoptadas e seus resultados, cumpre afirmar que, não se questionando a verosimilhança das ilações retiradas de uma apreciação crítica das provas, tem-se como inadequada, face aos factos apurados, a medida da pena concretamente aplicada de 6 anos e 6 meses de prisão.

  25. Afigura-se-nos que os elementos recolhidos no decurso das diligências adotadas, a análise e ponderação da matéria probatória carreada e a interpretação conjugada dos elementos disponíveis nos autos não habilitam a que a sanção privativa de liberdade com que o recorrente foi cominado seja de 6 anos e 6 meses.

  26. Após a determinação da moldura abstrata da pena é necessário proceder à determinação da medida concreta da pena, à sua quantificação e por fim a escolha da pena.

  27. O art. 71º, nº 1 do...

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