Acórdão nº 8732/12.4TBBRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE SEABRA
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrentes: B. e C..

Recorrida: “ D., SA ”.

Tribunal Judicial de Cabeceiras de Bastos – Secção Única.

* i). E. e marido, F. deduziram a presente oposição à execução que lhe foi instaurada por “ D., SA ”, alegando que, a pedido do filho G., compraram à sociedade “ H., Lda. ” uma viatura de marca Citroen, modelo Jumper, de matrícula …VX, tendo sido a compra de tal viatura financiada através do contrato de crédito n.º 616918, celebrado entre a exequente [...] e os executados, destinando-se a quantia mutuada a financiar o pagamento da dita viatura.

Referem que em data anterior a 2.06.2008, procederam à entrega da aludida viatura VX ao vendedor I., gerente e único sócio da sociedade “ H., Lda. ”, em troca de uma nova viatura de marca Renaul Mégane II Break Diesel, matrícula… BS, cujo pagamento foi efectuado através de um novo contrato de crédito ao consumo.

Mais alegam que, em consequência da dita troca de viaturas, o referido gerente obrigou-se perante eles a liquidar todas as responsabilidades decorrentes do contrato de crédito anterior (n.º 616918). Assim, a viatura VX esteve na sua posse (do dito gerente) desde 2.06.2008 até Dezembro de 2011, tendo o mesmo gerente assumido a dívida e procedido ao pagamento das prestações mensais respectivas pelo período de três anos, entre Junho de 2008 e Julho de 2011.

Mais referem que no momento da assinatura e celebração do contrato de crédito 616918 não lhes foi entregue um exemplar do contrato e que o mutuante ou o seu representante não lhes leram, nem explicaram as clausulas contratuais gerais constantes do contrato de financiamento, não tendo estes conhecimento completo e efectivo das consequências para o seu património pessoal e conjugal.

Mais alegam que a viatura foi entregue à exequente a 21.12.2011, não lhes tendo esta comunicado o valor em que a viatura foi avaliada, o montante pelo qual foi vendida, não tendo sido deduzido o valor da viatura no valor alegadamente em dívida.

Por último, sustentam que a livrança exequenda foi preenchida abusivamente pois que, por um lado, nela não está compreendido o valor da viatura entregue e [...] e vendida pela exequente e, ainda, inclui a mesma livrança juros remuneratórios calculados sobre as prestações vincendas, o que se lhe mostra vedado pelo Acordão Uniformizador de Jurisprudência n.º 7/2009.

ii). A exequente, notificada para contestar, veio invocar impugnar os fundamentos da oposição, sustentando, no essencial, que foi entregue aos executados uma cópia do contrato em apreço, que lhe foram prestadas as informações devidas e adequadas quanto ao teor do contrato e das suas clausulas, que o preenchimento da livrança corresponde ao pactuado e, ainda, que um qualquer eventual acordo quanto à assunção da dívida dos executados por parte do fornecedor da viatura (o gerente da sociedade vendedora da dita viatura) lhe não é oponível, pois que nenhum consentimento ou autorização concedeu a essa assunção ou transmissão de dívida.

Concluiu pela improcedência da oposição.

* iii). Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador-sentença, que julgou parcialmente procedente a oposição e ordenou o prosseguimento da execução pelo montante de € 15. 900, 04, a que acrescem juros de mora, vencidos desde Julho de 2012.

* * iv). Inconformados com a dita sentença, dela vieram interpor recurso de apelação os executados, deduzindo as seguintes conclusões: I. Por douta sentença foi julgada parcialmente procedente a oposição e em consequência ordenou-se o prosseguimento da execução pelo montante de € 15. 900, 04, a que acrescem juros de mora, vencidos desde 10 Julho de 2012.

II. Foi determinante para a decisão em apreço, resultar provado que os oponentes assinaram no local destinado à assinatura dos mutuários num documento intitulado “ contrato de financiamento para aquisição de crédito ”, datado de 23.12.2007, nele figurando os executados como mutuários e a exequente como entidade mutuante.

III. A assinatura dos executados encontram-se abaixo das condições particulares do contrato de financiamento em causa e além do mais contém os seguintes dizeres : «os clientes declaram conhecer todas as condições e clausulas do presente contrato de crédito (composto pelas presentes condições particulares e pelas condições gerais constantes do verso ou de anexo ao presente documento), sobre os quais foi/foram devidamente informado(s), tanto por lhe(s) ter sido dado a ler, como por lhes ter sido fornecido um exemplar.» IV. Considerou o tribunal a quo que o contrato de financiamento em causa constitui um documento particular (cfr. art. 363º, n.º 1 e 2 do Cód. Civil), impondo-se considerar como verdadeiras as assinaturas nele apostas pelos executados, por que não impugnadas, de acordo com o n.º 1 do art. 374º do Cód. Civil.

V. Pelo que, no âmbito dos arts. 374º, n.º 1, 376º e 358º do Cód. Civil, foi dada como assente a autoria de tais assinaturas e letras, bem como as declarações atribuídas aos oponentes.

VI. O DL n.º 446/85 de 25.10 que constitui a lei expecial reguladora da matéria respeitante às CCG que prevalece sobre sobre a lei geral, neste caso os arts. 374º, 376º e 358º citados.

VII. O n.º 3 do art. 5º do referido DL 446/85 faz recair sobre o proponente o ónus de prova da comunicação atempada e efectiva das cláusulas contratuais gerais e particulares.

VIII. Assim, entendemos que o regime previsto no art. 5º, n.º 3 do citado DL, respeitante ao ónus de prova é o aplicável no caso em apreço.

IX. Da declaração aposta pela exequente no rosto do contrato de financiamento a crédito, a seguir às clausulas contratuais particulares, que consta de F) da matéria provada, não resulta inequivocamente a real e efectiva comunicação e prestação de informações, com a real tomada de conchecimento do clausulado pelos executados.

X. Da análise do contrato de financiamento para aquisição a crédito, verifica-se que as clausulas contratuais gerais localizadas no verso do contrato em causa, não se encontram assinadas ou rubricadas.

XI. O art.8º, al. d)- do DL n.º 446/85 pretende sancionar as clausulas sobre as quais não tenha incidido a vontade cabal do declarante e quanto às quais não podemos afirmar um conhecimento efectivo e cabal, porque não assinadas pelo aderente, não se podendo presumir que foram conhecidas por ele.

XII. Os deveres de comunicação e informação são determinados no caso concreto, face ao nível cultural do aderente, à complexidade do negócio e à extensão do clausulado, a fim de proporcionar as informações e esclarecimentos necessários indispensáveis à compreensão da estrutura prático-jurídica do negócio e da sua possível vinculação a gravosos efeitos ou consequências.

XIII. Os deveres de comunicação e informação impunham-se à exequente com especial acuidade, atentas as fracas ou quase inexistentes habilitações literárias dos [...] executados, as clausulas contratuais gerais conterem letra muito pequena, de constarem do verso do documento onde se encontravam as condições particulares.

XIV. Na verdade, apenas quando receberam a citação dos presentes autos, com a livrança preenchida, os executados compreenderam os prejuízos que podiam advir para o seu património da assinatura do contrato em apreço e celebrado em 23.12.2007.

XV. Os oponentes alegaram no art. 8º da sua oposição que, em data anterior a 2.06.2008, entregaram a viatura VX ao vendedor, gerente e único sócio da sociedade “ H., Lda. ”.

XVI. Ora, não obstante ter a exequente alegado desconhecer esse facto, tinha ela conhecimento de quem lhe pagava a prestação mensal da viatura VX e bem sabia que não eram os recorrentes que efectuavam esse pagamento, pelo que tal facto deve ser julgado como provado.

XVII. Apesar da entrega da viatura ter ocorrido em 21.12.2011, o pagamento das prestações era efectuado pelo gerente da aludida sociedade unipessoal, pelo que o cumprimento do contrato de financiamento não foi assegurado pelos executados mas pelo gerente da dita sociedade.

XVIII. Em suma, os executados apenas pagaram as prestações mensais entre Janeiro e Junho de 2008, não tendo ocorrido um cunprimento prolongado no tempo.

XIX. Assim, do comportamento dos executados não resulta o exercício ilegítimo de um direito, não excendendo os recorrentes os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, sem prescindir, o instituto do absuo de direito é subsidiário e não é aplicável ao caso em apreço.

XX. Por todo o exposto, violou o Meretíssimo Juiz, entre outros, os arts. 5º, n.º 3 e 8º do DL n.º 446/85 de 25.10. e o art. 334º do Cód. Civil.

Concluíram os Recorrentes pelo provimento do recurso, com a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto «conforme se especifica» e com a alteração «da matéria de Direito nos termos supra descritos».

* * A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais, no essencial, manteve a posição manifestada na sua contestação, pugnando, em consequência, pela improcedência da apelação e manutenção da decisão proferida.

* * Após os vistos legais, cumpre decidir.

* * II. FUNDAMENTOS.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. arts. 635º, n.º 3, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, as questões suscitadas no recurso, centram-se na alteração da matéria de facto provada [ dando por provado que a exequente, a partir de 2.06.2008, sabia quem lhe pagava a prestação mensal da viatura VX - o gerente da sociedade “ H., Lda. ” - e que, assim, não eram os executados quem efectuava tal pagamento ] – vide conclusões XV e XVI do recurso –, no não cumprimento pela exequente/financiadora/proponente dos deveres de comunicação e informação do clausulado do contrato de financiamento que deu origem ao preenchimento e execução da livrança exequenda, à luz do...

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