Acórdão nº 1747/12.4TJVNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução03 de Novembro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO A autora B. intentou, em 21-05-2012, no Tribunal de VN de Famalicão, acção declarativa, ordinária, que chamou de impugnação de deliberação social, contra a ré C., Lda.

Pedido: sejam as deliberações sociais aprovadas na sessão ordinária de assembleia geral da ré, de 19-04-2012, declaradas nulas ou, se assim não se entender, anuladas.

Fundamentos: (em síntese) é co-titular, com seu irmão D. (por legado de seu pai), em comum e em partes iguais, de duas quotas no capital social da ré. Na assembleia geral ordinária de 19-04-2012 (cuja ordem de trabalhos era deliberar sobre o relatório e contas de 2011 e a proposta de aplicação de resultados desse exercício), para que foi irregularmente convocada (a carta foi, em abuso de direito e segundo estratégia ardilosa arquitectada pelos detentores da maioria do capital – sua tia e o irmão – para a alhear dos negócios sociais, dirigida a domicílio que não fora, e a ré sabia não ser, o da autora e estava encerrado e só foi entregue a um vizinho no dia 12-04-2019 – artºs 56º, nº 1, alínea a), e 2, e 248º, nº 3, do CSC), foram tomadas deliberações inválidas, por atentatórias de normas (algumas imperativas) e princípios societários (do resultado líquido de 89.340,81€ foi deliberado constituir reservas legais em 4.467,04€ e reservas livres em 84.873,76€, ficando na caixa social lucros sem necessidade, quando devia ser aprovada a sua distribuição pelos sócios, como decorre do artº 217º, CSC, dada a boa situação financeira da ré, prevalecendo mancomunada e abusivamente a vontade da maioria, em proveito próprio, visando manter o domínio e privilégios que usufruem e ostentam a partir dos cargos que exercem, com prejuízo intencional da autora, para a subjugarem, e da sociedade, de cujo escopo e finalidades não curam mas apenas dos interesses próprios, tendo a autora sido, contra o habitual, impedida de apresentar propostas e declarações de voto e de fazer expressar em acta a sua posição, para obstar a que questionasse a conduta dos demais titulares do capital, mormente a utilização em benefício próprio dos meios financeiros da sociedade). A acta é falsa (não relata o que a autora então comunicou).

Contestação: a ré, excepcionou a ilegitimidade activa da autora, com fundamento em não ter sido esta acção proposta por representante comum como exigem os artºs 222º e 223º, CSC, mesmo para intentar esta acção (que consubstancia um direito inerente às quotas) e pediu a sua absolvição da instância.

Réplica: a autora, por si e com amparo em arestos que cita, defende que o co-titular de quota, mesmo não havendo representante comum, pode, exercendo o direito de acção, pedir a invalidade de deliberações sociais. À cautela, requereu a intervenção principal provocada do referido irmão.

À admissão deste incidente opôs-se a ré. Foi, porém, admitido, nos termos que constam de fls. 104 e ordenada a citação do chamado.

Eis o seu teor: “Atentos os fundamentos explicitados na réplica de fls. 82 e sgs., que por brevidade e economia processual aqui damos por reproduzidos, admito o incidente de intervenção principal provocada de D., identificado a fls. 89. Custas do incidente a cargo da Ré. Notifique. Proceda à citação do chamado, através de carta registada com A/R, para, no prazo de 30 dias, oferecerem o seu articulado ou declararem que fazem seus os articulados da A., remetendo-se-lhes cópia dos articulados já oferecidos (cfr. artº 327º, 235º, 236º e 486º do Cód. Processo Civil).” Não consta que este tivesse deduzido articulado mas consta que constituiu advogado nos autos.

No saneador (05-12-2013), proferido em audiência prévia (fls. 110), além de se verificar a validade do processos e demais pressupostos, afirmou-se expressamente que “as partes têm legitimidade «ad causam»” (fls. 111) mas acrescentou-se, a seguir, que, por “correr termos um processo em que se impugna o testamento através do qual a autora terá ficado na titularidade e posse das participações sociais em causa”, “matéria controvertida” em que assenta a “excepção invocada da legitimidade activa”, relega-se “o seu conhecimento para sede de sentença”. Perante “reclamação” a tal decisão, reafirmou-se, em despacho proferido no acto (fls. 118), aquela determinação, mas acrescentou-se que não existe dúvida que a autora tem legitimidade “ad causam”, reiterando que a legitimidade “ad substantiam” será conhecida na sentença.

Eis o teor de tal decisão: “Quanto à invocada ilegitimidade ativa da autora mantém-se o despacho proferido acrescentando-se que quanto a nós não existe dúvida que a autora possui legitimidade «ad causam» para a presente acção já que tem o interesse direto em demandar, advindo-lhe uma inequívoca utilidade derivada da procedência da acção, tendo em atenção toda a factualidade por si alegada e que configura a sua versão da relação controvertida.

A seguirmos o entendimento da ré e do chamado, nomeadamente a sufragar os pressupostos de que dependeria tal legitimidade, poderíamos na prática e em determinados casos concretos sempre que houvesse conluio entre um contitular de participações sociais e um representante, qualquer interessado como aqui autora poderia sempre ver coartado o exercício de um seu direito fundamental.

Quanto à legitimidade «ad substantiam» e como já foi referido, pendendo no 1º Juizo Cível deste Tribunal uma acção que visa «atacar» o testamento que terá conferido titularidade e a posse das participações socais à aqui autora, continua o Tribunal a não poder atender desde já essa questão relegando o seu conhecimento para sede de sentença.” Fixou-se ali, ainda, o valor da causa, definiu-se o objecto do litígio, enunciaram-se os temas da prova e apreciaram-se os meios oferecidos para tal, tendo sido deferida perícia, ficando, então, os autos a aguardar prazo para indicação do objecto.

Naquela diligência, o chamado esteve representado pelo seu mandatário, que participou activamente no acto (fls. 110 e 115).

Entretanto, após mais alguns requerimentos e junção de cópias de decisões de outros processos(1), com data de 05-05-2015, foi exarada(2) nos autos (fls. 153 a 156, do processo físico), após proclamação de que “O estado dos autos permite conhecer, desde já, da excepção da ilegitimidade activa do Autora (art. 576.º e 577.º, al. e), do Cód. de Proc. Civil), que, a verificar-se, importará a absolvição da Ré da instância”, a seguinte decisão: “Em face do supra exposto, decido: a) Julgar inadmissível o incidente de intervenção principal provocada deduzido pela Autora com vista à intervenção do contitular das quotas; b) Julgar verificada a excepção dilatória da ilegitimidade activa da Autora e, em consequência, absolvo a Ré “C., Ldª.” A autora não se conformou e interpôs recurso, sugerindo o efeito suspensivo, para esta Relação (fls. 234 a 244), alegando e concluindo: “1 - A quota social de que a recorrente, aquando da interposição da presente acção, era contitular foi objecto de um legado (vd. nºs 1 a 4 da p.i.), tendo sido registada a favor da recorrente e do outro contitular no correspondente registo comercial.

2 - Afastam-se, ab initio, todas aquelas situações em que a representação de uma quota social integrante de uma herança cabe ao cabeça-de-casal, face à circunstância de a administração do cabeça-de-casal não abranger legados.

3 - O que está em causa é saber se a recorrente, como contitular de quota social e também para defesa de direitos e interesses individuais, pode suscitar judicialmente a declaração de nulidade de uma deliberação social que viola disposições imperativas.

4 - A douta e vasta jurisprudência supra-citada afirma a legitimidade activa inquestionável de um contitular de uma quota social para impugnar uma deliberação social e para requerer a sua declaração de nulidade.

5 - As deliberações ora impugnadas são, além do mais, nulas, sendo a nulidade invocável a todo o tempo e por qualquer interessado, conforme se pode comprovar (a propósito da invocada nulidade) no Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/1/1993, Processo 79-811, in www.colectaneadejurisprudencia.com, que afirma a nulidade de uma deliberação social e a qualifica como abuso de direito (do conhecimento oficioso do tribunal) a (deliberação) que aprova a não distribuição de lucros, como é o caso dos autos.

6 - A recorrente invoca, nos autos, a nulidade da deliberação impugnada, nulidade que, mesmo considerando as normas dos artigos 56º a 62º do Código das Sociedades Comerciais, “é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal” (art.286º do Código Civil) - neste sentido vd. Pinto Furtado, Deliberações, Almedina, 2005, página 758 7 - O que está em causa nos autos é saber se pode ser aprovada uma deliberação social, que viola lei expressa e imperativa (o art. 217 CSC) - existente até para defesa das minorias (que, de outra forma, estariam sempre à mercê do arbítrio e do abuso de poder das maiorias) e cuja nulidade, a seguir o entendimento da douta sentença recorrida, não pode ser suscitada por quem tem um claro e manifesto interesse também de natureza individual (in casu, a recorrente, que é contitular de participações sociais correspondentes, na sua totalidade a metade do capital social) e por quem é inequivocamente afectada por tal deliberação (pois vê vedado o acesso aos lucros do exercício que ficam, assim, nas mãos dos gerentes que são os demais titulares de participações sociais na R.).

8 - A violação do art. 217 CSC pela deliberação (nula) impugnada nos autos consubstancia incumprimento de uma obrigação que impende sobre qualquer sociedade comercial e que é a distribuição de, pelo menos, metade dos lucros do exercício.

9 - A regra geral plasmada no art. 294, nº1, CSC e que consagra o direito dos sócios à partilha anual de metade dos lucros distribuíveis só pode ser afastado por deliberação da assembleia geral aprovada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital...

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