Acórdão nº 342/13.5TBVNC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO D… intentou a presente acção declarativa contra F… e marido I…, pedindo que: a) seja julgado válido e eficaz o testamento ológrafo celebrado em França pelo falecido C…; b) se declare que da herança do falecido fazem parte integrante os bens que identifica na petição inicial (um prédio urbano e um rústico e depósitos bancários no montante global de € 96 416,25); c) por força de tal testamento, se declare o Autor como único e universal legatário e proprietário dos referidos imóveis e quantias monetárias; d) se declare nula a habilitação de herdeiros por via da qual a Ré mulher se instituiu herdeira do falecido C.; e) se ordene o cancelamento dos registos que incidem sobre os imóveis em causa; f) se condenem os RR. a devolver todas as quantias que foram transferidas das contas identificadas na petição inicial.

Para tanto alega, em síntese, que C…, nascido a 21 de Outubro de 1952 em Portugal, no dia 18 de Novembro de 2011, redigiu, datou e assinou pela sua própria mão, em língua francesa e em França, numa folha de papel branco, o seu testamento, nos termos do qual legou ao A. todos os seus bens móveis e imóveis presentes ou futuros que venham a compor a sua herança, no qual declarou revogar expressamente qualquer testamento anterior.

Mais alega que C… faleceu no dia 19 de Maio de 2012, em França, país onde residia definitivamente desde 1969, no estado de solteiro, sem deixar ascendentes nem descendentes, acrescentando que, após o seu falecimento, o mencionado testamento foi depositado num Cartório Notarial francês, o que, em seu entender, cumpre o requisito da solenidade da forma na fase da aprovação a que se refere o artº. 2223° do Código Civil.

Refere, ainda, que em 12 de Junho de 2012, por procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e registos celebrado na Conservatória do Registo Civil de Vila Nova de Cerveira, a Ré mulher instituiu-se herdeira do mencionado C…, declarando para o efeito que o falecido não deixou testamento ou qualquer disposição de última vontade, pese embora ter conhecimento do testamento em causa.

Após tecer algumas considerações sobre as normas de conflitos aplicáveis, conclui afirmando que a interpretação do testamento deve fazer-se segundo a regra de direito português aplicável, nos termos do artº. 35º, nº. 1 do Código Civil.

Os RR., em sede de contestação, alegam serem os familiares mais próximos do falecido C…, sendo a Ré mulher, tia materna daquele, ao abrigo da lei portuguesa, a sua legítima sucessora, tendo eles tratado de todos os assuntos relativos ao funeral do C… (cumprindo a vontade por ele manifestada aos RR. de que gostaria de ser sepultado em Portugal, junto da sua falecida mãe), da respectiva participação do óbito à Fazenda Nacional, indicado quem lhe sucedia, efectuado a respectiva habilitação de herdeiros e pago os respectivos impostos sucessórios, nunca tendo o falecido comentado com os RR. qualquer assunto relacionado com o alegado “testamento”.

Acrescentam que tendo tido sempre o falecido C…, emigrante em França, a nacionalidade portuguesa, é de aplicar o citado artº. 2223° do Código Civil, ao abrigo do qual o testamento em questão não deverá ser reconhecido em Portugal, não sem antes colocarem em causa a própria atribuição ao falecido da redacção, letra e assinatura do documento que alegadamente contém o testamento, sendo que o referido depósito num Cartório Notarial apenas ocorreu após o óbito sem que, ainda em vida, o C… tivesse atestado perante o Notário que aquele documento era o seu testamento e que consubstanciava a sua última vontade, de forma livre e esclarecida, para além de que a assinatura constante do mesmo é ilegível, não estando atestada ou verificada a sua autenticidade pela correspondente autoridade pública ou privada.

Referem, ainda, que para esse testamento produzir efeitos em Portugal, deveriam ter sido respeitadas quer a forma, quer as formalidades impostas pela lei portuguesa relativas ao testamento, o que não se verificou no caso em apreço, em face da preterição das normas imperativas dos artºs 65º, nº. 2 e 2223º do Código Civil.

Concluem que deve ser considerado inválido, ineficaz e sem qualquer efeito perante a lei portuguesa, que é a lei da nacionalidade do “de cujus” e, por isso, reguladora em matéria de sucessões, nos termos dos artºs 25º e 31º, nº. 1 do Código Civil, pugnando pela improcedência da acção, com a consequente absolvição dos RR. do pedido.

Em 10/03/2015 realizou-se audiência prévia para discussão das questões de direito que se suscitam, previamente ao conhecimento imediato do mérito da causa.

Em 26/03/2015 foi proferido despacho saneador, que conheceu do mérito da causa em face dos elementos constantes do processo, sem necessidade de mais provas, julgando improcedentes os pedidos formulados pelo Autor e, em consequência, deles absolvendo os Réus.

Inconformado com tal decisão, o Autor dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: «1ª) A Meritíssima Juiz a quo entendeu estarmos perante um testamento, no qual falta uma forma solene de aprovação, como no artigo 2223º do Código Civil, o que acarretaria a invalidade ou ineficácia do testamento.

  1. ) No caso em apreço o testamento foi feito em França, sendo a lei pessoal do testador a lei portuguesa.

  2. ) O documento em causa é um testamento e foi redigido pelo punho do testador trata-se de um testamento ólografo.

  3. ) Nos termos do art. 2223º do Código Civil – “ O testamento feito por cidadão português em país estrangeiro com observância da lei estrangeira competente só produz efeitos em Portugal se tiver sido observada uma forma solene na sua feitura ou aprovação”.

  4. ) O artigo 31º, nº 2, indica claramente qual é tal conexão, que deve existir entre o negócio jurídico praticado por cidadão português em País estrangeiro, e a lei que neste vigore, e ao abrigo da qual o negocio jurídico surgiu: esse cidadão português deve ter residência habitual no País estrangeiro, em referência.

  5. ) A lei francesa (artigo 969 do Código Civil) prevê expressamente que o testamento possa ser ólografo, ou seja, todo escrito pela mão do testador e exige então, para a sua validade, que ele seja totalmente escrito, datado, e assinado pela mão do testador, sem sujeição a qualquer outra forma.

  6. ) Ora, salvo o devido respeito entendemos que foi também acatado o requisito do referido artigo 2223º do Código Civil Português, de "forma solene" na feitura do testamento, já que esta expressão deve significar o mesmo que forma escrita, ficando apenas excluída a eficácia do testamento puramente nunarpativo, ou seja oral.

  7. ) O "ou" no artigo 2223º do C.C. surge claramente como conjunção disjuntiva, no sentido de que basta a forma solene na feitura, ou então na aprovação do testamento, não sendo exigível esse requisito de "forma" nas duas fases.

  8. ) Temos, portanto, que o mencionado artigo 2223º do Código Civil Português não impõe a aprovação do testamento ólografo, como o do falecido por parte do notário francês junto do qual se procedeu ao seu depósito.

  9. ) Se a ordem jurídica portuguesa reconhece eficácia e relevância em Portugal a testamento feito por cidadão português em país estrangeiro, com observância da lei estrangeira, observados que sejam certos requisitos de forma (artigo 2223º, Código Civil) temos necessariamente que o enquadramento legal do testamento em referência deve ser dado por essa lei estrangeira, tida como observada, ou seja aqui a francesa, e não pela lei portuguesa.

  10. ) Acresce que, da matéria dada como provada verifica-se de forma evidente, a conexão entre o testamento do falecido e a lei francesa, que o regeu, exigida pelo artigo 31º, nº 2, do Código Civil, já que a residência habitual do testador era em França, aquando da feitura desse negócio jurídico unilateral, como se acha dado como assente.

  11. ) Ora, o facto do falecido ter celebrado o dito testamento em França, e ter sido depositado no notário francês, com observância da lei francesa, e por forma escrita, e o falecido residir habitualmente em França pelo menos desde 1969, aquando da sua feitura - artigos 2223º, e 31º, nº 2, do Código Civil, encarados conjugadamente, como se impõe, faz com que forçosamente tal testamento seja reconhecido válido e eficaz em Portugal – Nesse sentido Acordão STJ de 12-05-1992.

  12. ) E sendo assim deve o recorrente ser considerado como único...

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