Acórdão nº 65/14.8T8FAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Março de 2016
Magistrado Responsável | FRANCISCA MICAELA VIEIRA |
Data da Resolução | 10 de Março de 2016 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes da 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO Maria S, casada, e Maria T, casada, residentes na Rua Padre António, instauraram a presente acção declarativa de condenação para investigação de paternidade contra Miguel M, pedindo: • Que se declare que o Réu é o pai biológico das Autoras; • Que seja o Réu condenado a reconhecer as Autoras como suas filhas • Que seja ordenado o averbamento, nos assentos de nascimento das autoras da sua paternidade nos termos da lei civil.
Para tanto e no essencial alegam que das relações sexuais mantidas entre a mãe das Autoras e o Réu resultaram para aquela gravidezes e o nascimento das Autoras, bem como de outro filho, entretanto falecido.
Regularmente citado, o Réu contestou e excepcionou a caducidade do direito das Autoras para instaurarem a presente acção em face do disposto nos artigos 1873º e 1817º, ambos do Código Civil.
As autoras pronunciaram-se sobre a excepção da caducidade, alegando que o nº1 do artigo 1817º do Código Civil foi declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 23 /06, publicado no DR de 08-02-2006, concluindo pela improcedência da excepção de caducidade.
Findos os articulados, foi proferido despacho saneador que julgou verificada e procedente a invocada exceção perentória de caducidade e, em consequência, declarou a caducidade do direito de investigação de paternidade exercido pelas autoras pela presente ação, deste modo se absolvendo o réu do pedido.
Inconformadas, as autoras vieram recorrer dessa decisão, terminando as alegações recursórias com as seguintes Conclusões: 1- É inconstitucional o prazo de caducidade previsto nos art°s 1817°, nº1 e 1873° do CC; 2 - As ações de investigação de paternidade são imprescritíveis e não podem obedecer a um prazo de caducidade, podendo ser intentadas a todo o tempo, pelo que não caducou o direito de ação das recorrentes; 3 - O direito de conhecimento e reconhecimento da paternidade cabe no âmbito do direito fundamental de proteção do direito à identidade pessoal (art° 26°, nºs 1 e 3 da CRP); 4 - O direito à identidade pessoal é um direito pessoal e imprescritível, constitucionalmente garantido (artºs 18° nºs 1 e 2 e 26° nºs 1 e 3 da CRP); 5 - A fixação de prazo para a propositura da ação de investigação da paternidade não resulta num justo equilíbrio entre os interesses do investigante, do investigado e sua família e do interesse público da estabilidade das relações jurídicas, porquanto o direito do investigante ao estabelecimento da sua paternidade e identidade pessoal é um direito mais forte, socialmente mais importante; 6 - A Constituição da República Portuguesa não estabelece qualquer prazo para garantia do direito do reconhecimento da identidade pessoal, da dignidade pessoal e da identidade genética do ser humano (art° 26°, nºs 1 e 3 da CRP); 7 - A ação de investigação de paternidade permite também o exercício de outro direito constitucional, que é o "direito de constituir família" (art° 36°, n° 1 da CRP); 8 - A caducidade do direito de ação de investigação de paternidade viola o disposto no n° 4 do art° 36° da Constituição da República Portuguesa que proíbe a discriminação dos filhos nascidos fora do casamento; 9 - A superioridade dos interesses do investigante não se compadece com qualquer limitação dos seus direitos fundamentais; 10 - As considerações de segurança jurídica, pessoal e familiar do investigado têm que ceder perante a imprescritibilidade do direito à identidade pessoal, protegido nos art° 18°, n° 2 e 26°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa, que tem maior densidade constitucional; 11 - A mais recente doutrina e jurisprudência vai no sentido da imprescritibilidade das ações de investigação de paternidade precisamente porque há que respeitar a verdade biológica, postulando o direito à identidade pessoal, um princípio de verdade pessoal; 12 - No âmbito do exercício do direito de ação de investigação de paternidade o interesse do investigante prevalece sobre os demais ¬interesse do investigado e sua família e interesse público da estabilidade das relações jurídicas; 13 - Ao colocar-se no mesmo patamar o interesse do investigante, das recorrentes e o interesse do investigado, do recorrido, está apenas a proteger-se um progenitor relapso, desinteressado, que não acautela os interesses dos seus filhos. Um pai que não integra o conceito do bonus pater família; 14 - Ao ser o filho a desencadear a ação de investigação de paternidade está a imputar-se-lhe um "ónus" que deveria ser do investigado, pois este espontaneamente deveria reconhecer a paternidade dos filhos que concebeu ou tendo dúvidas sobre a titularidade da mesma dispor-se a esclarecê-la; 15 - O recorrido aceita que manteve relações sexuais de cópula completa com a mãe das recorrentes e diz que é verdade que na freguesia as pessoas diziam que o recorrido era o pai das recorrentes, bem como a mãe delas, portanto, ainda que não tenha a certeza que seja o pai das recorrentes a dúvida sempre se lhe deve ter suscitado; 16 - Com a limitação temporal o investigante é prejudicado e o investigado, que por uma questão moral, de honra e carácter deveria reconhecer os filhos que concebe, é premiado, pois a lei não deixa que essa responsabilidade lhe seja atribuída; 17 - O recorrido em vez de se escudar com o instituto da caducidade do direito das recorrentes deveria encarar a propositura da ação como uma oportunidade que lhe é dada por estas para reparar o seu erro ou omissão; 18 - O recorrido não acompanhou nem se interessou pela vida, pelo crescimento e pela educação das recorrentes e nunca lhes prestou o apoio que é devido aos filhos; 19 - Antes pelo contrário, o recorrido até diz que centrou toda a sua vida pensar num único filho; 20 - Coloca o recorrido a possibilidade de ser pai das recorrentes, mas nunca curou de saber delas e do seu bem estar e felicidade e ainda por cima considera-se o grande prejudicado com a ação por elas proposta e por isso anda triste, acabrunhado e revoltado; 21 - Nem sequer podem colher argumentos de carácter económico, nomeadamente, a perspetiva do investigante ser herdeiro e causar dessa forma um rombo nas expectativas dos herdeiros do investigado, nomeadamente de outros filhos; 22 - É da mais elementar justiça, pois as pretensões patrimoniais são inteiramente legítimas no caso de se confirmar a paternidade, pois essas também são as do filho nascido do casamento, conforme aliás é dito na contestação, o qual aliás toda a vida foi beneficiado relativamente às recorrentes porque sempre foi acompanhado e apoiado pelo progenitor; 23 - Os filhos têm direitos patrimoniais, não se podendo discriminar os filhos nascidos fora do casamento (art° 36° n° 4 da CRP); 24 - O interesse público da estabilidade das relações jurídicas é que as relações de paternidade se estabeleçam de forma a evitar casamentos consanguíneos, pelo que aqui também não pode colher a limitação temporal do direito de ação de investigação de paternidade; 25 - Não pode, por um lado a ordem pública impor o impedimento dirimente relativo do casamento entre pessoas parentes na linha reta ou no 2° grau da linha colateral (art° 1602° Código Civil) e por outro lado impedir que os cidadãos desencadeiem mecanismos tendentes a estabelecimento da sua paternidade, da sua identidade, da sua história de família; 26 - É do interesse da ordem pública a fixação das relações de parentesco, veja-se a consagração da averiguação oficiosa; 27 - A limitação temporal imposta pelo n° 1 do art° 1817° do Código Civil, não permite um justo equilíbrio de interesses, protege os interesses do investigado e da sua família, permitindo-lhe que permaneça acoutado na sua omissão e ou irresponsabilidade de não reconhecimento de paternidade e descura os interesses do investigante e da ordem pública da estabilidade das relações jurídicas; 28 - O Tribunal a quo considerou apenas os interesses do investigado, do recorrido; 29 - Por ser inconstitucional o previsto no nº1 do art° 1817° e no art° 1873° do Código Civil não deveria ter o Tribunal a quo aplicado as referidas normas e em consequência julgado procedente a exceção perentória da caducidade; 30 - Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 13º, nºs 1 e 2, 18° nºs 1 e 2, 26°, nºs 1 e 3 e 36° nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa.
Concluem pedindo a revogação da Decisão recorrida.
Foram apresentadas Contra-alegações pelo Réu que não apresentou conclusões, concluindo pela manutenção da decisão recorrida.
II- Delimitação do objecto do recurso.
A problemática da apelação, atinente à questão da caducidade da acção resolve-se pela apreciação da constitucionalidade da norma que a previne no Código Civil – o seu artigo 1817º, nº1, do CC, na redacção emergente da Lei nº 14/2009.
E esse juízo de constitucionalidade, como aliás, resulta das alegações e contra – alegações do recurso, vem merecendo da jurisprudência e doutrina respostas diversas e antagónicas, existindo jurisprudência que considera contrária ao texto constitucional qualquer limitação temporal ao exercício de acção desta natureza.
III-Fundamentação.
3.1 Cumpre apreciar e decidir.
São os seguintes os factos que nesta fase estão apurados e que relevam para a apreciação do recurso interposto.
1-A presente acção foi instaurada a 14 de Outubro de 2014.
2- As autoras Maria S e Maria T nasceram a 7 de Abril de 1945 e 28 de Março de 1949...
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