Acórdão nº 1846/13.5TBVRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL ROCHA
Data da Resolução06 de Outubro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes da primeira secção do tribunal da Relação de Guimarães.

RELATÒRIO: B. , intentou apresente acção contra C., peticionando a sua condenação no pagamento de €15.130,77acrescido de juros de mora desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, alega que tal montante corresponde às quantias suportadas na decorrência de um acidente de viação entre o veículo …-MC-… e um cavalo propriedade do réu que surgiu inusitadamente na IP4.

Citado, o réu contestou alegando em suma que não sabe se o cavalo em causa lhe pertence; que o condutor do MC contribuiu para a produção do acidente na medida em que não adequou a velocidade do seu veículo às circunstâncias envolventes; que existiram dois embates pelo que os danos devem ser especificados para cada um deles; e que no local do embate o IP4 estava havia obras em curso, de intervenção para arranjo das vias e acessos, encontrando-se a rede danificada, permitindo a entrada de quaisquer animais na via, pelo que deve a empresa responsável pela exploração e manutenção do IP4 ser responsabilizada pela produção do acidente, requerendo a intervenção principal provocada.

Admitida a intervenção da concessionária D., SA. e uma vez citada, não foi deduzida contestação.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, decidindo-se a final: “julgar parcialmente procedente a presente acção e em consequência: absolveu-se o réu C. do pedido; condenou-se a ré D., SA a pagar à autora B. a quantia de €14.601,10, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação e até efectivo integral pagamento à taxa de 4% ao ano, absolvendo da restante quantia peticionada”.

Inconformada a Chamada D., SA apelou da sentença, juntando alegações donde decorrem as seguintes conclusões: 1.ª A sentença sub judice enferma de erro na apreciação da prova produzida e padece de nulidades e/ou de erro de direito, violando por errada interpretação e aplicação o disposto nos artigos 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, 1.º e 4.º, n.º 1, alínea i) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, 1.º, n.º 5 da Lei n.º 67/2007, de 31de dezembro, 10.º, n.º 7 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 64.º, 412.º e 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil,2.º/1, 3.º, a) e 12.º/1 da Lei n.º 24/2007, de 18 de julho, 364.º, 342.º, 493.º e 497.º do Código Civil e 94.º, n.º 1 do Código dos Contratos Públicos, devendo ser revogada e, em consequência, absolver-se a Recorrente da instância ou do pedido.

  1. O Tribunal a quo ao proferir sentença de condenação contra a ora Recorrente, discorrendo sobre a responsabilidade desta no acidente sub judice enquanto subconcessionária da via onde o mesmo ocorreu, conheceu de questão que não poderia ter conhecido, por o Tribunal não ter competência material para apreciar tal questão, tendo violado por errada interpretação e aplicação o disposto nos artigos 64.º, 65.º e 96.º do CPC, n.º 2 do 212.º da CRP, 1.º e 4.º, n.º 1 do ETAF, n.º 5 do 1.º do Regime da Responsabilidade Civil do Estado e demais entidades públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.

  2. São da competência dos tribunais administrativos a apreciação de litígios que tenham subjacentes relações jurídicas administrativas, entendidas como “aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública, ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”, assumindo, consequentemente, os tribunais judiciais uma competência meramente residual (v. neste sentido, 211.º, n.º 1 e 212.º, n.º 3 da CRP, 1.º do ETAF, 64.º do CPC, artigo 18.º da LOFTJ e citação de JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, in A Justiça Administrativa, Lições, 8.ª Edição, Almedina, 2006, pág. 57 e 58 e, no mesmo sentido, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, Anotados, Almedina, pág. 25 e 26).

  3. Com as alterações introduzidas no contencioso administrativo, nomeadamente com a entrada em vigor do novo ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, as matérias relacionadas com a competência dos tribunais administrativos para efetivação da responsabilidade civil sofreram alterações, passando a ser da sua competência o julgamento das ações para efetivação da “responsabilidade civil administrativa extracontratual”, independentemente da necessidade de distinção entre atos de gestão pública e atos de gestão privada (cf. 4.º do ETAF, com citação de MARCELO REBELO DE SOUSA E ANDRÉ SALGADO DE MATOS, in Responsabilidade Civil Administrativa, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Dom Quixote, pág. 17 e, no mesmo sentido, DR. PEDRO CRUZ E SILVA, in Breve estudo sobre a competência material dos Tribunais Administrativos e Fiscais em matéria de responsabilidade civil e de contratos, Outubro de 2006, Verbo Jurídico, disponível para consulta em www.verbojuridico.com).

  4. De acordo com o disposto no artigo 4.º, n.º 1, al. i) do ETAF, “compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objeto: i) a responsabilidade civil extracontratual de sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público”, circunstância que ocorrerá sempre que, nos termos previstos no artigo 1.º, n.º 5 do Regime da Responsabilidade Civil do Estado e demais entidades públicas, os atos ou omissão praticados por sujeitos privados e causadores de danos sejam adotados “no exercício de prerrogativas de poder público” ou “sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo” (cf. Ac do Tribunal de Conflitos, proferido no Proc. 025/09, de 01/20/2010, Relator Garcia Calejo, in www.dgsi.pt).

  5. Com a entrada em vigor do Regime da Responsabilidade Civil do Estado e demais entidades públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, passou a estar legalmente consagrada a aplicabilidade do regime específico de responsabilidade do Estado aos particulares.

  6. O litígio em discussão nos presentes autos quanto à Chamada envolveu por parte do Tribunal a quo, surpreendentemente, a apreciação do exercício por parte da mesma de funções administrativas ou de poderes/deveres públicos, nomeadamente através da manutenção da via e dos demais bens subconcessionados em “bom estado de funcionamento, utilização, conservação e segurança”, poderes previstos ou implícitos no contrato de subconcessão e/ou das respetivas “Bases”, normas de direito público.

  7. A apreciação da responsabilidade da Chamada na verificação doacidente enquanto subconcessionária da via sub judice é da competência exclusiva da jurisdição administrativa, sendo o Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real materialmente incompetente para a discussão e julgamento da ação quanto à ora Chamada, o que consubstancia uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, que deveria ter obstado ao conhecimento do mérito da causa e determinado ainda a absolvição da Chamada da instância, por incompetência absoluta, exceção que expressamente se invocou em sede de alegações finais, e se torna a invocar, devendo ser revogada a sentença proferida, com a absolvição da Recorrente da instância (cf. Acs. do Tribunal de Conflitos de 05/30/2013, no Proc. n.º 017/13, de 27/02/2014, no Proc. n.º 048/13, de 27/03/2014, no Proc. n.º 046/13, de 25/03/2015, no Proc. n.º 053/14 e de 09/07/2015, no Proc. n.º 021/15 in www.dgsi.pt e artigos 96.º, 97.º, n.º 1, 99.º, 278.º, n.º 1, al. a), 577.º, a) e 578.ºdo CPC). 9.ª Conforme se verifica no caso sub judice e é reconhecido pela melhor doutrina e jurisprudência, não obsta ao conhecimento da referida exceção em sede de recurso a circunstância de já terem sido proferidos despacho saneador e sentença, quando o despacho saneador proferido nos autos não dá origem a caso julgado formal, por ter sido um despacho saneador tabelar ou genérico, no qual não houve a apreciação em concreto da questão da competência em razão da matéria e quando ainda não existe trânsito em julgado da decisão (cf. 97.º, n.º 2, 595.º, n.º 3, 578.º, 608.º, n.º 1 e 663.º, n.º 2 do CPC e Acs. do TR de Lisboa, de 12.12.2013, Proc. 10239/99.8TBCSC.L1-2, do TR de Lisboa, de 06.03.2014, Proc. 281/12.7TBPTS.L1- 6 e do TR de Lisboa, de 10.01.2012, Proc. 4022/08.5TBBRR.L1-7 in www.dgsi.pt).

  8. A sentença de condenação da Recorrente no pedido consubstanciauma decisão surpresa, baseada em factos e fundamentos que não foram anteriormente considerados pelas partes e objeto de contraditório, na medida em que, atenta a fixação dos temas de prova em sede de audiência-prévia, não existia nenhum tema que versasse sobre a intervenção, qualidade ou obrigações que recaem sobre a Recorrente (cf. ata da audiência prévia de 17/06/2015 e artigo 3.º, n.º 3 do CPC).

  9. Atenta a ausência de prova nos autos e as normas relativas à espécie de prova, é manifesto que o Tribunal a quo não poderia dar como provada a factualidade constante da alínea FF da fundamentação de facto (“a empresa responsável pela exploração e manutenção do IP4 era, à altura do acidente, a D., S.A.”) -por considerar a mesma um facto notório - devendo a resposta a tal facto ser...

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