Acórdão nº 2068/10.2TJVNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Resulta de certidão autuada como traslado classificado como “Incidente Para a Dispensa do Dever de Sigilo” vinda da Secção Cível J2 da Instância Local do Tribunal de VN de Famalicão, Comarca de Braga, extraída, por fotocópias, de acção ordinária nº 2068/10.2TJVNF, remetida a esta Relação, o seguinte: Os autores B. e mulher C. instauraram, em 16-11-2010, no Tribunal de Vila Nova de Famalicão, acção declarativa ordinária contra os réus D., E. e marido F. e G. e marido H..

Nela formularam o pedido de que se declare resolvido um contrato promessa celebrado entre eles e os réus e de que se condenem estes a restituir-lhes o dobro da quantia entregue a título de sinal (50.000,00€) e juros.

Alegaram que, por contrato promessa de 10-10-2009, prometeram comprar e os réus prometeram vender-lhes, pelo preço de 145.000€, de que logo entregaram 25.000€, certa fracção autónoma de um prédio, e cuja escritura convencionaram que se deveria realizar no prazo de 60 dias (acto em que seriam pagos os 120.000€), embora depois prorrogado por aditamentos de 14-12-2009 e 12-03-2010, na condição de estes lhes entregarem documentos comprovativos da desoneração e sob pena de resolução do contrato. Contudo, mantiveram-se registados os ónus e, apesar de todas as tentativas, os réus não o cumpriram, impossibilitaram a execução específica, gerando a perda de interesse, o que os levou a declarar-lhes a respectiva resolução, com as inerentes consequências.

No dito contrato-promessa e nos aditamentos de 14-12-2009 e de 12-03-2010 (juntos), interveio e subscreveu-o em representação e como procurador dos réus D., E. e marido F., o Sr. Dr. I., Advogado.

O réu F. contestou, impugnando os factos e alegando que efectivamente tal procuração foi outorgada àquele seu representante mas o acordado com ele era que o preço da venda seria 120.000€ e não qualquer outro, não se tendo combinado que seria feito qualquer contrato-promessa ou aditamentos. Por isso, estes negócios são ineficazes. Além disso, o contestante só interviria como cônjuge da proprietária e para prestar consentimento à alienação.

As rés D. e E. contestaram também, em termos similares quanto ao âmbito dos poderes conferidos pela procuração e respectivos efeitos, acrescentando que o produto da venda do imóvel era para pagar, entre outros, a um seu credor exequente; foi-lhes apresentado o referido Dr. I., a quem passaram procuração apenas para realizar tal venda; porém, no uso dela, ele celebrou o dito contrato-promessa, extravasando os poderes conferidos, mas de que nunca receberam (apesar de ele em seu nome ter declarado quitação) o valor do sinal (25.000€), tendo sabido que 5.000€ foram para a imobiliária e 20.000€ para o réu H.; os autores, o co-réu H. e o Dr. I. sabiam da falta de poderes, todos se conformando; nunca às contestantes foi dado conhecimento do preço mencionado naquele contrato; todos sabiam que não era possível cumprir o prazo para realização da escritura, por causa dos ónus, para cujo cancelamento era necessário primeiro receber o preço e com ele pagar ao exequente; o referido Dr. I., em Abril de 2010, apresentou-lhes outra hipótese de solução, que era vender a fracção ao exequente, em pagamento do crédito deste, sendo ele depois a vendê-la aos autores pelo preço de 120.000€; apesar de ser pior, ele disse-lhes que era a única possível; nesse sentido, chegaram a subscrever, juntamente com os co-réus, o Dr. I. e o exequente, uma transacção junta ao processo executivo e, concomitantemente, foi-lhes entregue outro contrato-promessa, então já feito entre o exequente e os aqui autores (mas apenas por aquele assinado), estranhando datarem do dia imediato as cartas de resolução enviadas; ao pedirem explicações ao Dr. I., este disse-lhes que se não preocupassem, que as cartas eram do seu conhecimento e foram combinadas para pressionar o exequente, no que confiaram, vindo, todavia, a ser surpreendidas com esta acção, num cenário de ficarem sem a fracção e terem que pagar 50.000€.

Em resposta, os autores refutaram a versão das rés e mantiveram a sua, narrando as circunstâncias em que teriam sido feitos os acordos e em que interveio o Dr. I..

Tanto os autores como as rés D. e E., entretanto, requereram, como meios de prova, entre outros, o depoimento testemunhal de Dr. I., Advogado, sem nenhuma menção fazerem quanto à matéria de facto controversa sobre que pretendem que o testemunho incida (fls. 71 e 78).

No decurso da audiência, chamada a prestar o seu depoimento, a referida testemunha Dr. I., segundo consta da acta, depois de aos costumes ter dito conhecer os réus H. e G. “por terem sido seus clientes” e “igualmente os réus contestantes por lhe terem passado procuração para os representar num negócio”, pediu a palavra e, no seu uso, disse recusar-se a prestá-lo, “nos termos dos artºs 417º, nº 4, e 497º, ambos do CPC, para tal invocando violação do sigilo profissional”.

Pelos mandatários dos autores e pelo das rés E. e D., foi dito que tal recusa era ilegítima e requerido que se oficiasse à Ordem dos Advogados para que esta entidade se pronunciasse e, após, se determinasse a prestação do depoimento pela testemunha.

De imediato e sem mais, foi proferido o seguinte despacho: “O Tribunal poderá determinar a prestação do depoimento quando duvidando, num primeiro momento, da legitimidade da recusa conclua, após ouvida a Ordem dos Advogados (no caso), que a recusa não é legítima.

Tal não sucede no caso pois que para o Tribunal é evidente que a recusa é legítima já que os factos em causa chegaram ao conhecimento da testemunha e ocorreram com a intervenção deste no âmbito da referida actividade profissional.

É, pois, legítima a recusa.

Contudo, afigura-se-nos igualmente que o depoimento em causa é essencial e como tal serão superiores os valores de segurança e certeza jurídica em relação aos que o sigilo visa proteger.

Pelo exposto, determina-se, nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos artºs 497º, nº 3, 417º, nº 3, alínea c), do CPC, e 135º, do CPP, que se autue certidão da presente ata e dos articulados oferecidos pelas partes e se autue por apenso e se remeta o apenso com a indicação incidente para a dispensa do dever do sigilo ao Venerando Tribunal Relação de Guimarães, solicitando-se tal dispensa.

Os autos aguardarão a decisão sobre tal incidente e após será designada data para a continuação do julgamento.

Notifique.” Não consta que dele tenha havido qualquer reclamação ou recurso.

Uma vez distribuída tal certidão neste Tribunal Superior como “Incidente levantamento/quebra de sigilo”, cumprirá apreciar e decidir, primeiro, uma questão prévia relativa à suficiência da instrução do pedido tal como vem suscitado pelo tribunal de 1ª instância e, depois, caso se conclua nada a tal obstar, a questão de mérito, que consiste em saber se deve ser concedida a dispensa da obrigação de segredo profissional da testemunha arrolada.

  1. FUNDAMENTOS DE FACTO Releva, para ambas as questões, a factualidade emergente do relato supra, extraída da certidão que constitui estes autos.

  2. – APRECIAÇÃO a) Questão prévia Como deflui do relato antecedente, pelos autores e por duas das rés contestantes, numa acção ordinária tendo por objecto a resolução de um contrato promessa de compra e venda e respectivas consequências, foi arrolado como testemunha o Sr. Dr. I. e apenas referida a sua qualidade profissional de Advogado.

    Não foi, portanto, feita qualquer indicação da matéria de facto controvertida e necessitada de prova (artº 410º, CPC), ou seja do objecto do depoimento, nem da conexão deste com estatuto profissional da testemunha.

    Apesar de, na certidão, virem juntas cópias dos articulados das partes e documentos com eles oferecidos, não veio a do despacho saneador onde terão sido enunciados os temas da prova (artº 596) abrangentes dos factos essenciais articulados e ainda carentes de demonstração (artºs 552º, nº 1, d), e 572º, e).

    Por sua vez, no despacho proferido pelo tribunal de 1ª instância que desencadeou a intervenção deste solicitando a quebra do sigilo, tanto para decidir, como lhe competia e decidiu, que a recusa é legítima como para fundamentar o pedido a esta Relação (a competente), concluiu ser aquela “evidente”, “já que os factos em causa chegaram ao conhecimento da testemunha e ocorreram com a intervenção deste no âmbito da referida actividade profissional”, mas sem factualmente nada concretizar quanto a tal intervenção e quanto àqueles factos.

    Assim como concluiu afigurar-se-lhe ser “essencial” o depoimento na medida em que “serão superiores os valores de segurança e certeza jurídica em relação aos que o sigilo visa proteger”, mas também sem especificar em concreto os factos fundamentadores em que alicerçou a sua perspectiva.

    Ora, o conhecimento de tais factos é de capital importância.

    Em primeiro lugar, porque, em geral, qualquer pedido e decisão, sobretudo quando relativos à actuação e balanceamento de direitos com tal natureza, devem ser sempre fundamentados (artºs 205º, nº 1, da CRP, e 154º, do CPC).

    Em segundo lugar, porque, especialmente, estando aqui em causa, a apreciação e decisão sobre qual o interesse preponderante que deve prevalecer e, em consequência, a justificação da possível dispensa do dever de segredo (artº 135º, nº 3, do CPP), estas têm de ser feitas cautelosa e prudentemente em função de um juízo específico que tenha em conta a importância e as peculiaridades decorrentes do concreto caso objecto do processo, mormente o relevo e possíveis implicações para a parte onerada com a prova e a medida da ofensa que a eventual quebra se mostre susceptível de causar aos valores protegidos pelo sigilo - ponderação e decisão que só podem eficaz e realmente basear-se em factos concretos e nunca ficar-se por uma consideração em abstracto.

    Como se entendeu no Acórdão da Relação de Coimbra, de 04-03-2015 , “Não sendo indicados os factos, eventualmente conhecidos pela testemunha e cobertos...

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