Acórdão nº 155/04.5TMBRG-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES DE FREITAS
Data da Resolução23 de Junho de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

-ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES- A) RELATÓRIO I.- Maria L intentou a presente ação comum contra Domingos M requerendo a emenda à partilha do que foi o património comum do casal, a que se procedeu sequencialmente ao divórcio, pretendendo que se relacione o saldo da conta bancária n.º 0858/015369/100, da CGD, no montante de € 22.000,00, que afirma ser bem comum, e que só agora conseguiu apurar que em 22/04/2003 o Réu transferiu para uma conta bancária da qual era o único titular, alegando ter sido induzida em erro ao aceitar a partilha tal como foi feita, por pensar que tinham a ela sido levados todos os bens do casal.

O Réu contestou, alegando, em síntese, que a Autora reclamou no Inventário contra a falta de relacionação da quantia acima referida, e na altura respondeu à reclamação informando que a referida importância se destinou ao pagamento de débitos da empresa de construção civil que à altura tinham, dívidas pelas quais eram ambos responsáveis, o que a Autora aceitou visto não ter reagido à apresentação da relação de bens definitiva, que não contemplava a agora reclamada quantia. Termina pedindo a improcedência da acção e a condenação da Autora como litigante de má fé.

Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que julgou improcedente a acção e procedente o incidente de má-fé suscitado pelo Réu, decidindo: A. Absolver o Réu do pedido formulado pela Autora; B. Condenar a Autora no pagamento das custas da ação (art. 527º, do Código de Processo Civil).

  1. Condenar a Autora com litigante de má-fé, na multa de 3000 euros, e numa indemnização ao Réu, a liquidar na sequência do incidente que se segue para o efeito; D. Condenar a Autora nas custas deste incidente, com 2 U.Cs. de taxa (cf. art. 527º, do Código de Processo Civil).

Inconformada, traz a Autora o presente recurso pretendendo fazer reverter a decisão a seu favor, com a condenação do Réu no pedido por si formulado.

Contra-alegou o Réu propugnando para que se mantenha a decisão na sua integralidade.

O recurso foi recebido como de apelação com efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

** II.- A Apelante funda o recurso nas seguintes conclusões: 1º-) De modo algum se pode a ora recorrente conformar com a decisão proferida pelo tribunal recorrido, que julgou improcedente a acção e procedente o incidente de má-fé suscitado pelo recorrido.

  1. -) A lei processual civil castiga a litigância de má-fé, independentemente do resultado verificado.

  2. -) Com efeito, releva o próprio comportamento do litigante, mesmo que, pelo prisma do prevaricador, essa actuação não tenha produzido qualquer resultado.

  3. -) Considera-se sancionável a título de má-fé, a lide dolosa e, ainda, a lide temerária baseada em negligência grave.

  4. -) Revertendo ao caso dos autos, apesar das divergências das versões apresentadas por Autora e Réu, os contornos do negócio celebrado entre ambos não são inequívocos, podendo ser objecto de diversas interpretações.

  5. -) A responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça.

  6. -) A aqui recorrente agiu sem dolo e fez uso prudente da lide, não litigando de má fé, limitando-se a exercer um direito que lhe assiste, que é o da sua defesa, utilizando o meio processual próprio, nomeadamente a emenda à partilha, prevista no Regime Jurídico do Processo de Inventário, no artigo 70º e seguintes.

  7. -) Atentos os autos, cremos não ser de manter a decisão de litigância de má-fé, considerando-se, contrariamente ao juízo sobre tal matéria desenvolvido pelo Tribunal de 1ª instância, que a aludida litigância de má-fé não resulta provada, nem se manifesta nos autos, não se demonstrando qualquer actuação dolosa ou gravemente negligente da autora aqui recorrente, com vista a conseguir um objectivo ilegal, a impedir a descoberta da verdade, ou a entorpecer a acção da justiça, designadamente, por via da dedução de uma emenda à partilha, nos termos concretos em que o fez, tendo a recorrente agido no legitimo uso das faculdades processuais de defesa legalmente previstas e concedidas e dentro dos parâmetros legalmente estabelecidos; 9º-) Não decorrendo a verificação de actuação de litigância de má-fé do simples facto de a parte, e, no caso, a ora recorrente, ver desatendida a pretensão deduzida em juízo, ou de ser indeferido incidente deduzido ou de não resultar provada factualidade em que baseia a acção ou a defesa; 10º-) Assim, embora se tenha provado em parte a versão do Réu e não a versão da Autora, não ficou demonstrado que esta, além da dedução de pretensão ou oposição sem fundamento ou da afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta, tenha actuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento; 11º-) Devendo improceder o pedido de condenação da Autora como litigante de má fé.

  8. -) Entende a apelante que o Tribunal “a quo” não poderia ter dado os factos nºs 1 a 8 como não provados, pelo que se impõe, em sede de recurso para este Venerando Tribunal, alterar a resposta dada a esta concreta matéria de facto, no sentido de tais factos serem dados como provados; 13º-) Da prova produzida em audiência de julgamento, resulta que aqueles factos 1 a 8 não poderiam ter sido dados como não provados, antes pelo contrário.

  9. -) Dúvidas não podem existir de que a aqui recorrente foi enganada pelo seu ex-marido, que com as suas mentiras e discursos falaciosos, a privou de receber uma quantia que muito bem sabia o recorrido não ser apenas sua, mas fruto do trabalho árduo de ambos.

  10. -) A recorrente não obtinha nenhum benefício em deixar a situação arrastar-se por mais anos, daí que tenha lançado mão da emenda à partilha, no prazo de um ano, após saber do verdadeiro paradeiro daquela quantia que se encontrava depositada numa conta na Caixa Geral de Depósitos, no valor de € 22.000,00.

  11. -) Não se vislumbra de onde, de qual meio de prova produzido possa o Tribunal “a quo” concluir que a aqui recorrente está de má-fé e mente sobre o desconhecimento ou conhecimento tardio do paradeiro da quantia de € 22.000,00 depositada naquela conta.

  12. -) A testemunha Filipe M sentiu-se veementemente pressionada a precisar a data correspondente ao conhecimento pela sua mãe de que o seu ex-marido afinal teria os € 22.000,00 guardados numa conta só dele, data essa que a testemunha evidentemente desconhecia com precisão, tendo-o frisado por diversas vezes.

  13. -) Esta mesma testemunha referiu uma data sem ter a certeza, como perfeitamente se infere do seu depoimento sendo que, a probabilidade de coincidir com a tese defendida pela aqui recorrente era tanta como a de não coincidir, pois o Filipe M referiu uma data, notoriamente aleatória; 19º-) O cerne da questão prende-se com o facto de a aqui recorrente ter sido induzida evidentemente em erro pelo recorrido, erro esse, que após o seu conhecimento, a recorrente tem o prazo de ano para o arguir, o que sucedeu.

  14. -) Tal como consta do facto nº 9 dos factos não provados, a Autora desconhecia qual o destino que tinha sido dado a essa quantia depositada naquela conta, até ao dia em que o Réu respondeu à reclamação feita pela Autora na partilha, referindo que tal quantia teria sido utilizada para pagar dívidas da sociedade “Teixeira M – Empreiteiros, Unipessoal Limitada”.

  15. -) O Tribunal “a quo” laborou em evidente erro quanto à valoração do depoimento da testemunha Florinda B, uma vez que foi peremptória em afirmar que apenas passados diversos anos após a partilha é que a recorrente teve conhecimento de que afinal os € 22.000,00 que o recorrido, alegadamente teria utilizado para pagar dívidas da sociedade, estariam depositados numa conta só em nome do próprio, para seu uso e benefício exclusivo.

  16. -) Acreditando a recorrente que tal quantia foi utilizada para proceder à liquidação de diversas dívidas da sociedade, já não reclamou a mesma na “relação de bens definitiva” apresentada posteriormente, que não incluía a quantia de € 22.000,00 da conta n.º 0858015369100 da Caixa Geral de Depósitos.

  17. -) O erro-vício traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio.

  18. -) Assim, deve também ser dado como não provados os factos 13 e 14, nomeadamente que a recorrente intentou a acção alterando conscientemente a verdade dos factos e deduziu a sua pretensão cuja falta de fundamento não pode ignorar, matéria subjectiva que foi dado como assente através de presunção.

  19. -) Tal como consta do ponto 9 dos factos não provados, desconhecendo a recorrente o destino dado ao saldo bancário daquela conta, não se vislumbra nem faz sentido como se poderia dar como provado que a recorrente agiu de má-fé, alterando a verdade dos factos e deduzindo a sua pretensão bem sabendo que a mesma não tinha fundamento.

  20. -) A ora recorrente ignorava, sem culpa, que na referida relação de bens não estava descrita a referida quantia de € 22.000,00, pertença do casal.

  21. -) A recorrente jamais teria aceitado tal acordo na partilha se soubesse que o recorrido iria ficar com a quantia de € 22.000,00, mentindo inicialmente sobre o destino que deu à mesma, e omitindo-a na relação de bens que apresentou, ou seja, se tal ignorância não existisse, a recorrente não permitiria ao recorrido de ficar beneficiado em € 11.000,00 (onze mil euros) à custa do trabalho e do esforço que a mesma empregou.

  22. -) A aqui recorrente não tinha...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT