Acórdão nº 134/14.0TBAMR-G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I - Relatório O ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Ministério Público, veio intentar a presente Acção de Processo Comum contra B. e mulher, C. e D..

Para tanto alega em síntese: Que em Setembro de 2009 os 1ºs Réus eram devedores ao Estado Português da quantia de €2.765,91 a título de IRS do ano de 2008 e que em 23/04/2012 foi instaurado processo executivo contra o 1º Réu, tendo por base pedido de cobrança de dívidas fiscais de IRS e IVA por parte do Estado Francês no valor de €78.634,79.

Que à data das citações para os processos executivos os 1ºs Réus eram proprietários de dois imóveis identificados no artigo 11º da petição inicial e que antecipando a penhora doaram à sua filha D., segunda Ré, os referidos imóveis.

Que os primeiros Réus agiram com intenção de causar prejuízo ao Autor no valor dos bens transmitidos e que se trata de negócios simulados e consequentemente nulos.

Conclui pedindo seja declarada a ineficácia em relação ao Autor da transmissão dos imóveis sendo a segunda Ré condenada a restituir esses bens na medida necessária à satisfação integral do crédito do Autor, permitindo-se a respectiva execução no património desta mesma Ré e subsidiariamente, seja declarado nulo o referido negócio de transmissão de propriedade, com as legais consequências.

Os Réus regularmente citados vieram contestar, aceitando os créditos alegados pelo Autor e a doação dos imóveis, mas dizendo que eram ainda proprietários de um veículo automóvel e que à data em que foram instaurados os processos de execução fiscal os Réus B. e C. viviam sérias dificuldades económicas fruto da crise no sector da construção civil mas também de problemas de saúde de que o Réu padece e que não conseguindo fazer face ao pagamento das prestações dos créditos contraídos na Caixa Geral de Depósitos e de outros empréstimos. Face às suas dificuldades económicas, a Ré D. prontificou-se a pagar a prestação dos créditos e a entregar aos pais €10.000,00 sob a condição destes lhe transmitirem a propriedade dos referidos prédios.

Que os Réus quiseram efectivamente doar à filha os prédios inexistindo qualquer simulação, sendo que não pretenderam impedir o Autor de obter a satisfação coerciva dos créditos mas sim evitar a situação de incumprimento perante a Caixa Geral de Depósitos, nunca tendo querido causar prejuízo ao Autor.

Mais invocam o pagamento da divida respeitante ao IRS do ano de 2008.

Foi realizada audiência prévia na qual o D. M. do M.º P.º se pronunciou sobre a excepção de pagamento invocada pelos Réus no sentido de se encontrar extinta pelo pagamento a divida respeitante ao IRS do ano de 2008, pagamento esse efectuado em 30/09/2014, tendo sido proferido despacho saneador, delimitando o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

A final foi proferida sentença que julgou procedente a acção e consequentemente declarou a ineficácia, em relação ao Autor, do acto de transmissão dos imóveis, consubstanciado no título de doação referida no ponto 11) dos factos provados, e condenou a Ré D. a restituir tais bens ao património dos Réus B. e C. na medida necessária à satisfação integral do crédito do Autor permitindo-se a respectiva execução no património da Ré D..

Os RR. não se conformaram e interpuseram o recurso de apelação, no qual apresentaram as seguintes CONCLUSÕES: 1) Os Réus não concordam com a Douta Decisão sobre a matéria de direito, que fez com que o tribunal considerasse procedente a presente acção, determinando a ineficácia do contrato celebrado entre os Réus relativamente ao Autor.

2) É pois quanto a esta sentença que os Réus B. e C. pretendem deduzir impugnação por via de recurso, circunscrevendo-lhe as suas alegações e conclusões de recurso.

3) Através da matéria de facto dada como provada devia o tribunal recorrido ter dado como não preenchidos os pressupostos da impugnação pauliana, e como tal devia ter absolvido os Réus do pedido.

4) De facto, e através da matéria de facto dada como provada, podemos afirmar convictamente que um dos pressupostos para se verificar a procedência da acção de impugnação pauliana não se encontra preenchido, pois contrariamente ao que o tribunal afirma, o negócio jurídico celebrado entre os Réus tratou-se de um acto oneroso, não tendo o Autor logrado provar que os Réus agiram de má-fé, mais concretamente, que a Ré C. e D. agiram de má-fé quando celebraram o contrato em causa neste processo.

5) Através do contrato celebrado, e como foi dado como provado, como contraentes temos de um lado o Réu B. e C. que “doam” dois imóveis avaliados em pouco mais de 100.000,00 euros, do lado passivo temos duas hipotecas, uma garantindo o capital de 60.214,73 euros, com um montante máximo assegurado de 84.745,01 euros, e outra o capital de 15.000,00 euros, e um montante máximo assegurado de 21.110,70 euros, e como outra contraente temos a Ré D. que aceita tal “doação” tendo como contrapartida de pagar os empréstimos contraídos pelos primeiros réus junto da Caixa Geral de Depósitos, 6) Sendo que, como os primeiros Réus entraram em incumprimento perante o banco, no momento do julgamento, o capital em dívida, perante tal banco, capital esse a que acrescem os juros pela mora, já ultrapassava o valor de 100.000,00 euros.

7) Ora, atendendo ao valor patrimonial dos bens doados, e à contrapartida assumida pela Ré D. de liquidar os empréstimos em questão, nunca poderia o tribunal ter afirmado que através de tal contrato celebrado se constituiu uma liberalidade.

8) Foi dado como provado que o título de propriedade dos dois imóveis apenas foi transferido para a esfera jurídica da Ré D. pois esta se comprometeu a pagar os empréstimos relativos a essas duas hipotecas, tendo ainda se dado como provado que esta efectuou sempre o pagamento mensal das prestações relativo a essas hipotecas, quer antes, quer depois de celebrado tal contrato.

9) Tal contrato celebrado nunca constituiu nenhuma liberalidade, nem se poderá afirmar que o pagamento de tão elevado montante ao Banco constitui limite a essa liberalidade.

10) Por outro lado, nunca existiu por parte dos Réus B. e C., e tal como foi dado como provado, um animus donandi, nunca existiu um espírito de liberalidade! (Ac. do S.T.J. de 06-05-1998, proc. nº 98B295) 11) Logo, em tal contrato não se verificou a existência de um dos elementos essenciais para considerarmos que estamos perante uma doação: o animus donandi.

12) Por outro lado, e da matéria de facto dada como provada, podemos afirmar convictamente que tanto a Ré C., como a Ré D., estavam de boa-fé! 13) Tanto uma como outra, e tal como foi dado como provado, não eram conhecedoras da dívida que o Réu B. tinha perante o Estado Francês, logo não tinham conhecimento da existência deste credor.

14) Ambas as Rés não actuaram com dolo, nem muito menos com negligência consciente! 15) De facto, e como já referimos, e reiteramos, o animus contrahendi da Ré C. e D. ao celebrarem o contrato em questão, foi unicamente resolver um problema que se vinha arrastando, que era o incumprimento das prestações mensais relativas aos empréstimos contraídos junto do Banco.

16) Assim, podemos concluir que o Tribunal deveria ter classificado o contrato celebrado entre os Réus, e aqui objecto de impugnação pauliana como contrato oneroso, estando os Réus de boa-fé aquando a celebração do mesmo.

17) NESTES TERMOS, DEVE SER REVOGADA A SENTENÇA PROFERIDA PELA PRIMEIRA INSTANCIA, E SER DECLARADA A REFERIDA ACÇÃO COMO NÃO PROCEDENTE, ABSOLVENDO-SE OS RÉUS DOS PEDIDOS.

18) Sem prescindir, por outro lado, também não se verifica o preenchimento de outro pressuposto da impugnação pauliana, nomeadamente, a verificação de um prejuízo para o credor.

19) Através da doação do imóvel localizado em Amares, e sobre o qual incide uma hipoteca, não foi provocado no credor um prejuízo traduzido na impossibilidade de obtenção da satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa possibilidade! Não se verificou, pois, uma diminuição da garantia patrimonial do crédito!!! 20) Tal como se reconheceu em sede de audiência de julgamento, a hipoteca que onera o imóvel sito em Amares é de valor superior a 80.000,00 euros, sendo que o valor patrimonial deste imóvel de 71.380,00 euros.

21) Ora a Ré D. aceitou a transmissão da propriedade desse imóvel para a sua esfera jurídica, tendo como contrapartida o pagamento de dois empréstimos relativos a duas hipotecas registadas sobre esse imóvel, hipotecas essas cujos valores são muito superiores ao valor patrimonial desse imóvel.

22) Tal imóvel, a se manter a decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância, sendo penhorado pelo Serviço de Finanças de Amares, e vendido em sede de execução fiscal, o valor da venda de tal imóvel irá com toda a certeza “parar aos bolsos” do banco Caixa Geral de Depósitos, pois este detém uma hipoteca sobre tal imóvel.

23) De facto, o facto da sentença proferida na 1ª instância no âmbito deste processo ser, hipoteticamente, confirmada pelo tribunal de 2ª instância, não irá fazer com que o credor/autor Estado Português veja satisfeito o seu crédito com a venda no âmbito da execução fiscal, do imóvel sito em Amares! 24) Ao efectuar a “doação” do imóvel sito em Amares, o...

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