Acórdão nº 117/13.1TBMLG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelHIGINA CASTELO
Data da Resolução17 de Novembro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO B. e C., casados entre si, intentaram a presente ação declarativa de condenação contra D. e E., casados entre si, e F. e G., casados entre si, pedindo que os réus sejam condenados a: I.A) fazer cessar a utilização do espaço destinado a dança existente no estabelecimento de discoteca e pub que gira no comércio sob o nome “KU”; I.B) ou, subsidiariamente, fazer cessar a utilização do espaço destinado a dança, entre as 22h00 e as 07h00 ou outra que resulte do período de silêncio/repouso estabelecidos nas disposições legais e regulamentares aplicáveis; II.A) absterem-se de produzir ruídos que sejam audíveis a partir do prédio dos autores, designadamente música, vozes altas, gritos, mesas de matrecos e ventilação, provenientes de qualquer uma das componentes do estabelecimento (espaço destinado a dança, café e esplanada); II.B) ou, subsidiariamente, absterem-se de produzir quaisquer ruídos que atinjam o prédio dos autores, designadamente música, vozes altas, gritos, mesas de matraquilhos e ventilação, provenientes de qualquer uma das componentes do estabelecimento (espaço destinado a dança, café e esplanada) e que gerem incomodidade e/ou excedam os valores-limite definidos nas disposições legais e regulamentares aplicáveis; III) pagar sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 829-A do CC, de € 250 por cada infração diária; IV) pagar, solidariamente, a quantia de € 1.476 a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos; V) pagar, solidariamente, a quantia de € 7.500 ao autor marido e € 5.000 à autora mulher, a título de compensação por danos não patrimoniais; VI) pagar, solidariamente, aos autores compensação pelos danos não patrimoniais que se produzam na pendência da ação, a liquidar em incidente de liquidação; VII) tudo com juros de mora vencidos desde a citação até efetivo e integral pagamento, custas de parte e demais encargos.

Os Réus contestaram, pugnando pela improcedência da ação.

O processo seguiu os seus normais trâmites, culminando com julgamento e sentença na qual a ação foi julgada parcialmente procedente, determinando-se que o estabelecimento (espaço de dança e café-snack bar), durante o mês de agosto, encerre pelas 24h00, exceto aos sábados, em que o funcionamento poderá estender-se até às 02h00; nas noites de Natal, Passagem de Ano, Páscoa e Carnaval, o estabelecimento poderá prolongar o horário de funcionamento até às 04h00; no resto do ano, deverá o estabelecimento encerrar até às 22h00, salvo ao sábado, em que poderá funcionar até às 24h00.

Os 2.ºs Réus foram condenados a pagar sanção pecuniária compulsória de € 200 por cada dia em que se verifique o incumprimento do decidido quanto ao horário de funcionamento do estabelecimento comercial; bem como a pagar aos Autores a quantia de € 9.476, correspondente aos danos patrimoniais pedidos, acrescidos de € 3.000 de indemnização por danos não patrimoniais à Autora mulher, e de € 5.000 de indemnização por danos morais ao Autor marido, sem prejuízo de outros danos produzidos no decurso do processo a liquidar em incidente.

No mais foram os Réus absolvidos dos pedidos.

Desta sentença recorreram os Autores e os 2.ºs Réus.

Das conclusões das alegações de recurso dos Autores resulta, em síntese, que: Discordam do julgamento da matéria de facto quanto aos factos provados nnn), rr) e kkk); e entendem que o tribunal a quo deu indevidamente por não provados os pontos 2), 3), 6), 13), 19).

Colocam em crise a perícia efetuada no âmbito do processo que dizem ter ocorrido em contexto simulado, já que o estabelecimento se encontrava sem utentes e com parte dos equipamentos desligados ou avariados, tratando-se de uma diligência conhecida de antemão pelos Recorridos, pelo que as conclusões a que chegou o laudo pericial devem ser relativizadas segundo essas premissas.

Entendem que se deve dar mais relevo à perícia promovida pelos Recorrentes (fls. 33 a 44 da providência cautelar apenso) que foi efetuada em contexto real.

Concluem, ainda, que deve ser valorado o comportamento dos Recorridos que, em concreto, merece especial censura, sobretudo pela violação reiterada da providência cautelar que havia sido decretada nos autos e, ainda, pela não demonstração de que efetuaram todas as diligencias possíveis, num real e empenhado esforço para minimizar o impacto da emissão de ruídos associada ao funcionamento do espaço destinado a dança.

De resto, sublinham que os Recorridos violaram ostensivamente o próprio horário fixado administrativamente.

Acrescentam que os Recorridos não produziram qualquer prova sobre medidas adicionais de insonorização implementadas, com uma concretização minimamente consistente e respetiva localização no tempo, nem que as mesmas (a terem existido) tenham sido suficientes e tecnicamente adequadas face às exigências concretas daquela atividade e da sua proximidade aos edifícios habitacionais.

Mais entendem que o horário fixado pelo tribunal a quo, longe de assegurar a concordância prática dos direitos, continua a abalar o núcleo essencial dos direitos de personalidade dos Recorrentes, maxime o direito ao descanso: sujeita os Autores a suportarem durante todo o mês de agosto o funcionamento do espaço destinado a dança até às 24:00 horas, permitindo a sua extensão nesse mês, aos sábados, até às 02:00 horas.

Acresce que o horário fixado na sentença nada refere quanto à hora de abertura, criando o risco de os Recorridos abrirem prematuramente de madrugada, em prejuízo do descanso dos Réus, o que sempre aconselharia à fixação de uma hora de abertura e não apenas de encerramento.

Discordam, ainda, os Recorrentes da medida da sanção pecuniária decretada, a qual não se afigura suficiente nem dissuasiva, podendo traduzir-se em € 1,6 por utente, segundo as médias emergentes dos valores constantes dos pontos z) e aa) dos factos provados), o que é facilmente repercutido ou amortizado pelo prolongamento ilícito do horário fixado na sentença. Pelo exposto, entendem que a sanção pecuniária constante do pedido (€ 250) a pecar, peca por defeito e não por excesso, tendo a sentença contrariado o disposto no art. 829-A, n.º 2, do Código Civil.

Entendem também que existe uma omissão ilícita e culposa dos 1.ºs Réus, ora 1.ºs Recorridos, indevidamente absolvidos dos pedidos indemnizatórios, uma vez que resultou provado que, pelo menos desde a citação para a providência cautelar decretada por apenso aos presentes autos (dezembro de 2011), tinham conhecimento das queixas manifestadas pelos Recorrentes (facto provado hhh), perante o que nada fizeram, promoveram ou diligenciaram.

Atento o recorte da situação sub judice que emerge do conjunto dos factos provados, entendem que o tribunal deveria ter elevado a compensação por danos não patrimoniais aos valores peticionados, i.e., € 7.500 a favor do Recorrente marido e € 5.000 a favor da Recorrente mulher, tendo em conta, sobretudo, que estes estiveram expostos, de forma duradoura e continuada, ao longo de décadas, às emissões ruidosas, à erosão continuada das mesmas, à falta de uma prova de empenho e diligência dos Recorridos em obstar ou minimizar essas emissões que – mais do que isso – afrontaram a providência cautelar decretada e os direitos de personalidade daqueles Recorrentes, numa absoluta desconsideração e desprezo pelos mesmos.

Entendem, finalmente, que a sentença devia ter condenado ao pagamento de juros, o que não fez.

Os 2.ºs Réus terminam as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: «I. Deve a questão prévia alegada ser valorada e corrigida a redação da al. c) do dispositivo da sentença recorrida em termos de que fique a constar o seguinte: “Condeno os 2ºs réus a pagar aos autores a quantia de € 1.476.00, correspondente aos danos patrimoniais peticionados, acrescidos de indemnização por danos não patrimoniais que fixo em € 3.000,00 (três mil euros) relativamente à autora mulher e em € 5.000,00 (cinco mil euros) para o autor marido, sem prejuízo de outros danos produzidos no decurso do processo a liquidar em incidente”.

SEM PRESCINDIR, II. Por resultar da conjugação de todos os meios de prova carreados para os autos, deve considerar-se como não provado que:

  1. O som e os fenómenos que, pontualmente, geram vibração “por simpatia de materiais” atravessam as paredes do imóvel onde se encontra instalado o estabelecimento e, ainda, as suas janelas e portas; b) Os sons supra descritos são audíveis a partir do prédio dos autores, não só do seu exterior, como do interior do edifício habitacional que o integra; c) Do interior da habitação dos autores é audível a música, podendo-se, por vezes, distinguir os seus detalhes acústicos…; d) A utilização do prédio dos primeiros réus – efetuada através do funcionamento do estabelecimento dos segundos réus – produz emissões de ruído e, pontualmente, vibrações “por simpatia de materiais”.

    1. Em função disso, resta o barulho produzido no exterior da discoteca, provocado pelos clientes ao entrar e sair, bem como pelos veículos que os transportam que poderá perturbar o sossego dos autores.

      (…) V. Os réus tomaram de trespasse o estabelecimento em causa aos anteriores proprietários do prédio onde se encontra instalado em dezembro de 2002 (…).

    2. Esse estabelecimento já ali existe desde, pelo menos, o ano de 1984, ou seja, desde há cerca de 32 anos.

    3. Não poderiam imaginar os réus que, ao adquiri-lo, iriam lesar direitos de outrem (…).

    4. Fizeram um esforço financeiro muito grande, não só na sua aquisição, mas também nas obras e melhoramentos, designadamente, para otimizar a sua insonorização.

    5. Os proventos resultantes da sua exploração são os únicos com que contam para prover o seu sustento e do seu agregado familiar.

    6. Verem reduzido o horário de funcionamento para os limites impostos pela sentença recorrida, na prática, equivale ao seu encerramento, por se tornar completamente não rentável, mormente no mês de agosto, altura em que os emigrantes estão de férias e a sua exploração é mais...

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