Acórdão nº 126/14.3GTBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução27 de Junho de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1. No âmbito dos presentes autos de Processo Abreviado, após realização da audiência de discussão e julgamento, no dia 09.02.2015 foi proferida sentença (constante de fls. 82 a 94, mas depositada apenas no dia 10.02.2015 - cfr. declaração de depósito de fls. 96), na qual se decidiu condenar o arguido Miguel S.

(devidamente identificado nos autos) como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts 292º nº 1 e 69º nº 1 a) do Código Penal, na pena (principal) de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de €7 (sete euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 (cinco) meses.

  1. Inconformado com o assim decidido, o arguido (a fls. 98 a 116) interpôs recurso, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): “1. Foi o arguido Recorrente condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez na pena de multa de 100 (cem) dias, à taxa diária de €7,00, perfazendo a quantia de €700,00 (setecentos euros), bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 5 (cinco) meses.

  2. No dia 17 de Maio de 2014, pelas 02h02, o Recorrente foi fiscalizado aleatoriamente para detecção de álcool no sangue através de teste realizado pelo alcoolímetro DRAGGER, modelo 7110MKIII, série ARRA-0012, acusando uma TAS de 1,82 g/l correspondente à TAS de 1,97 g/l, deduzido o erro máximo admissível.

  3. O auto de notícia e talão de registo do teste realizado através daquele alcoolímetro encontram-se omissos quanto ao número do alcoolímetro, despacho de aprovação da ANSR, despacho de aprovação do IPQ e verificação periódica do mesmo.

  4. O artigo 243º nº 1, al. c) do CPP impõe que conste do auto de notícia, além do mais, os meios de prova conhecidos.

  5. Por sua vez, o artigo 9º nº 2 da Portaria nº 1556/2007 de 10 de Dezembro estatuí que os registos de medição dos alcoolímetros devem conter, entre outros elementos, a marca, o modelo, e o número de série do alcoolímetro, assim como a data da última verificação metrológica.

  6. O talão de registo de medição, bem como o respectivo auto de notícia não mencionam o número do alcoolímetro, nem tão pouco a data da última verificação metrológica, inquinando, assim, o controlo efectuado e, consequentemente, pondo em crise o resultado nele obtido.

  7. A prova especial material constituída pelo talão obtido do alcoolímetro em questão nos presentes autos é nula, porquanto não resulta do mesmo a data de verificação do equipamento.

  8. Nem tão pouco resulta da informação junta aos autos pela GNR que a cerificação vertida nessa mesma informação corresponde ao alcoolímetro utilizado para fiscalizar o Recorrente no dia, hora e local dos autos.

  9. Do auto resulta apenas a marca, o modelo e série do alcoolímetro, não sendo, pois, possível aferir com a clarividência necessária que a lei exige para assegurar ao arguido as suas garantias de defesa, o número do alcoolímetro em questão.

  10. Desta forma, e não constando o número do alcoolímetro do talão ou sequer do auto de notícia, torna-se inútil a informação prestada pela GNR – não suprindo aquela informação as omissões supra aludidas.

  11. Sendo o auto de notícia e o talão do registo omissos quanto aos elementos supra referidos os mesmos são nulos, e como tal deviam ter sido declarados pelo Tribunal a quo.

  12. O atropelo às normas supra mencionadas atenta contra o princípio do processo equitativo previsto nos artigos 20º nº. 4 e 32º da CRP.

  13. Sendo a TAS essencial para o preenchimento do tipo legal de crime que é imputado ao ora Recorrente, perante a ausência das formalidades prescritas na lei, quer para o auto, quer para o talão, e a incerteza da informação prestada pela GNR, o Tribunal a quo devia ter declarado a nulidade do auto de notícia e do meio de prova – talão de registo de medição – e, consequentemente, absolvido o Recorrente.

  14. Resulta provado nos autos que entre o teste de pesquisa de álcool por ar expirado e a recolha de sangue – contraprova – ao arguido mediou um período nunca inferior a uma hora e dezanove minutos, inquinando assim o resultado obtido.

  15. Resulta da prova produzida que a última bebida foi ingerida minutos antes da fiscalização, sendo do conhecimento geral que o pico da TAS é atingido uma hora após a ingestão da última bebida.

  16. Por tal motivo e pelo facto de ter ingerido apenas duas cervejas, o Recorrente perante o resultado obtido no controlo metrológico requereu, desde logo, a contraprova, colocando assim em causa a fiabilidade do alcoolímetro.

  17. A contraprova foi realizada uma hora e dezanove minutos após a fiscalização primitiva do arguido, comprometendo irremediavelmente o resultado obtido em claro prejuízo daquele.

  18. O Tribunal a quo não tomou em consideração que a contraprova foi realizada uma hora e dezanove minutos após a fiscalização primitiva, não podendo aferir, com a clareza e exactidão necessárias a TAS com que o Recorrente circulava aquando da fiscalização rodoviária.

  19. O único facto provado susceptível de retirar da contraprova é o de que o Recorrente uma hora e dezanove minutos após a fiscalização atingiu uma TAS de 1,81 g/l.

  20. O comportamento do arguido à hora da fiscalização é revelador da impossibilidade de o mesmo estar a circular com a TAS de que vem acusado, mas antes, a verificar-se, com uma TAS consideravelmente inferior, que segundo estudos diversos publicados na área e atento o depoimento da testemunha António C., Militar da GNR, situar-se-ia numa TAS correspondente a 0.3 g/l com o efeito comprovado de “perturbação de movimentos”, TAS essa não punível criminalmente.

  21. Não pode, por isso o Tribunal a quo considerar, nem o Recorrente aceitar que a recolha de sangue para efeitos de contraprova realizada uma hora e dezanove minutos após o controlo primitivo em nada prejudicou o arguido.

  22. Tanto mais que a lei impõe que a contraprova seja realizada o mais rapidamente possível por forma a permitir que a clareza e exactidão necessárias a TAS com que efectivamente o examinando circulava à hora da fiscalização.

  23. Ao requerer a contraprova, o Recorrente está a colocar em causa o resultado obtido no teste primitivo e a fiabilidade do respectivo alcoolímetro e não é com a realização da contraprova uma hora e dezanove minutos depois que se poderá alcançar a verdade material dos factos.

  24. Não pode o Tribunal a quo ilidir um facto desconhecido – TAS com que o Recorrente circulava – de um facto conhecido – contraprova realizada uma hora e dezanove minutos após a realização do teste de pesquisa de álcool no ar expirado – sob pena de violação do princípio in dubio pro reo.

    25 Pelo que, pelo exposto, impõe-se a absolvição do arguido.

    26 O Tribunal a quo condenou o arguido na pena de multa de 100 dias a uma taxa diária de €7,00.

  25. Atento o comportamento e declarações do Recorrente, bem como os depoimentos das testemunhas arroladas resulta que o Recorrente não chegou sequer a representar a possibilidade de que as bebidas ingeridas fossem susceptíveis de atingir uma TAS legalmente punível.

  26. Nunca o Recorrente se sentiu diminuídos nas suas capacidades físicas e mentais e, consequentemente, não se lhe afigurou como possível estar alcoolizado.

    29 O Recorrente é pessoa pacata, sem hábitos de consumo alcoólico.

  27. Assim, a eventual punibilidade do arguido sempre seria a título de negligência e não por dolo eventual, devendo, por isso, a pena de multa ser adequada a esse grau de culpa.

    31 O Tribunal a quo condenou o arguido na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 5 (cinco) meses.

  28. Entende o Recorrente ser desproporcionada a pena acessória aplicada, não se coadunando aos factos provados.

  29. O Recorrente é sócio e gerente de facto de uma sociedade familiar, não tendo a quem confiar as suas funções, designadamente as deslocações que faz diariamente a cliente e fornecedores em todo o Norte do País.

  30. É, por isso, fundamental a carta de condução para o exercício da actividade comercial da sociedade supra mencionada.

  31. A pena acessória aplicada põe, por isso, em causa a subsistência da própria sociedade, dos seus trabalhadores, bem como a própria subsistência do Recorrente.

  32. Tal factualidade não foi tida em consideração pelo Tribunal a quo, impondo aquele que tal pena fosse fixada no mínimo legal.

  33. A decisão recorrida violou, por isso, os artigos 243º n.º 1 al. c) do CPP, 9º n,º 2 da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, 20º n.º 4 e 32º da CRP, 153º n.º 5 do Código da Estrada, 5º da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio e 15º, 69º e 71º do Código Penal.

    Termos em que, concedendo provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e proferindo-se acórdão que absolva o arguido, farão V. Exas. a habitual JUSTIÇA!” 3. O Ministério Público junto da primeira instância (a fls. 120 a 139), respondeu ao recurso, concluindo no sentido de que a “deverá a sentença proferida ser mantida nos seus precisos termos”.

  34. Nesta Relação, a Exma Procuradora-Geral Adjunta (a fls. 146 a 148), acompanhando a resposta da magistrada do Ministério Público de 1ª instância, emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

  35. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.

  36. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

    1. FUNDAMENTAÇÃO Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal Doravante a poder ser designado apenas com a sigla CPP), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções...

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