Acórdão nº 409/12.7TCGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução02 de Junho de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães
  1. RELATÓRIO A autora Freguesia de .., propôs, em 27-12-2012, acção declarativa ordinária contra a ré C..

    Pediu que se: a) declare constituída, por usucapião, a propriedade do (alegado) caminho a favor da autora, com as características descritas nos pontos 10º e 11º da p.i.; b) condene a ré a retirar as pedras do local do início do referido caminho, bem como a colocar o leito do caminho no estado em que se encontrava anteriormente; c) condene a ré a abster-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização por parte da autora do referido caminho; d) condene a ré a pagar à autora a quantia de €3.375,00 + IVA para a repavimentação do caminho; e) condene a Ré a pagar à Autora a quantia de €10.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios legais, vencidos e vincendos, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento; f) condene a Ré no pagamento de sanção pecuniária compulsória diária, nos termos previstos pelo artigo 829º-A, do Código Civil, em montante não inferior a €50,00, desde a citação até à efectiva remoção das pedras que impedem o acesso ao caminho.

    Invocou, como causa de pedir: aquisição originária, por usucapião, do direito de propriedade sobre o leito de certo caminho.

    Alegou, para tanto, que a ré é proprietária de um prédio rústico, naquela freguesia, confrontante, dos lados sul e poente, com o caminho público. Existe, “desde tempos imemoriais”, um caminho, através de tal prédio, que permite o acesso, entre outros prédios rústicos, a um que pertenceu ao Estado e foi utilizado pela GNR e outras forças da autoridade como “carreira de tiro” desde há mais de 50 anos e até há cerca de 25 anos atrás, altura em foi desactivada. O acesso da via pública à mesma fazia-se e faz-se unicamente por tal caminho, tendo este uma largura de 5 metros e comprimento de 100m e iniciando-se na designada Rua …, cerca de cinco metros após o último imóvel lá erigido, praticamente em linha recta na direcção nascente-poente. O prédio do Estado, em 18-03-2012, foi cedido por este à Freguesia. Desde então, vem servindo a sua população e a das freguesias limítrofes, como parque de lazer e merendas, para actividades de recreação, para o efeito tendo sido realizadas obras na sua parte rústica.

    Desde “tempos imemoriais”, embora com menor regularidade antes da construção da “carreira de tiro” mas com maior incidência depois de esta ter começado a ser utilizada, ou seja, antes de 1960, sempre a autora vem fazendo a limpeza e manutenção do caminho, bem como o respectivo aumento para a sua actual forma e dimensões (note-se que, mais adiante, a autora alegou, contraditoriamente, que “desde tempos imemoriais” o caminho mantém a sua forma e dimensões actuais…), efectuando nele obras e reparações necessárias, tal como a colocação de pedra, “tout-venant”, areia e outros materiais necessários para o conservar transitável a pessoas e veículos, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja e com o ânimo de se tratar de coisa pública e sua propriedade (não obstante, note-se também, que, de seguida, a autora apelida tal terreno como “caminho de servidão” e acrescenta que, “mesmo que assim não fosse”, é que “sempre seria dona” dele e em tal espírito teria agido). Aliás, em Junho de 2012, a autora pavimentou o caminho com betão de 0,05m de espessura e efectuou rega de colagem do mesmo.

    Sucedeu que a ré ordenou, em 12.10.2012, a remoção do pavimento betuminoso (225m2) que a autora mandara colocar no caminho e, na parte restante deste, colocou entulho, impedindo a passagem de pessoas, de máquinas agrícolas e automóveis pelo seu leito. Além disso, alterou o leito na parte que atravessa o seu prédio, deslocando-o cerca de 20 m para norte, embocando num pinheiro e não permitindo por isso a passagem de veículos, agindo ilegitimamente pois mesmo “caso o caminho não fosse propriedade da autora” – mera hipótese académica, diz agora – e “fosse um caminho de servidão”, também tal lhe estava vedado.

    Esta situação foi objecto de divulgação pública em meios de informação, causando, além do prejuízo patrimonial (custo de 3.375,00€ + IVA necessário para a repavimentação), também dano (não patrimonial) na imagem a Autora e dos seus representantes.

    Uma vez citada, contestou e reconveio a Ré.

    Impugnou parcialmente os fundamentos da acção, negando a titularidade da propriedade do caminho pela Autora, acrescentando que jamais existiu, a atravessar o seu prédio, qualquer caminho público. O que existe é um caminho de servidão, próximo da estrema poente do seu prédio, no sentido sul/norte, com pequena inclinação para nascente, com 2 metros de largura por 40 metros de comprimento, com origem no caminho público designado por Rua … e a desembocar no prédio rústico encravado que, a Norte, confina com o da ré e que ao mesmo aproveita, permitindo o trânsito a pé e de carro com vista a assegurar a produção normal de mato e lenha. Tal caminho dista 125 m da estrada nacional e 22 m da última edificação existente na Rua …. E não corresponde ao que foi pavimentado pela autora. A parcela de terreno onde a autora localiza o caminho alegadamente público sempre foi cultivado com produtos hortícolas e mantido com medas de lenha e toros. Nunca a GNR, qualquer outra força, a autora ou a população utilizou tal espaço, nem necessitava, pois que o acesso à “carreira de tiro” sempre se fez pela estrada nacional, mais curto, aliás. Só em meados de 2012 a autora resolveu querer passar pelo prédio da ré. Desde aí, por ocasião das obras de requalificação do prédio da “carreira de tiro”, a autora resolveu passar pela área em litígio, pertencente à ré, procedendo depois à remoção e deslocação de terras, colocando tapete betuminoso, cortando e removendo mato e carvalhos, tudo sem consentimento da ré. Além de que destruiu o caminho de servidão.

    Bem sabia a autora que a ré é dona do terreno em causa, porquanto, em 2005 e anos seguintes, efectuaram várias deslocações conjuntas ao local, nada a tal propósito reclamando, apenas o caminho de servidão aparece referido em mapas e plantas oficiais, tanto mais que a autora solicitou que a ré assinasse um acordo no qual admitia ter procedido ao alargamento e deslocação do leito do caminho de servidão descrito.

    Alegando factos relativos à aquisição do direito de propriedade sobre o alegado seu prédio, incluindo da parcela de terreno que a autora reivindica como caminho público e da outra, diversa, por onde existe e reconhece haver caminho de servidão, conforme alegado, e aos diversos danos patrimoniais e não patrimoniais (correspondentes aos carvalhos que a reconvinda cortou e removeu do prédio e às despesas com trabalhos de terraplanagem para remover dele o asfalto colocado pela autora e ao sentimento de transtorno, incómodo, angústia e mal-estar psicológico) causados pela autora, deduziu reconvenção, através da qual pediu se: - declare que a ré/reconvinte é dona e legitima possuidora do prédio rústico identificado sob o artigo 48º da contestação/reconvenção; - condene a autora/reconvinda a abster-se de praticar actos que impeçam a reconvinte de exercer o seu direito de propriedade sobre o aludido prédio; - condene a reconvinda a pagar à reconvinte indemnização a título de danos morais e patrimoniais, no valor global de € 5.992,00 acrescido de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento; - condene a reconvinda a repor o prédio rústico da reconvinte no seu estado original; - condene a reconvinda no pagamento de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso até à reposição do prédio no seu estado original.

    Replicou a autora, em suma reiterando a posição expressa na petição.

    Após audiência prévia (fls. 100 e ss), na qual se relatou o objecto do litígio, se enunciaram os temas da prova e se apreciaram os requerimentos de prova apresentados pelas partes, designou-se e realizou-se a audiência de discussão e julgamento nos termos e com as formalidades descritas nas respectivas actas, no início dela tendo sido realizada inspecção ao local – não documentada em auto.

    Foi proferida sentença em 26-11-2014, exarada a fls. 269-297, que culminou com a seguinte decisão: “Pelo exposto, julgo: A.

    Totalmente improcedente o pedido formulado pela Autora “Freguesia …”, do qual vai absolvida a Ré C..

    B.

    Parcialmente procedente o pedido reconvencional formulado pela Reconvinte C.: - declarando que a Reconvinte é dona e legitima possuidora do prédio rústico identificado sob o facto provado número 1 e que este inclui a parcela descrita sob o facto provado número 19; - condenando a Reconvinda “Freguesia …”: i. a abster-se de praticar atos que impeçam a Reconvinte de exercer o seu direito de propriedade sobre o aludido prédio; ii. a repor o prédio rústico da Reconvinte no seu estado original; iii. a pagar à Reconvinte indemnização no valor global de € 2.242,00 (dois mil, duzentos e quarenta e dois euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação sobre o montante de € 492,00 (quatrocentos e noventa a dois euros) e contados desde a presente data sobre o montante de € 1.750,00 (mil, setecentos e cinquenta euros), em ambos os casos até efetivo e integral pagamento; iv. a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso até à reposição do prédio no seu estado original.

    C.

    Improcedente o pedido de condenação como litigante de má fé deduzido pela Ré/Reconvinte, do qual se absolve Autora/Reconvinda.

    * Custas do pedido pela Autora, sem prejuízo de eventual isenção aplicável (art.º 527º n.º 2 do CPC).

    Custas do pedido reconvencional por Autora/reconvinda e Ré/reconvinte, na proporção de, respetivamente, ¾ e ¼, sem prejuízo de eventual isenção aplicável (art.º 527º n.º 2 do CPC).

    Notifique e registe.” A autarquia autora não se conformou e interpôs recurso para esta Relação (fls. 303 a 368) apresentando as seguintes conclusões: “A) Na sentença a quo, ficou provado que: (…) 6. Desde...

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