Acórdão nº 4802/15.5T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Novembro de 2016
Magistrado Responsável | ISABEL SILVA |
Data da Resolução | 17 de Novembro de 2016 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - HISTÓRICO DO PROCESSO 1. B… e C… LDA.” intentaram ação contra D…, e mulher, E…, bem como contra F…, SA, peticionando que seja declarado e reconhecido:
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Que Autor B… não emitiu qualquer tipo de Procuração ou mandato, conferindo poderes aos D… e E…, para vender extrajudicialmente a quota, dada em penhor, em caso de incumprimento das obrigações assumidas.
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Que o Penhor constituído garantia outras obrigações, como o pagamento do preço e outras constantes do “Acordo Paralelo a Cessão de Quota” outorgado a 06 de Fevereiro de 2014.
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Que a C… nunca consentiu nem reconheceu a transmissão/cessão da quota em litígio, através da venda, que os Réus Paulo e Mulher efetuaram à F….
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Que tal venda é ineficaz perante a C…, e) Que a venda da Quota constitui um Pacto Comissório e como tal é NULA.
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Que a venda de Quota não passou de uma “adjudicação” por “interposta pessoa”, dado que a F…é por eles detida maioritariamente.
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Que os RéusD… e E… mais não fizeram que uma “venda de quota / adjudicação” a si mesmos, pelo que é NULA; que, enquanto sócios maioritários da F…dela se serviram, para obter fins ilegítimos e contornar disposições legais imperativas, o que consubstancia uma Nulidade; que, com a venda quota, atuaram com ABUSO DE DIREITO e violaram a lei imperativa prevista no artigo 762.º nº 2 do C.Civil.
Subsidiariamente: j) Que o ato de “Venda de Quota” permite o levantamento da personalidade jurídica da F…, SA, já que se destinou a contornar o disposto nos artigos 675º, 2 e 694º, ambos do Código Civil, o que constitui um verdadeiro atentado a terceiro.
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Que todos os Réus atuaram com ABUSO DE DIREITO, com violação do princípio da boa-fé II – Deve ser, em qualquer caso, ordenado o cancelamento do registo efetuado na Conservatória do Registo Comercial relativo à C…, TRANSMISSÃO DE QUOTA.
Alegaram os Autores que, tendo o Réu Paulo outorgado uma cessão e penhor de quota a favor ao Autor B…, este se comprometeu a regularizar uma dívida ao Instituto de Turismo de Portugal (ITP), decorrente de concessão de incentivos financeiros e, em garantia do bom cumprimento das suas obrigações, constituiu penhor a favor dos Réus ; a regularização da dívida permitiria a extinção de um penhor sobre a conta bancária do Réu D… e mulher; o Autor B… não emitiu qualquer procuração ou mandato aos Réus para venda da quota dada em penhor.
A C… encontrava-se em “colapso financeiro”, o que era do conhecimento do Réu D…; em 2014 instaurou processo especial de revitalização, mas não foi possível o plano de viabilização e a sociedade veio a ser declarada insolvente, com homologação judicial do plano de insolvência apresentado, do qual resultaria que a C… deixava de ter situação de incumprimento perante o ITP, permitindo o levantamento da garantia bancária e a extinção do penhor sobre a conta bancária dos Réus.
Decorrente das negociações e do estado financeiro da C…, os Réus criaram no Autor a convicção de que estes nunca executariam a garantia que aquele lhes prestou.
O Réu D… pretendeu executar a garantia de penhor, as partes negociaram e celebraram um “acordo paralelo à cessão da quota” mediante o qual, em caso de incumprimento, o Autor B… revenderia a quota ao Réu D… pelo mesmo preço e condições iniciais.
O Réu D… vendeu a quota àF…, sem nada participar aos Autores; o Réu D… era sócio fundador da F… e, após a sua transformação em sociedade anónima, o casal de Réus continuaram seus sócios maioritários.
Os Réus contestaram, impugnando parcialmente a factualidade alegada.
Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação procedente, declarou a nulidade da venda da quota feita pelos RR. D… e E…, declarando-se poderem os AA. requerer o cancelamento do registo efetuado na Conservatória do Registo Comercial relativo à sociedade C… da transmissão da quota.
2. Inconformados, apelam todos os Réus para este Tribunal da Relação.
CONCLUSÕES RECURSO DOS RÉUS D… e E… «1) Por escritura publica celebrada no passado dia 6 de fevereiro de 2014, a fis. 103 a 106 verso dos autos, o Autor/Recorrido Vítor Hugo Silva e os ora Recorrentes E…e D… convencionaram que para garantia do cumprimento de uma obrigação - extinção de penhor de conta bancária - no valor de € 665.000,00 aquele constituía a favor destes penhor sobre uma quota correspondente a 50% do capital social da sociedade C…, Lda.,(cfr alíneas q), r), s) t) e u) dos factos provados - fis. 279 e 280 dos autos).
2) ficou ainda convencionado na mesma escritura que decorrido o prazo estipulado — 31/05/2014 - e incumprida a obrigação assumida os Credores Pignoratícios, aqui Recorrentes teriam direito de se pagar, ou de ser indemnizados pelo produto da venda da quota objeto do penhor, ainda que extra judicialmente, (art.° 675 do CC).
3) Decorridos tal prazo e embora instado diversas vezes para o efeito o Recorrido não cumpriu a obrigação assumida, (cfr. alínea oo) dos factos provados, fts.283), 4) Pelo que, em 10/02/2015, em conformidade com a previsão estipulada naquela escritura publica os Recorrentes E… e D… venderam extra judicialmente a quota onerada com o penhor à sociedade F…, S.A., nos termos e condições melhor enunciadas no contrato transcrito a fls.291 a 295 dos autos.
5) Entende, contudo, o Tribunal “a quo” que tal venda enferma de nulidade, sustentando o seguinte (fis. 309 dos autos):” Ora em face do exposto, embora lícita a convenção de venda extrajudicial, concluímos que tendo sido omitida qualquer avaliação, e considerando ainda que a sociedade adquirente é maioritariamente detida pelo R. D…, configurando-se assim uma situação de adjudicação ou de eventual pacto comissório, concluímos que de facto a venda da quota referida em iii é nula por força do disposto no art.° 286° do Código Civil. “(negrito sublinhado nosso).
6) Na parte da sentença dedicada à fundamentação jurídica o Tribunal “a quo” disserta sobre disposições legais e entendimentos doutrinários sem fazer qualquer enquadramento com a decisão sobre a matéria de facto, acabando por concluir pela nulidade da venda nos termos descritos no singelo parágrafo supra descrito.
7) Do teor do qual, algo enigmático, se extrai desde logo e com relevância que o Tribunal tem dúvidas sobre a aplicabilidade do regime jurídico do pacto comissório, por via do qual acaba por decidir pela nulidade.
8) Ou seja, a decisão de nulidade da venda em discussão nestes autos é baseada numa disposição legal - art.° 694° do Código Civil - que o próprio Tribunal “a quo”, na própria sentença, sustenta ser de aplicabilidade apenas eventual! 9) Decorre da certidão de gerência, junta aos autos pelos AA., aqui Recorridos, com a petição inicial, a qual, talvez por lapso dos serviços da secretaria, não consta do processo físico, a sociedade F…, S.A. reveste a natureza jurídica de sociedade anónima desde 04/12/2012, cujo capital social está dividido em 255 000 ações ao portador de valor nominal unitário de € 1,00.
10) Os órgãos sociais são compostos por um Conselho de Administração, cujo Presidente é José…, como vogal Carlos…; e como Fiscal Único a sociedade António…, Lda..
11) A Ré F…, S.A. uma sociedade anónima, e o seu capital social está dividido e disperso por ações (ao portador) como dispõe o art.° 271° do C.S.C., sendo irrelevante quem em concreto é a pessoa (singular ou coletiva) que é titular de ações, pois que, do contrato de sociedade (mesmo na sequencia de transformação de sociedade por quotas), atenta a sua natureza, apenas constará o valor nominal e o número de ações, o capital social e outros elementos constantes do art° 272°.
12) Alheio ao regime jurídico das sociedades comerciais, entende o Tribunal “a quo” que a venda efetuada pelos Recorrentes E… e D… à F…, S.A., cujo contrato se junta a fls. 112 a 114 verso dos autos, configura uma adjudicação.
13) O Código das Sociedade Comerciais veio estabelecer indubitavelmente que todos os tipos de sociedades comerciais regularmente constituídas têm personalidade jurídica.
14) O Art.° 5° do daquele diploma legal diz expressamente que “as sociedades gozam de personalidade jurídica e existem com tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem” — o que significa que representam uma individualidade jurídica diferente da dos associados, que apenas têm obrigações e direitos definidos no art.° 20° e ss.
15) As sociedades mantêm a sua individualidade jurídica apesar da mutação dos sócios ou do património, é sujeita de direitos e obrigações perante terceiros e os próprios acionistas, que apenas são titulares de um direito complexo que se consubstancia na titularidade ou posse das ações. E estas ações não se mantêm, ou não têm que se manter, na posse do seu primitivo titular e detentor, podendo ser livremente transmitidas, no caso de ações ao portador, pela simples entrega, nos termos da lei ou do respectivo pacto, (art.° 326° n.° 1 e 327° do CSC), 16) Atualmente não parece suscitar dúvidas na doutrina ou nos Tribunais Superiores que a consequência fundamental do reconhecimento da personalidade jurídica às sociedades comerciais é a existência de um novo sujeito de direito e obrigações, distinto dos sócios e com património separado do património destes.
17) Para que o Tribunal “a quo” pudesse “contornar” as regras legais imperativas aplicáveis às sociedades comerciais, teria que, em sede de sentença, fazer o necessário trajeto probatório que lhe permitisse fundamentar um eventual levantamento da personalidade jurídica e colectiva da sociedade F…, S.A., invocando os respetivos institutos jurídicos e justificando o preenchimento dos requisitos necessários que lhe subjazem.
18) O Tribunal “a quo” não dispõe dessa prova e, por isso, não fez qualquer referência ao levantamento da personalidade coletiva daquela sociedade ou, como se alude na jurisprudência e doutrina, da desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais, na verificação da qual poderia justificar a invocada adjudicação com base...
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