Acórdão nº 2939/15.0T8VCT-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução21 de Abril de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO O autor Banco B., SA, intentou, no Tribunal de Viana do Castelo, acção declarativa comum contra o réu Município de….

Pediu a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 535.814,57 (e juros vincendos).

Invocou como causa de pedir: incumprimento pelo réu, apesar de para tal interpelado, da obrigação de pagar o preço da venda/prestação de serviços efectuados pela sociedade “C., Ldª”, titulados por facturas discriminadas e juntas, e que esta, como titular, entre outros, de tais créditos, por contrato de factoring, celebrado com o autor em 2006, lhe cedeu, neles ficando este sub-rogado, cessão que foi notificada.

O réu contestou, arguindo a excepção dilatória de incompetência absoluta, alegando que tais créditos emergem de um contrato de empreitada celebrado por si com a cedente e que foi sujeito a procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público. Configurando a exigência de pagamento uma questão relativa à execução (no caso, inexecução) de tal contrato, são competentes, em razão da matéria, para julgar a causa, nos termos do artº 4º, alíneas e) e f), do ETAF, os tribunais da jurisdição administrativa e não os da comum. Invocou, ainda, excepção peremptória de pagamento, alegando que pagou as facturas à própria empreiteira cedente.

Pediu, por isso, a absolvição da instância.

O autor replicou, alegando que a causa de pedir assenta na cessão de créditos (e na declaração adicional subscrita pelo município réu) e não no contrato de empreitada (no qual não teve qualquer participação), não estando este aqui em causa mas tão só o pagamento dos créditos (do empreiteiro sobre o dono da obra), daí resultando uma autonomização de tal causa de pedir, pois não se discute a validade, interpretação ou execução do contrato de empreitada mas apenas o contrato de factoring (tipicamente privado), estando em causa a cobrança de quantias devidas ao autor e não a origem dos créditos nem as diversas relações jurídicas subjacentes em relação às quais não há qualquer litígio. Não está nesta acção em causa qualquer relação jurídico-administrativa entre as partes respectivas.

Em audiência prévia realizada em 11-01-2016 foi proferido despacho saneador que, relativamente à questão da incompetência absoluta, ponderou e decidiu assim: “Nos termos do art.º 65º do NCPC, “As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada”.

Em conformidade, dispõe o art.º 40º, nº 2, da LOSJ – que “o presente diploma determina a competência em razão da matéria entre os tribunais judiciais de primeira instância, …”.

A competência dos tribunais administrativos e fiscais está regulada nos art.ºs 114º a 148º desta lei, sendo que a estes compete o julgamento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.

No caso em apreço, e ao contrário do defendido pelo réu, o autor não baseia a sua causa de pedir no contrato de empreitada de obra pública do qual resultaram as aludidas facturas, mas tão só no contrato de factoring celebrado com a sociedade Aurélio Martins Sobreiro & Filhos, SA, mediante o qual lhe foram cedidos os créditos reclamados.

Deste modo, e na esteira da jurisprudência invocado pelo autor na sua resposta, à qual aderimos, julgamos ser manifesta a improcedência da excepção invocada.

Pelo exposto, e sem necessidade de outras considerações, julgo improcedente a alegada excepção de incompetência absoluta.” O réu não se conformou e interpôs recurso para esta Relação, concluindo assim as suas alegações: “ 1. Vem o presente recurso interposto da decisão de 11/01/2016 expressa na acta de audiência prévia, que declarou improcedente a excepção de incompetência absoluta suscitada pelo R. na contestação.

  1. Por via da presente acção veio o A. peticionar ao R. os créditos que lhe foram cedidos pela C.. (doravante designado sob a abreviatura de AM) através do contrato de factoring celebrado em 19/03/2006.

  2. Peticionados os créditos no âmbito de um contrato de factoring, pode o R. invocar todos os meios de oposição que lhe seria lícito invocar contra o cedente/aderente.

  3. Os créditos exigidos são decorrentes de um contrato de empreitada celebrado entre a AM e o ora Réu (cf. Documento 2 junto com a petição inicial) e, como tal, créditos que emergem de contratos de direito público celebrados entre o R., Município de…, e o prestador de bens ou serviços (AM) - assim, a exigência do pagamento do preço emergente de tais contratos configura-se como uma questão relativa à execução (inexecução) do contrato.

  4. De acordo com o artigo 4.º, als. e) e f) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais é o Tribunal Administrativo o Tribunal competente para conhecer da presente acção e não o Tribunal da Jurisdição Comum – cf. Jurisprudência do Tribunal de Conflitos de que são exemplos os Acórdãos datado de 18/06/2014, proferido no processo 03/14, em que foi Relator Oliveira Mendes e datado de 26/06/2014, proferido no processo 06/14, em que foi Relator São Pedro, cujos sumários se transcreveram nas presentes alegações.

  5. Esta excepção de incompetência absoluta determina a absolvição da instância do Réu Município – cf. artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, n.º 1, al. a) do CPC.

  6. Ao não ter assim decidido violou o despacho recorrido o artigo 4.º, als. e) e f) do ETAF, artigos 64.º, 576.º, n.º 2 e 577.º, n.º 1, al. a) do CPC e artigo 40.º, n.º 2 da LOSJ.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso e revogar-se a decisão recorrida substituindo-se a mesma por outra que declara que o Tribunal da Comarca de Viana do Castelo é materialmente incompetente para conhecer da presente acção, cabendo tal competência ao Tribunal Administrativo.” Não há contra-alegações.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.

Corridos agora os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

  1. QUESTÕES A RESOLVER Como é entendimento pacífico e generalizado na Doutrina e na Jurisprudência, o thema decidendum, à luz das pertinentes normas adjectivas, é balizado pelas conclusões do apelante (sem embargo dos poderes oficiosos do tribunal).

    Decantadas estas, resulta que a única questão a decidir cinge-se à determinação do foro competente para conhecer desta acção: o administrativo, como entende o apelante, ou o comum, como julgou o tribunal a quo? III. FUNDAMENTAÇÃO Relevam os factos atrás, em síntese, relatados, mormente os relativos ao articulado inicial, cuja cópia está junta e para a qual se remete, sendo que outros não foram alegados, nem constam da decisão recorrida nem vêm documentados no processo de recurso.

  2. APRECIAÇÃO/SUBSUNÇÃO JURÍDICA Em matéria de tribunais – enquanto órgãos de soberania – e sua organização fundamental, a Constituição da República Portuguesa (CRP) prevê, entre outras categorias, a dos tribunais judiciais e a dos tribunais administrativos e fiscais – artº 209º, nº 1, alíneas a) e b).

    Estabelece o n.º 3, do seu art.º 212.º, que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

    E, por sua vez, o nº 1, do artº 211º, que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal que exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” – princípio da competência jurisdicional residual.

    Tal como antes no artº 18º, nº 1, da Lei 3/99, de 13 de Janeiro – Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais –, depois no artº 26º, nº 1, da sucedânea Lei 52/2008, de 28 de Agosto, e, actualmente, no artº 40º, nº 1, da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto – Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) –, este princípio encontra-se também vertido no artº 64º, do actual Código de Processo Civil (CPC)...

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