Acórdão nº 465/14.3T8VRL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Outubro de 2016
Magistrado Responsável | ANT |
Data da Resolução | 13 de Outubro de 2016 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Miguel C instaurou a presente acção declarativa, que corre termos na Secção Cível da Instância Central de Vila Real, da Comarca de Vila Real, contra Fernando M, pedindo a condenação deste "no pagamento de € 80.000 (oitenta mil euros) ao Autor acrescidos do respectivo IVA, e juros a contar da citação, bem como em custas, taxas de justiça e honorários ao Autor pelo serviço que implica a lide".
Alegou, em síntese, que é advogado e que no processo de inventário 125/92, onde o réu era interessado, este contratou o Dr. Domingos D como seu mandatário, o qual representou o réu até 04-01-2002, altura em que substabeleceu noutros colegas, até que, por substabelecimento, o mandato de representação do réu passou a incumbir ao autor. E foi efectuada cedência do crédito do inicial mandatário a seu favor, do que foi dado conhecimento ao réu que aceitou.
O réu contestou afirmando, em síntese, não aceitar o valor dos honorários apresentados.
Na pendência da acção o réu faleceu, tendo então sido habilitados os seus herdeiros, Rosa M, casada com Horácio C, Maria G, casada com Silvério F e Domingos L, casado com Maria F.
Procedeu-se a julgamento.
Foi proferida sentença em que se decidiu que: "Por tudo o exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e consequentemente: 1.º Condeno os réus habilitados a pagarem ao Exmo. Advogado Sr. Dr. Miguel C, aqui autor, a quantia global de € 40.000,00 (quarenta mil euros), acrescida de IVA à taxa legal de 23 %, bem como de juros de mora, à taxa legal supletiva, desde a data desta sentença até integral pagamento.
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Absolvo os réus habilitados da parte restante do pedido.".
Inconformado com esta decisão, o autor dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões: 1- O Digníssimo Juiz condenou os réus no pagamento de € 40.000, acrescidos de juros, apenas contados a partir da data da sentença.
2- Esse é o primeiro ponto de desacordo relativamente à mesma 3- Fundamentou tal decisão na qualificação do crédito reconhecido ao autor, como ilíquido, nos termos do disposto nos artigos 804.º n.º 2 e 805.º n.º 3, 1.º parte, do C. C.
4- O autor discorda de tal decisão, e entende que a mesma viola precisamente esses mesmos artigos, pois apenas são válidos para a responsabilidade civil extracontratual.
5- O caso sub judice é relativo a responsabilidade contratual - n.º 1 do artigo 1158.º do C. C.
6- A sentença apenas fixou o quantum da obrigação que foi liquidada pelo autor na apresentação da nota de honorários - artigo 17.º dos Factos Provados.
7- A contestação não tornou o crédito ilíquido - dessa forma estaria descoberta a forma de todos os devedores se furtarem ao pagamento de juros (contestando o crédito).
8- Os juros moratórios deveriam ter sido contabilizados desde a citação, tal como pedido pelo autor.
9- O Digníssimo Juiz absolveu os réus do pagamento do restante pedido, relativo aos créditos pelos serviços prestados pelo inicial Mandatário Sr. Dr. Domingos D.
10- Também discorda dessa Douta Decisão.
11- Entendeu que a cessão de créditos ao autor era proibida nos termos do disposto no artigo 107.º n.º 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados - lei especial em relação ao código civil (artigos 577.º e ss.).
12- O autor, respeitosamente, discorda, e entende que nada nesse normativo a proíbe.
13- Com efeito ficou provado que o Sr. Dr. Domingos D cedeu ao autor os créditos pelos serviços por si prestados.
14- Essa cessão foi comunicada ao réu, que a aceitou.
15- Significa que, a partir da cessão, o réu sabia que teria de pagar ao autor o que devia ao Sr. Dr. Domingos D - ou seja, o devedor não colocou obstáculos à cessão.
16- Também tratamos de prestações pecuniárias, (por isso de bens fungíveis), o que significa que a prestação não estava ligada à pessoa do credor.
17- Tudo nos termos do disposto no artigo 577.º do C. C.
18- Por outro lado, o referido artigo 107.º do Estatuto tem como ratio legis proteger o Advogado, não pago pelos serviços prestados ao cliente devedor, na eventualidade deste recorrer a outro Advogado, na pendência do serviço jurídico.
19- Ou seja, desse normativo não surge uma proibição de cedência de crédito, mas sim uma proibição de outro Mandatário assumir o Mandato, antes do Mandatário credor ser ressarcido pelo seu (crédito) - pretende proteger o Advogado credor.
20- Aliás, existem outros artigos desse Estatuto que, recorrendo a uma interpretação sistemática, e mesmo a contrario sensu, permitem concluir que o mesmo permite cedências de créditos entre Advogados (pela prática de serviços forenses). Neste sentido confronte o disposto no artigo 102.º (Repartição de Honorários com outros Advogados); artigo 100.º (Honorários); artigo 95.º n.º 1 e) e n.º 2 (Outros Deveres - não cessar, sem motivo justificado, o patrocínio).
21- Mesmo o Regulamento dos Laudos de Honorários (Regulamento 40/2005 - 2.ª série, de 29 de Abril de 2005) não proíbe a emissão de laudo no caso de ter havido cedência de crédito - neste sentido confronte artigo 6.º n.º 1, parte final.
22- Mais: o próprio devedor pode solicitar a emissão de laudo.
23- O crédito poderia até ser alvo de penhora e venda executiva a um terceiro.
24- Não existe nada na lei que proíba a cessão de créditos relativos a serviços forenses, entre advogados (e muito menos neste caso em que, por via dos sucessivos substabelecimentos, não havia qualquer sigilo).
25- Não existe por isso "norma especial que proíba a cessão".
26- A cessão produz efeitos imediatos por mero efeito do contrato, com a notificação ao devedor - artigo 583.º do C. C (que teve dela conhecimento e a aceitou - factos Provados 4.º e 5.º).
27- Pela cessão, o autor tornou-se proprietário do crédito devido pelos serviços forenses prestados pelo Sr. Dr. Domingos D, sendo que o réu sabia que era a ele que deveria pagar.
28- Significa que os réus não deveriam ter sido absolvidos dessa parte do pedido.
29- Ainda que o Digníssimo Juiz considerasse que apesar de titular desse crédito, o autor, não tinha legitimidade para o liquidar (no que não concede), sempre o mesmo deveria ter sido liquidado nos presentes autos (até por uma questão de economia processual).
30- O réu invocou contra o autor os meios de defesa que poderia opor ao credor inicial, nos termos do disposto no artigo 585.º do C. C.
31- Ou seja, não estava desprotegido.
32- Em ponto nenhum do processo o réu alegou que...
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