Acórdão nº 47/14.9TTBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelS
Data da Resolução30 de Junho de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Guimarães RELATÓRIO Recorrido: o A., Recorrente: o R.

O A. alegou que foi contratado pela ré em 20/03/1980, tendo desde 1985 trabalhado como carteiro e sempre auferido determinadas quantias com caráter periódico e regular, mas que a ré não as contabilizou no pagamento das férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, ao contrário do que deveria ter feito, por deverem ser consideradas retribuição. Em face disso pediu a condenação da ré no pagamento de 6.578,90€, acrescidos de juros de mora até integral pagamento, sendo os vencidos à data de entrada da ação no valor de 6.213,55€, relativos à média anual da retribuição não paga pela ré no mês de férias, respetivo subsídio e subsídio de Natal nos anos de 1985 a 2012.

* O R. contestou, arguindo a prescrição dos créditos anteriores a Maio de 1992, defendendo que todos os atos de processamento de vencimentos anteriores à transfor-mação da ré em sociedade anónima de capitais públicos foram atos administrativos, pelo que, não tendo sido oportunamente impugnados, não podem agora ser objeto de apreciação judicial, e, ainda que assim se não entendesse, sempre o prazo de prescrição seria de cinco anos (art.º 310.º, alínea g) do Código Civil), contados do vencimento de cada retribuição. Invoca também o abuso de direito na modalidade de supressio por nunca o autor ter dado a entender que discordasse da forma como a ré procedia ao cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal, antes sempre tendo aceite aquela forma de cálculo. Defende ainda que nunca se poderá considerar existir mora anterior à sentença que aqui seja proferida, arguindo de todo o modo a prescri-ção dos juros anteriores aos cincos anos prévios à data de entrada da ação. Quanto ao mérito da ação, admite os factos alegados quanto à existência do contrato de trabalho e aos valores recebidos pelo autor, mas recusa que tais valores devam ser considerados como retribuição, além de que devem ser tidas em conta as restrições introduzidas pelos Orçamentos de Estado de 2011 e 2012. Termina pedindo a procedência das exce-ções ou a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido ou, subsidiariamente, que se considere a média de pagamento dos complementos de um ano apenas repercutida no ano seguinte, relegando-se para liquidação posterior a quantificação da condenação.

* O autor apresentou resposta a fls. 136, defendendo a improcedência da prescrição e concluindo como na petição inicial.

* A final o Tribunal julgou a ação parcialmente procedente e condenou o recorrente a pagar ao autor, a título de parte em falta da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal relativos aos anos de 1988 a 2012, a quantia a apurar em sede de incidente de liquidação a deduzir posteriormente, correspondente ao valor global de 5.917,16€, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde a data de vencimento de cada uma das quantias parcelares até integral pagamento, deduzido do montante resultante da aplicação ao vencimento do autor das restrições de pagamento de subsídios de férias e de Natal constantes das Leis do Orçamento de Estado para os anos de 2012 e 2013.

* O R. não se conformou e recorreu concluindo: I - Vem o presente recurso interposto, da Decisão que condenou o Recorrente nestes termos: “Julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condeno a ré a pagar ao autor, a título de parte em falta da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal relativos aos anos de 1988 a 2012, a quantia a apurar em sede de incidente de liquidação a deduzir posteriormente, correspondente valor global de 5.917,16 (cinco mil, novecentos e dezassete euros e dezasseis cêntimos) acrescido de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde a data de vencimento de cada uma das quantias parcelares até integral pagamento, deduzido o montante resultante da aplicação ao vencimento do autor da restrições de pagamento de subsídios de férias e de Natal constantes das Leis do Orçamento de Estado para os anos de 2012 e 2013.” II - Quanto à prescrição dos créditos laborais auferidos depois de Maio de 1992 a decisão julga-a improcedente, com base nos fundamentos aos quais adere sem reservas expendidas no Ac. Relação do Porto de 13-04-2015, com os quais discordamos.

III - O A. é trabalhador do quadro permanente da Ré desde Janeiro de 1980, e na ação peticiona diferenças retributivas nas férias, subsídio de férias e subsídio de Natal relativas ao período compreendido entre 1988 a 2012.

IV - Ora, no caso concreto, a relação jurídica entre A. e Ré estava conformada pelo quadro jurídico estabelecido, nomeadamente, pelos seguintes normativos legais: - Decreto-Lei n.º 49368, de 10 de Novembro de 1969 - Portaria nº 706/71, de 18 de Dezembro; - Portaria de Regulamentação Colectiva de 29.07.1977; - Acordo de Empresa (AE) de 81.

- Portaria nº 348/87, de 26 de Abril V - Com o DL 49368, de 10.11.69, que criou a empresa pública R., os CTT assumiram uma tradição de instituição pública e os seus trabalhadores, um estatuto típico do funcionalismo público, ainda que com certas especificidades.

VI - A transformação dos CTT em empresa pública e o quadro legal decorrente do DL 49368 não alteraram a natureza pública da relação jurídica de emprego com os respetivos trabalhadores.

VII - Empresa pública que enquanto pessoa coletiva de direito público – e mesmo após a sua transformação em sociedade anónima – se reconhece integrar a Administração pública em sentido orgânico (ou, pelo menos, constituir uma verdadeira Administração indireta privada).

VIII - Na verdade, através desse diploma legal foi conferido à Ré o estatuto de empresa pública, regendo-se o seu pessoal por um regime jurídico privativo, de natureza pública, conforme determinava o art. 26º dos seus estatutos, que veio a ter posterior tradução nomeadamente nos diplomas e normativos acima indicados e que se manteve inalterado pelas disposições consubstanciadas no AE posteriormente outorgado pela Ré.

VIX - A evolução do perfil organizacional dos CTT e a sua prévia existência enquanto verdadeira direção geral, de pleno integrada na administração direta do Estado - a que também não é estranha a fixação de prerrogativas aos seus trabalhadores, no período considerado, que evidenciam poderes de autoridade administrativa (vide art. 28º do DL 49368) - explicam a opção do legislador quando afasta o regime do contrato individual de trabalho, dada a expressa natureza jus privatística deste último.

X - E isto é o que resulta expressamente do ponto 3, in fine, do preâmbulo da Portaria 706/71, de 18 de Dezembro.

XI - Nem os aspetos diferenciadores do regime jurídico estabelecido, de carácter privativo, nem o quadro legal posteriormente fixado pelo DL 260/76, de 8 de Abril, procederam à desfuncionalização da relação de emprego público existente, nesse período, nem tiveram por efeito transformar os funcionários ao serviço dos CTT em trabalhadores ao abrigo do contrato de trabalho.

XII - Manteve-se, assim, uma relação jurídica de emprego de cariz público, sujeita ao direito administrativo, a que a natureza empresarial dos CTT nada obstou.

XIII - Atentos os fortes traços de direito público de que se reveste o regime jurídico anterior à transformação dos CTT em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos - concretizada pelo DL nº 87/92, de 14 de Maio, tem de entender-se assim, que em relação às prestações reclamadas por trabalhadores contratados até 19.5.1992 e que respeitem apenas a esse período, as mesmas foram determinadas por atos administrativos.

XIV - Porque sustentados numa relação jurídica materialmente administrativa, os atos de processamento de vencimentos e demais prestações remuneratórias praticados até essa data (leia-se, 19.5.1992) entendem-se como atos administrativos.

XV - Ora, não tendo os mesmos sido oportunamente impugnados, nos termos e prazos previstos na lei, não podem, hoje - passados mais de 20 anos -, ser objeto de apreciação judicial.

XVI - Mas mesmo que se entenda não terem as prestações ora reclamadas até 19.5.1992 sido determinadas por atos administrativos, já inimpugnáveis, forçoso é concluir que as mesmas não são devidas, por já se encontrarem prescritas. Com efeito, XVII - Do quadro jurídico enunciado resulta a expressa definição e vigência, para os trabalhadores dos CTT, Correios e Telecomunicações de Portugal, EP, admitidos antes da sua transformação em sociedade anónima de capitais públicos operada pelo DL 87/92, de 14 de Maio, de um estatuto próximo dos funcionários públicos mas de natureza híbrida, público-privada.

XVIII - Se por um lado, esse regime privativo, especial, assegurava aos trabalhadores dos CTT o recurso aos diversos meios germanísticos de direito público para o exercício dos seus direitos, designadamente de natureza laboral, mediante a aplicação do princípio da legalidade, da hierarquia administrativa e dos esquemas de recurso contencioso.

XIX - Expressa e claramente excluía a aplicação da LCT, como já referido, e consequentemente o regime de prescrição nela estipulado para o contrato individual de trabalho.

XX - Ora, não existindo – como não existe – no conjunto de diplomas que constituíram o estatuto privativo dos CTT normas relativas ao regime de prescrição dos créditos laborais e não sendo, como vimos, aplicável à relação o regime jurídico do contrato individual de trabalho (LCT) impõe-se recorrer às regras gerais de direito para suprir tal omissão (da norma prescricional).

XXI - Assim, no que o direito público não dispusesse de outro modo, as pretensões relacionadas com créditos laborais prescreviam nos termos do art.º 310º, g), do Código Civil (CC), iniciando-se a prescrição nos termos gerais do art.º 306º, nº 1, do mesmo diploma e não apenas após a cessação do contrato de trabalho.

XXII - Pelo que aos créditos laborais reclamados nas circunstâncias dos presentes autos não se aplica o artigo 38º da LCT, veja-se a este propósito...

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