Acórdão nº 34/14.8T8VPC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução27 de Outubro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Proc.º 34/14.8T8VPC.G1 Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I- Relatório 1- Joaquim F e esposa, Maria A, instauraram a presente acção declarativa de condenação, sobre a forma de processo comum contra Joaquim F e Amélia G, alegando, em breve resumo, que são donos do prédio urbano situado na Avª N, n.º 16, em Celeirós, freguesia de Friões e concelho de Valpaços, o qual confronta do lado norte com um prédio urbano dos RR..

A delimitação entre estes prédios é feita por um muro que lhes pertence a eles, AA..

Sucede que, nos finais do ano de Julho de 2013, os RR., procederam a escavações ao longo da extrema sul do imóvel do qual são proprietários, tendo tal escavação sido realizada junto ao muro de vedação dos AA., abaixo da quota de fundação do mesmo, ocasionando com isso diversas fissuras nesse muro e deixando-o em risco de ruir.

Por isso, além de pedirem que se declare a sua propriedade sobre o prédio urbano e muro referidos, pedem ainda que se declare que, fruto das escavações efectuadas pelos RR., no imóvel do qual são proprietários, o muro corre o risco de ruir, sendo os RR. condenados a construir no seu terreno e a expensas suas, um muro de suporte paralelo ao muro de vedação dos AA., ao longo da extensão da área escavada, em betão armado ou do tipo gavião, por forma a estabilizar o talude do muro.

2- Contestaram os RR., refutando esta pretensão, porquanto, e em suma, embora reconheçam o direito de propriedade dos AA., já não aceitam nenhuma das atuações imprevidentes que estes lhes imputam.

3- Designada data para a audiência prévia, foi nela fixado o valor da causa, afirmada a validade e regularidade da instância e enunciado o objecto do litígio e os temas da prova.

4- Nesta sequência e depois de concluída a audiência final, na qual, além do mais, teve lugar a inspecção judicial ao local, foi proferida sentença que julgou a presente ação totalmente improcedente a absolveu os RR. do pedido.

5- Inconformados com esta sentença, dela recorrem os AA., terminando a motivação expressa nas suas alegações, concluindo o seguinte: “1. Os pontos 2, 3, 4, 6 e 8 da matéria de facto considerada como não provada estão em clara contradição com os meios de prova, designadamente documental, em especial o relatório de vistoria junto ao autos, valorado pelo Tribunal, impondo-se que os mesmos sejam considerados provados.

  1. Ao assim não entender, a Mmª Juíza violou o disposto nº 3 do artigo 607° do CPC.

  2. A matéria de facto assim dada como provada aponta, inequivocamente, para a conclusão que, não fora a atuação dos réus, no seu terreno, junto ao muro dos autores, quer, escavando-o até uma profundidade abaixo das fundações do mesmo, quer, usando de máquinas de elevada potência, esse muro, apesar de algumas fragilidades construtivas, o mesmo aguentava-se, como se aguentou mais de trinta anos, sem o perigo iminente de ruir, como, atualmente, se verifica.

  3. Tanto mais, que a dita escavação, abaixo das fundações do muro, vai ocasionar que, na decorrência da precipitação abundante nesta zona, ocorram infiltrações de água e consequentes arrastamentos de terras, sob os seus alicerces, que tornam iminente a derrocada do mesmo.

  4. Há uma relação de causalidade física entre a atuação dos réus e o dano do muro dos autores, traduzido na sua iminente derrocada.

  5. Ocorre o nexo de causalidade adequada considerada no art. 563° do C. Civil, porquanto, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis, o que, não é o caso.

  6. Em alternativa, seria aplicável à situação o art. 493°, nº 2, do C. Civil.

  7. Ao assim não entender, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 493, nº 2, 563° e 1348°, nº 2 do C. Civil, todos do C. Civil, e ainda as normas de segurança no trabalho de construção civil, contidas no DL 41821/58.

  8. Por que é possível a reparação do dano, em causa, mediante a reconstituição da situação que existia se não se tivesse verificado o evento praticado pelos réus, deve proceder o pedido dos autores e, 10. Revogando-se o doutamente decidido, 11. Ser a douta decisão substituída por outra, condenando os réus a atuar de modo a evitar a derrocada do muro em causa, designadamente, construindo, do seu lado e no interior do seu prédio, um outro muro, que evite a queda daquele”.

6- Responderam os RR., arguido o incumprimento pelos AA. do ónus de indicação da passagem das gravações dos depoimentos presenciais produzidos em audiência e da consequente ausência de direito à reapreciação da matéria de facto; e, no mais, pugnando pela confirmação do julgado.

7- Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa tomá-la: * II- Mérito do recurso 1- Definição do seu objecto O objecto dos recursos, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (artigos 608º, nº 2, “in fine”, 635º, nº 4, e 639º, nº1, do Código de Processo Civil).

Assim, observando este critério no caso presente, o objecto deste recurso reconduz-se, essencialmente, às seguintes questões: a) Em primeiro lugar, saber se deve haver lugar à modificação da matéria de facto, nos termos pretendidos pelos Apelantes; b) E, depois, decidir se os RR. violaram o dever de diligência que a lei lhes impunha nas escavações que realizaram no seu prédio e, na afirmativa, quais as consequências jurídicas.

* 2- Fundamentação A- Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos: 1- Os AA. são proprietários e legítimos possuidores de um prédio urbano, destinado a habitação, sito na Avenida N, n.º 16, lugar de Celeirós, freguesia de Friões, concelho de Valpaços, o qual confronta matricialmente pelo norte com Armindo C (actualmente com os RR.), nascente com a Estrada Nacional, poente com António M e sul, com Manuel M, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 787.º, não se encontrando inscrito na Conservatória do Registo Predial; 2- Tal prédio foi construído pelo próprio A. marido, que iniciou a obra em 1986, sobre um terreno que adquiriram pelo ano de 1983 aos herdeiros de Carolino C; 3- Encontrando-se os AA., nessa altura, emigrados em França, aproveitavam os meses de Julho e Agosto, altura em que vinham de férias a Portugal, para realizarem os trabalhos de construção; 4- Pelo que a habitação ficou concluída apenas três anos após o início dos trabalhos, ou seja, pelo ano de 1989; 5- A partir dessa data, os AA. quando se encontravam em Portugal, instalam-se no imóvel em questão, que habitam, participando nas suas vantagens e encargos, em nome e interesse próprio, praticando actos concretos em relação a tal imóvel, gozando de todos os poderes que lhes pertencem, traduzidos em actos materiais conducentes ao integral aproveitamento de todas as utilidades e potencialidades do prédio, pagando os respectivos impostos e contribuições; 6- Agindo sempre sem oposição, embargo ou estorvo de quem quer que seja, à vista e com conhecimento de toda a gente, com ânimo de quem exerce direito próprio, de boa-fé, por ignorar lesar direito alheio, de forma pacífica, continua, pública e sem violência; 7- O imóvel em causa confronta a norte com o prédio urbano propriedade dos RR., o qual se encontra inscrito na respetiva matriz sob o artigo 904.º; 8- Inicialmente antes de existir qualquer construção no local, os prédios dos AA. e RR. encontravam-se ao mesmo nível; 9- Sendo prédios caracterizados pela sua apresentação ascendente, quando colocados de frente para os mesmos; 10- Os AA. foram os primeiros a construir a sua casa de habitação, e tiveram que proceder a um desaterro para a implantar; 11- Nessa sequência, construíram um pequeno muro em granito; 12- À data o nível de terra do prédio dos AA. não era superior a esse muro, sendo o único muro de...

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