Acórdão nº 235/14.9GAPTL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelDOLORES SOUSA E SILVA
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório No âmbito dos autos de Instrução n.º 235/14.9gaptl, da instância Central de Instrução Criminal de Viana do Castelo, foi proferido despacho que decidiu, “rejeitar o requerimento de abertura de instrução, formulado pela assistente Maria L., por falta de objecto legal suficiente (factos) do requerimento e, pois, por inadmissibilidade legal”.

Inconformada, a assistente, interpôs recurso dessa decisão, conforme motivação de fls. 242 a 255 dos autos, sumariando as seguintes conclusões: «1. Acham-se amplamente explicadas e desenvolvidas todas as circunstâncias do acidente, maxime que o mesmo ocorreu por falta de medidas de prevenção, quer no que toca às condições gerais de trabalho e equipamentos quer no que respeita às condições do local onde se encontrava a máquina.

  1. Com efeito, consta alegado quanto ao crime de violação das regras de segurança que: a) Não existia um Plano da Pedreira, Plano de Segurança e Saúde específico da pedreira, integrador das regras de segurança, bem como não existia o também legalmente exigido Responsável Técnico da Pedreira.

    1. Não havia medidas específicas de prevenção e/ou proteção junto à máquina giratória, sabendo-se que os trabalhadores presentes no local, como no caso aconteceu, teriam de circular junto à mesma.

    2. A máquina giratória, no momento do acidente, não dispunha de sinal sonoro de aviso da sua movimentação.

  2. Quanto ao crime de homicídio por negligência vem alegado que o manobrador da máquina realizou a manobra de rotação da lança da giratória sem se certificar que não se encontrava nenhum trabalhador na zona de alcance da mesma, sabendo ele que se tratava de uma probabilidade relevante face às zonas de intervenção dos vários trabalhadores presentes.

  3. Atentos esses factos, importa realizar os necessários atos instrutórios que levem a aprofundar e comprovar as condições a que deve obedecer o Plano de Segurança e Saúde na pedreira onde ocorreu o sinistro, face à legislação retro identificada; as condições de segurança asseguradas à circulação de pessoas (trabalhadores) pelo local junto à máquina giratória; as causas e circunstâncias que levaram o sinistrado a circular a pé junto àquela máquina e as condições de segurança daquela máquina, particularmente no que se refere ao sinal sonoro de aviso de arranque.

  4. O requerimento de Abertura de Instrução contém matéria de facto suficiente para qualquer dos crimes invocados, a título de negligência, não carecendo de mais desenvolvimentos ou especificações.

  5. Mas se porventura se entendesse que esse requerimento estava incompleto ou a carecer da concretização de alguns factos não suficientemente concretizados, dir-se-ia então que o convite ao aperfeiçoamento do requerimento de Abertura de Instrução é perfeitamente viável.

  6. O entendimento expresso no douto Despacho recorrido, no sentido de que o convite ao aperfeiçoamento encontra-se previsto para o processo civil, não sendo aplicável ao processo penal, é de sentido contrário a praticamente toda a jurisprudência, com particular realce o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n° 7/2005 (publicado no D.R. a Série A de 04/11/2005).

  7. A douta decisão recorrida não deu correta interpretação ao estipulado nos n°s 2 e 3 do artigo 287° do Código de Processo Penal.

    Termos em que, com o sempre douto suprimento de V. Excias., deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a douta decisão recorrida de rejeição do requerimento de Abertura da Instrução, sendo substituída por outra em que a mesma seja admitida, com vista a ser deduzida acusação contra os arguidos, nos termos invocados no referido requerimento, a saber: Pelo crime de violação das regras de segurança, p. e p. pelo n.º 1 do artigo 152.º - B do Código Penal (ex vi artigo 11.º do Código Penal), contra:

    1. O gerente da sociedade “P…., com domicílio profissional na sede desta, no lugar de S… — …; b) A sociedade “….”, com sede no endereço supra indicado; Pelo crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo n.º 1 do artigo 137.º do Código Penal, contra José M., manobrador da máquina giratória, melhor identificado nos autos.

    Caso assim se não entenda, por eventualmente se considerar que o requerimento de Abertura de Instrução carece da alegação de alguns factos, ou tipo de factos, não suficientemente concretizados, deverá, nesse caso, ser a ora recorrente convidada a aperfeiçoar o seu requerimento de Abertura de Instrução.»*Admitido o recurso, o Mº Pº na primeira instância apresentou a sua resposta, onde pugnou pelo não provimento do recurso.

    Por sua, vez, o arguido José M.apresentou também resposta que terminou com as seguintes conclusões: «1.

    As alíneas b) e c) do n.º 3. do artigo 283º do Cód. Proc. Penal, determinam quais os elementos que obrigatoriamente a acusação deve conter e, por força da remissão constante no artigo 287º do Cód. Proc. Penal, também o requerimento de Abertura de Instrução.

  8. O requerimento de abertura de instrução presentado pela Assistente não obedece a tais formalidades, padecendo de vícios que determinam efetivamente a sua inadmissibilidade legal.

  9. Desde logo, ao não fazer qualquer referência aos elementos subjetivos do tipo legal de crime nem do dolo (na modalidade de dolo direto, necessário ou eventual) ou negligência com que o arguido alegadamente terá praticado os factos.

  10. Sendo que a decisão instrutória de pronúncio do arguido está obrigada a cingir-se aos factos constantes do requerimento de abertura de instrução (sob pena de nulidade), uma decisão de pronúncia baseado no requerimento o apresentado pelo Assistente sempre estaria condenado à nulidade decorrente da falta de descrição e concretização dos elementos objetivos e subjetivos do tipo legal.

  11. Nesse sentido, veja-se Ac. Trib. Relação do Porto, Proc. n.º 187/ll.7PDVNG-A.Pl de 04-06-2014, ReL. Pedro Voz Pato, e disponível in www.dgsi.pt.

    onde pode ler-se que: "A necessidade de indicação dos factos imputados ao arguido não é um mero prurido formalista, decorre das exigências do princípio da vinculação temática, o qual é corolário do princípio do acusatório, por um lado, e, por outro lado, do princípio do contraditório e do respeito pelas garantias de defesa do arguido”.

  12. E ainda que: “se o requerimento de abertura de instrução não delimita o objeto do processo, nunca poderá conduzir, à luz dos princípios básicos referidos, à pronúncia sendo, por isso, a instrução legalmente inadmissível”.

  13. Assim, e dado que a Assistente nada alega, nada imputa no que aos elementos subjetivos do tipo legal diz respeito, o seu requerimento nunca poderia (como não pode) vir a fundar uma decisão de pronúncia que (a existir) seria, necessariamente nula, razão pela qual não pode ser admitida.

  14. Pelo que, são manifestamente infundados todos os argumentos invocados pela Assistente nas suas conclusões de recurso, não merecendo qualquer censura o douto despacho que decidiu rejeitar o requerimento de abertura de instrução.

    TERMINA pedindo que seja negado provimento ao recurso interposto pela Assistente Maria L., com as legais consequências.

    »*O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal, emitiu douto Parecer concluindo: «É nosso parecer que o recurso da assistente merecerá parcial provimento, este confinado à concreta imputação ao arguido José M. de um crime de homicídio por negligência p. e p. pelo art. 137º, n.º1 do C. Penal.»*Foi cumprido o disposto no art. 417º n.º 2, do C.P.P.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    *II – Fundamentação.

  15. Consoante decorre do disposto no art. 412º n.º 1, do Código de Processo Penal, e é jurisprudência pacífica [cfr., entre outros, Acórdão do STJ de 24/3/1999, CJ-STJ, Ano VII, Tomo I, pág. 247 e segs. – especialmente fls. 248, último parágrafo], são as conclusões, extraídas pelo recorrente da sua motivação, que definem e delimitam o objecto do recurso.

    Questão a decidir: - Averiguar se o RAI formulado pela assistente contém os factos necessários para que os arguidos possam ser responsabilizados pelos crimes que lhes são imputados no mesmo.

    *2.O Despacho Recorrido: «Requerimento de abertura de Instrução formulado a fls. 153 a 167 pela assistente Maria L.

    : Inconformada com o despacho de arquivamento proferido nos autos, veio a assistente formular requerimento de abertura de Instrução com a seguinte fundamentação: (…) 1.

    Como se procurará deixar claro, o Despacho de Arquivamento, aliás douto, assenta em determinados pressupostos factuais que não têm correspondência com a realidade.

  16. Com efeito, as circunstâncias que rodearam o lamentável acidente têm contornos bem distintos daqueles que foram dados a conhecer no Inquérito (e no processo aberto pelo ACT - Autoridade para as Condições de Trabalho), que passamos a descrever.

    Os Factos 3.

    Desde dois ou três dias antes do acidente destes autos que, para além do manobrador da máquina giratória (José M.), os trabalhadores da pedreira estavam divididos em duas equipas de trabalho, uma a laborar a cerca de 50 metros abaixo do local onde se encontrava aquela máquina na data do acidente (atento o sentido descendente do terreno), composta pelos trabalhadores Manuel P. e João M., ambos da sociedade “M…. “, e outra a cerca de 20 metros acima do referido local da mesma máquina, composta pelo trabalhador José F., da sociedade “P…. “, e pelo sinistrado, este da sociedade “M….”.

  17. Tudo com enquadramento no Contrato de Prestação de Serviços que está nos autos, pelo qual a sociedade “M….” se obrigou a prestar à “P….” os serviços contemplados na cláusula Terceira daquele Contrato, assumindo-se esta como a detentora dos direitos de exploração sobre a pedreira em causa.

  18. Cabendo ainda referir, nas descritas circunstâncias de tempo e lugar que a máquina giratória manobrada pelo referido José M., propriedade da sociedade “P….” (ou sob a direção efetiva desta), destinava-se a movimentar e a carregar para camiões as pedras que saiam da pedreira, principalmente do local onde...

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