Acórdão nº 41/14.0Y3BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelALDA MARTINS
Data da Resolução30 de Novembro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães
  1. Relatório B., patrocinada pelo Ministério Público, intentou acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra COMPANHIA DE SEGUROS C., S.A., pedindo a sua condenação a pagar-lhe: a. A pensão anual e vitalícia devida pela incapacidade permanente parcial para o trabalho que venha a ser atribuída pelos senhores peritos médicos; b. A quantia de € 1.982,86 (mil novecentos e oitenta e dois euros e oitenta e seis cêntimos), a título de indemnização pelos períodos em que esteve com incapacidade temporária absoluta e parcial para o trabalho; c. A quantia de € 15,00 (quinze euros) que despendeu em deslocações obrigatórias no âmbito dos presentes autos; d. Os juros de mora sobre estas quantias, a calcular à taxa legal supletiva.

    O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. deduziu contra a R. pedido de reembolso da quantia € 1.157,85 (mil cento e cinquenta e sete euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a notificação do pedido de reembolso até integral pagamento.

    Tendo os autos prosseguido, foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, decido julgar a presente acção integralmente procedente e, em consequência: 1. Condeno a ré a pagar à autora a pensão anual e vitalícia de € 57,12 (cinquenta euros e doze cêntimos), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o dia seguinte ao da alta até integral pagamento; 2. Esta quantia é devida desde o dia seguinte ao da alta e obrigatoriamente remida no correspondente capital de remição; 3. Condeno a ré à autora as quantias € 1.982,86 (mil novecentos e oitenta e dois euros e oitenta e seis cêntimos) e de € 15,00 (quinze), acrescidas de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a data da tentativa de conciliação até integral pagamento e podendo estas quantias serem pagas juntamente com a entrega do capital de remição; 4. Condeno a ré a reembolsar ao Instituto da Segurança Social, Ip. a quantia de € 1.157,85 (mil cento e cinquenta e sete euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a notificação do pedido de reembolso até integral pagamento e sendo esta quantia descontada na indemnização pelo período em que a autora esteve com incapacidade temporária absoluta e parcial para o trabalho.

    Nos termos do art. 120º nº1 do Cód. de Processo do Trabalho, fixo à causa o valor de € 3.799,11 (três mil setecentos e noventa e nove euros e onze cêntimos).

    Custas a cargo da ré.» A R., inconformada, interpôs recurso da sentença e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões: «I- Na vigência do DL 143/99, estabelecia-se na alínea a) do n.º 2 do seu artigo 6º que o percurso protegido se situava entre “a porta de acesso […] para a via pública, até às instalações que constituem o seu local de trabalho”.

    II- Já a alínea a) do n.º 1 do artigo 9º da Lei 98/2009 estabelece que “Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido: a) No trajecto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, nos termos referidos no número seguinte”, dispondo o n.º 2 alínea b) do mesmo diploma que “ a alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajectos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador: … b) Entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho”.

    III- Apesar da norma prevista no DL 143/99 não ter sido textualmente reproduzida na Lei 98/2009, daí não se pode retirar a conclusão de que o legislador tenha pretendido alterar a regra dela decorrente; IV- Bem pelo contrário, a omissão de reprodução da norma decorre da sua absoluta desnecessidade, por ser evidente ser esse o sentido da regra prevista na actual LAT V- Não constitui parte do “trajecto” o seu ponto de partida ou de chegada; VI- A única interpretação consentida pelo do texto da norma do artigo 9º n.º 1 alínea a) e nº 2 alínea b) da LAT é a de que é “trajecto” o espaço que medeia entre a residência e o local de trabalho, ou seja, entre esses dois pontos (sem os incluir) e não o próprio ponto de partida ou de chegada.

    VII- De resto, não sofre disputa que deixamos de estar perante um acidente in itinere, mas antes face a um acidente no local de trabalho, quando o trabalhador ingressa nas instalações que constituem o seu local de trabalho VIII- Consequentemente, concluímos que nem o destino final (local de trabalho), nem o ponto de partida (residência), fazem parte do trajecto protegido, merecendo os acidentes ocorridos no primeiro a garantia decorrente da norma do artigo 8º n.º 1 (o que se impõe), mas excluindo-se da garantia os ocorridos no segundo (por se tratar de um acidente doméstico).

    IX- Assente que não deve ser incluído no trajecto protegido o seu ponto de início ou fim, torna-se necessário, no caso, determinar o que se deve considerar como “residência”.

    X- O conceito de residência está intimamente ligado ao de domicílio, que está constitucionalmente protegido no artigo 34º da CRP.

    XI- A residência – que não pode ser confundida com casa de habitação, nem, muito menos, com espaço coberto - deve ser entendida como todo o espaço destinado a propiciar ao ser humano a satisfação das necessidades de descanso e conforto, incluindo não só a própria moradia, como também todas as estruturas ou espaços adjacentes, como são os quintais, garagens ou anexos.

    XII- Como tal, deve ser entendido como residência todo o espaço privativo que a compõe (incluindo logradouros ou quintais), o qual termina no exacto local onde se inicia o espaço público.

    XIII- E será a partir desse ponto em que o trabalhador sai dessa “redoma” de protecção, isto é, só depois de se ausentar do espaço privativo da sua residência e aceder à via pública, poderá estar protegido, caso se desloque para o seu posto de trabalho, em caso de acidente.

    XIV- A responsabilidade do empregador relativamente aos acidentes de trabalho sofridos pelos seus trabalhadores não assenta tanto no chamado «risco profissional», mas sim no «risco económico ou de autoridade», isto é, na inclusão do trabalhador na estrutura da empresa, sujeitando-o à autoridade do empregador.

    XV- No caso, através do acidente in itinere está em causa uma extensão do risco dessa autoridade, na medida em que a responsabilidade civil objectiva emergente de acidentes de trabalho é alargada aos acidentes de trajecto.

    XVI- A responsabilidade objectiva decorrente dos acidentes de trabalho é, já de si, um regime excepcional (cfr. artigo 483.º, n.º 2 do Código Civil), e os acidentes in itinere, também por via da excepção, alargam o campo de aplicação dessa responsabilidade.

    XVII- Para se considerar a existência de um acidente in itinere, é indispensável que o trabalhador esteja, ou possa estar, sob o risco da autoridade do empregador: se o trabalhador pode dispor livremente da sua autonomia (por exemplo, se se encontra na sua residência), não existe qualquer “risco de autoridade” e, portanto, não se pode considerar a existência de um acidente de trabalho.

    XVIII- Os eventuais espaços integrados na residência do sinistrado, como sejam jardins, logradouros, caminhos, etc., são privados, o que significa que se trata de espaço na disponibilidade do trabalhador ou do proprietário do imóvel, que ele pode percorrer (e até gerir) como melhor entender.

    XIX- No caso dos autos a A poderia controlar os riscos existentes no local onde ocorreu o acidente, na medida em que era a sua residência, mas a sua entidade patronal não poderia de forma alguma impedi-los, sob pena de violação do direito de propriedade e de reserva da vida privada do seu trabalhador.

    XX- E isto significa, por exemplo, que o trabalhador poderia, legitimamente, suscitar maiores ou menores riscos no interior da sua propriedade, aceitando sujeitar-se aos mesmos, sem que a sua entidade patronal os pudesse evitar, fosse de que forma fosse.

    XXI- Já no que toca ao trajecto trilhado na via pública, a entidade patronal pode tomar medidas tendentes a diminuir (ou controlar) os riscos a que se sujeita o trabalhador, dotando-o, por exemplo, de um veículo de uso profissional que lhe garanta maior segurança, ou assegurando ela própria o transporte dos trabalhadores em condições que repute seguras.

    XXII- Ora, assim sendo, enquanto estiver dentro dos limites de uma propriedade privada que constitua a sua residência, só o trabalhador domina o risco e, como tal, não está sujeito ao risco de autoridade da sua entidade patronal, a qual não tem o domínio desse risco, nem pode evitá-lo, por se tratar de espaço de reserva do trabalhador.

    XXIII- O fundamento da responsabilidade...

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