Acórdão nº 350/15.1GCBRG-G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Outubro de 2016
Magistrado Responsável | F |
Data da Resolução | 10 de Outubro de 2016 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Tribunal da Relação de Guimarães - Secção Penal Comarca de Braga – Instância Local – Secção Criminal – J2 Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães: 1 - RELATÓRIO Neste processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 350/15.1GCBRG, da Comarca de Braga, Instância Local, Secção Criminal, J2, foi submetido a julgamento o arguido António J.
, melhor identificado nos autos, acusado da prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artº. 152º, nº. 1, als. a) e c) e nºs. 2, 4, 5 e 6, do Código Penal.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 13/04/2016, depositada nessa mesma data, decidindo julgar a ação penal provada e, em consequência, condenar o arguido «como autor material de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, nº. 1, al.s a) e c) e nº. 2 do Código Penal: - Na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, com regime de prova.
- Na pena acessória de proibição de contatar, por qualquer forma, com a vítima Anabel Nobre Marta, pelo período de 2 (dois) anos; na pena acessória de uso e porte de armas, pelo período de um ano; e na obrigação de programa específico de prevenção da violência doméstica, em articulação com o regime de prova supra determinado. (…).» Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido.
O recorrente apresentou a motivação de recurso, formulando, a final, as conclusões que seguidamente se transcrevem: «1. Vem o presente recurso da sentença que condenou o ora Recorrente pela prática de um crime de violência doméstica, p.p. no artigos 152º n.º1 alínea a) e c) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, com regime de prova; na pena acessória de proibição de contactar com a vítima A...., pelo período de 2 (dois) anos; na pena acessória de proibição de uso e porte de armas, pelo período de um ano e na obrigação de frequência de programa específico de prevenção de violência domestica, em articulação com o regime de prova determinado.
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Salvo melhor opinião, a sentença ora recorrida enferma de nulidade, prevista nos artigos 379º n.º1 alínea a) e 374 n.º2 do CPP, uma vez que apenas se limitou a elencar as provas produzidas em audiência, mas a fundamentação de facto é omissa quer quanto aos factos cuja prática imputa ao arguido, quer quanto à apreciação crítica de todas essas provas, sendo certo que, as mesmas devem ser apreciadas não apenas por aquilo que isoladamente valem, mas também valorizadas globalmente, isto é no sentido que assumem no conjunto de todas elas.
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O artigo 374 n.º 2 do CPP dispõe sobre os “requisitos da sentença” (relatório – nº1; fundamentação – nº 2; e dispositivo ou decisão em sentido estrito), indica no nº 2 os elementos que têm de integrar a fundamentação, da qual deve constar uma «exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
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A fundamentação da sentença consiste, pois, na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão.
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A lei impõe, pois, como critério e base essencial da fundamentação da decisão em matéria de facto, o «exame crítico das provas». O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção. Neste sentido, Ac. do S.T.J. de 30.01.2002, proferido no Proc. nº 3063/01, in www.dgsi.pt.
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Para cumprimento daquele requisito não se satisfaz a lei com a mera enumeração dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento e dos que serviram para fundamentar a sentença é necessário um exame crítico desses meios, que servirá, além do mais, para convencer os interessados e a comunidade em geral, da correta aplicação da justiça no caso concreto. Exige-se, porém, que – em caso de condenação como o caso em apreço - o tribunal explicite as razões que o levaram a convencer-se de que o arguido praticou os factos que deu como provados.
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Ora analisando o caso concreto e, concretamente, analisando a motivação de facto da decisão recorrida, verifica-se que o tribunal recorrido se refere ao depoimento da ofendida e das testemunhas, mas efetuando praticamente uma cópia/resumo quanto ao conteúdo de tais depoimentos.
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A M.ª Juiz a quo, salvo melhor entendimento, absteve-se de fazer uma análise critica sobre o que cada testemunha depôs de forma relevante para que a mesma tivesse dado como provados os factos que deu. Em nenhum momento da motivação da decisão de facto se consegue retirar uma relação causa-efeito entre o que cada testemunha depôs e a relevância desse depoimento para ter dado todos os factos como provados. Na verdade a M.ª Juiz a quo reproduziu o que a testemunha depôs mas não analisou esse depoimento de forma critica. O Tribunal superior, que não ouviu os depoimentos em causa, não conseguirá aferir das motivações apresentadas em que é que cada testemunha contribuiu para a condenação do Arguido.
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No que ao caso concreto respeita, o tribunal deveria ter explicitado porque razão as provas produzidas, devidamente inter-relacionadas e conjugadas de acordo com as regras da experiência comum, foram suficientes para se poderem considerar provados todos os factos da acusação.
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Ora da motivação, não se percebe como é que o tribunal pode concluir no sentido de que todos os factos de que o arguido vinha acusado ficaram provados com o depoimento destas testemunhas.
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Questiona-se como chegou a M.ª Juiz a quo à conclusão que o Arguido - a título de exemplo porque o mesmo raciocínio é aplicável a todos os factos dados como provados -, “No dia 01 de Julho de 2015, pelas 21h00, no exterior da residência, tendo A.... ido leva o lixo à rua, depois de, na sequência de uma discussão entre ambos, ter dito ao arguido que o melhor era divorciarem-se, este agarrou-lhe um braço, impedindo-a de entrar em casa e desferiu-lhe um murro na zona da boca, para além de lhe ter beliscado a cara e apertado o pescoço com as mãos” ponto 7 da matéria dada como provada.
? 12. Ora se nenhuma das testemunhas da acusação assistiu à alegada agressão do Arguido à ofendida caberia à M.ª Juiz a quo explicar de forma critica como é que alcançou e deu como provado esse facto. Acontece que da sua parca fundamentação não se consegue retirar tal análise critica.
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Feitas estas considerações, estamos em condições de concluir que a sentença recorrida se limitou a elencar as provas produzidas em audiência, mas a fundamentação de facto é omissa quer quanto a todos os factos cuja prática se imputa ao arguido, quer quanto à apreciação crítica de todas essas provas, sendo certo que, como se disse, as mesmas devem ser apreciadas não apenas por aquilo que isoladamente valem, mas também valorizadas globalmente, isto é no sentido que assumem no conjunto de todas elas.
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Tal omissão determina a nulidade da sentença, nos termos dos artº 379º nº 1 al. a) e 374º nº 2 do C.P.Penal.
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Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio judiciário, a matéria de facto provada na audiência de julgamento foi de todo insuficiente para a decisão que foi tomada pelo Tribunal a quo, para além de que houve uma apreciação errada da prova produzida em audiência de julgamento, e que ditou a condenação do Recorrente pela prática deste crime.
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A M.ª Juíza a quo julgou – erradamente - provado, para o que aqui tem relevância, os pontos 3 a 16 da matéria de facto dada como provada.
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Na sentença recorrida consta que o Tribunal a quo formou a sua convicção, para a determinação da matéria de facto dada, na prova produzida pelas testemunhas de acusação, que foram objecto de registo áudio, em suporte digital desde o minuto 16:05:22 a 16:20:02 (testemunha Adelaide N.), desde o minuto 16:20:56 a 16:32:59 (testemunha Ana B.) e desde minuto 16:33:52 a 16:42:52 (testemunha Maria A.), tendo desconsiderado as declarações do arguido bem como o depoimento das testemunhas por si apresentado.
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Com o devido respeito andou muito mal a M.ª Juiz a quo ao dar todos estes factos como provados, atendendo a que nenhuma das testemunhas da acusação teve conhecimento directo dos factos provados.
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A única testemunha que tentou apoia desesperadamente a tese defendida pela acusação apenas trouxe conhecimento directo a estes autos do facto previsto no ponto 4 da matéria de facto dada como provado.
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Mas o certo é que quanto à matéria aí prevista a Ofendida entrou em plena contradição, contradição essa que não foi levada em consideração pela M.ª Juiz a quo. Desconhecemos, sem obrigação de conhecer, o motivo de tal desconsideração uma vez que a M.ª Juiz a quo também não fundamentou essa decisão na sentença recorrida.
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Na verdade a Ofendida quando perguntada sobre o facto descrito no ponto 4 da matéria de facto provada em sede de inquérito disse a este tribunal que não se recordava do facto ai descrito.
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No entanto em sede de audiência de julgamento relatou os factos previstos nesse ponto 23. Depois de confrontada com essa contradição – após deferimento da leitura das suas declarações requerida nos termos do 356º n.º3 do CPP – a explicação dada pela ofendida foi “que em sede de inquérito não se recordava desse facto mas agora em...
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