Acórdão nº 224/14.3T8FAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelLINA CASTRO BAPTISTA
Data da Resolução27 de Outubro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I—RELATÓRIO CÉSAR A, residente na Rua S, nº 63, freguesia de São Martinho de Silvares, concelho de Fafe, e FLÁVIA J, residente na mesma morada, intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “COMPANHIA DE SEGUROS T, S.A.", sociedade com sede na Avenida L, nº 242, Lisboa, pedindo que seja a Ré seja condenada a pagar: a) Ao 1º Autor a quantia de € 10 722,70, a título de danos patrimoniais, nos termos dos artigos supra alegados sob os nº 19º a 25º e 29º a 37º, acrescida dos montantes vincendos à título de paralização da viatura, calculada à razão diária de € 30,00 diários até efectiva reparação, bem como dos juros, à taxa legal de 4 % ao ano, ou, caso assim não se entenda: b) Ao mesmo Autor a quantia de € 5 760,00, a título de danos patrimoniais, nos termos dos artigos supra alegados sob os nº 26º a 37º, acrescida dos montantes vincendos a título de paralização da viatura calculada à razão diária de € 30,00 diários até efectiva reparação, bem como dos juros à taxa legal de 4 % ao ano; c) À 2ª Autora a quantia de € 30,00, a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros, à taxa legal de 4 % ao ano; d) À 2ª Autora a quantia de € 5 000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4 %, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Alegam, em síntese, que, no dia 14 de Junho de 2014, pelas 13h 10m, ocorreu um acidente de viação na Ponte de S. José, freguesia de Antime, concelho de Fafe, em que intervieram o veículo de matrícula nº 08-29-OR (doravante designado por OR), pertencente ao 1º Autor e conduzido pela 2ª Autora, e o veículo de matrícula nº 67-HQ-36 (doravante designado por HQ), pertencente a António G, conduzido por Celine A e segurado na Ré.

Defendem que a condutora do veículo segurado pela Ré foi a exclusiva responsável pela ocorrência do acidente por, a uma velocidade de mais de 80/90 Km/hora, ter saído fora da sua faixa de rodagem, invadido e entrado na faixa por onde circulava o veículo do 1º Autor e embatido neste.

Invocam a ocorrência de um conjunto de danos de carácter patrimonial e não patrimonial como consequência directa e necessário do referido embate, designadamente € 6 602,70 como valor necessário para reparação do veículo do 1º Autor; € 1 000,00 a título de desvalorização do mesmo veículo; € 30,00 diários desde 14/06/2014 a título de indemnização pela paralização do mesmo veículo; € 30,00 despendidos pela 2ª Autora em medicamentos e € 5 000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos por esta.

A Ré veio contestar, aceitando a ocorrência do acidente, a celebração e vigência do contrato de seguro invocado e a sua responsabilidade na reparação dos danos decorrentes de tal acidente.

Impugna, por desconhecimento, a generalidade da matéria de facto atinente aos danos.

Contrapõe - com particular relevo - que, à data do acidente, o valor venal de mercado do veículo OR era de € 1 750,00. Entende que, tendo a respectiva reparação sido orçada em € 7 729,02 e os salvados avaliados em € 190,00, o Autor apenas tem direito a receber a quantia de € 1 560,00.

Mais contrapõe que o Autor não tem direito a receber qualquer quantia a título de privação de uso do veículo, uma vez que não invocou a ocorrência de qualquer dano.

Conclui pedindo que a acção seja julgada de acordo com a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, com todas as consequências legais.

Em sede de Audiência Prévia proferiu-se despacho saneador e se fixou o objecto do litígio e os temas da prova.

Realizado o julgamento, proferiu-se sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar: A. Ao primeiro autor CÉSAR A a quantia de € 7269,02 (sete mil, duzentos e sessenta e nove euros e dois cêntimos), a título de indemnização para reparação do veículo 08-29-OR, quantia essa acrescida de juros à taxa legal supletiva desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento; B. Ao primeiro autor CÉSAR A, a título de indemnização por privação do uso do veículo 08-29-OR a quantia de € 10,00 por dia, desde a data do acidente e até pagamento da quantia supra arbitrada a título de reparação, a qual, na presente data se computa em € 6920, 00 (seis mil, novecentos e vinte euros), a que acrescem juros desde a presente data da sentença até efectivo e integral pagamento; C. À segunda Autora FLÁVIA J a titulo de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos a quantia de € 300,00 (trezentos euros), acrescida de juros desde a data da presente sentença até efectivo e integral pagamento.

Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso, terminando com as seguintes CONCLUSÕES 1. À luz do princípio geral da obrigação de indemnizar a recorrente não pode ser condenada no pagamento da quantia correspondente ao valor de reparação do veículo, antes o devendo ser no pagamento da quantia de € 2.000,00, correspondente ao valor comercial do veículo, porquanto o valor da reparação é mais de três vezes e meia superior ao valor do mesmo veículo.

  1. Dispõe o nº 1 do art.º 566º do CCivil que A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.

  2. No presente caso verifica-se que a reconstituição natural, consubstanciada na reparação do veículo, se revela, de forma manifesta, excessivamente onerosa para a recorrente.

  3. Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19.02.2015, no qual foi Relator o Exmo Senhor Juiz Desembargador Pedro Martins, disponível em www.dgsi.pt: I-O valor indicado por uma seguradora como valor de mercado de um veículo, em caso de perda total, corresponde à indicação, por esta, do valor de substituição do veículo. II- Cabe ao lesado alegar e provar factos tendentes a aumentar esse valor de substituição. III- Se o valor da reparação estiver acima 20% deste valor de substituição, em princípio a seguradora só será obrigada a pagar a indemnização pelo valor de substituição.

  4. Ainda na esteira do mesmo Acórdão se pode ler que "Por tudo isto, quando o valor da reparação for superior ao valor de substituição há, em princípio, um excesso em relação ao valor que deveria ser indemnizado, não se estando, por isso, nessa parte, perante um valor indemnizatório, pelo que não será correcto estar a responsabilizar a seguradora por ele, pois que já não se estaria no domínio da função desta de indemnizar danos. A reparação será excessivamente onerosa porque vai para além do valor necessário à reparação dos danos e será excessivamente onerosa para a seguradora porque esta tem por função indemnizar danos e o valor em excesso vai para além dessa função." 6. A manifesta desproporção entre o custo da reparação e o valor do veículo impõe – sob pena, até, de abuso de direito – que o princípio da restauração natural dê lugar ao princípio da indemnização.

  5. A boa aplicação das regrais gerais da obrigação de indemnizar constantes do CCivil impõe assim que, nesta parte, a recorrente seja responsabilizada, não pelo pagamento do montante da reparação do veículo, mas pelo pagamento do valor de € 2.000,00, correspondente ao valor do veículo.

  6. A condenação no pagamento das quantias já liquidadas e a liquidar a título de privação de uso do veículo 9. Perante a factualidade dada como provada na douta sentença recorrida, considera a recorrente não se encontrarem preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar pela privação de uso do veículo.

  7. Para haver indemnização, tem de haver danos, o que vale por dizer que a simples privação do uso de um veículo, sem a demonstração de qualquer dano concreto ocasionado por essa privação, ou seja, sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar.

  8. Para que a imobilização de uma viatura possa traduzir-se em danos para o seu proprietário, susceptíveis de serem indemnizados, é necessário que o lesado alegue e prove os factos que consubstanciam esses danos, o que no caso dos autos não ocorre.

  9. É neste sentido que tem decidido a jurisprudência pátria, quando chamada a pronunciar-se sobre a questão. Neste particular, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/01/2012, disponível em www.dgsi.pt, no qual se decidiu que: V - A simples privação do uso de um veículo, desacompanhada da demonstração de outros danos – seja na modalidade de lucros cessantes (frustração de ganhos), seja na de danos emergentes (despesas acrescidas justificadas pela impossibilidade de utilização) – não...

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