Acórdão nº 880/14.2T9BBBRG G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Maio de 2016
Magistrado Responsável | LU |
Data da Resolução | 30 de Maio de 2016 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1. No âmbito dos presentes autos em que é participante e assistente Maria C., no final do inquérito, a mesma deduziu acusação contra o arguido Joaquim A. imputando-lhe a prática de um “crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181° do Código Penal (acusação essa que o Ministério Público não acompanhou com o argumento de que “não se reuniram indícios suficientes da prática pelo mesmo[arguido] do crime pelo qual contra si foi deduzida acusação particular).
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O arguido, inconformado com tal acusação, requereu a abertura de instrução, visando a sua não pronúncia do crime pelo qual vinha acusado.
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Finda a instrução, foi proferido despacho de não pronúncia do arguido.
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Inconformado com tal decisão, a assistente (a fls. 155 a 184) interpôs recurso finalizando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição com os realces nelas constantes): “1- a) “A questão posta, nesta sede e momento processual, consiste em saber se devem ou não os presentes autos prosseguir os seus termos, para a fase de julgamento, com pronúncia do arguido Joaquim A. pelos factos e incriminação jurídico-penal constantes da acusação particular contra ele deduzida nos autos, a fls. 93 e 94, pela assistente Maria C.”, conforme se pode ler na douta decisão instrutória; 1- b) O arguido fundamentou o requerimento de Abertura de Instrução na ausência de indícios suficientes da prática, pelo mesmo, do crime de que vem acusado.
1-c) O Tribunal “ a quo” decidiu não haver indícios suficientes e 1-d) decidiu, ainda, que: “… se entende que as afirmações que lhe são atribuídas não integram os elementos objectivos típicos do imputado crime de injúria.--- Com efeito, as afirmações atribuídas ao arguido, produzidas sem mais, como teria sucedido na versão da assistente, não se mostram aptas a atingir qualquer núcleo essencial de qualidades morais dela. Na verdade, pergunta-se, até, a que qualidades dessa natureza se teria reportado, ou querido reportar, o arguido, na medida em que não teria particularizado de que comportamentos ou atributos dela tinha vergonha ou nojo. Não lhe disse, também, que a mesma fosse, em geral, vergonhosa ou nojenta.--- Na verdade, e a terem ocorrido os factos conforme relata a assistente, o arguido limitou-se, num contexto de liberdade reconhecida a qualquer cidadão, a manifestar a opinião que dela tem ou os sentimentos que pela mesma nutre, ainda que, porventura, infundamentados. Poderia tê-lo feito, é certo, de outro modo, afirmando que a mesma o embaraçava ou que lhe causava repulsa. Sendo, no entanto, esse o sentido do que, em substância, lhe manifestou, não é por ter optado pelo emprego de expressões porventura injustas, mais grosseiras ou descorteses que as suas acções revestem a carga ofensiva necessária para merecer a tutela penal, ainda que a assistente se tivesse sentido, efectivamente, ofendida por elas.” 2- Na decisão instrutória, pode, ainda, ler-se: “Em síntese do que vem de dizer-se, considera-se, com relevância para a decisão a proferir:--- a) Indiciariamente demonstrado que:--- [único]. No dia 29.05.2014, cerca das 14h30m, no interior das instalações do estabelecimento de ensino …, em …, onde Maria C. e o arguido, à data, leccionavam, e quando aquela que se encontrava junto à porta de entrada de uma das salas de aulas, este abeirou-se da mesma, dirigindo-se-lhe verbalmente, em tom de voz elevado.--- b) Indiciariamente não demonstrado que:--- i. Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar reportadas em a), o arguido, de entre as afirmações que produziu, haja dito a Maria C. “tenho vergonha de ter colegas como tu” e “tenho nojo de ter colegas como tu”.--- ii. O arguido haja actuado de forma livre e deliberada, consciente de que dirigia a Maria C. afirmações aptas a nesta provocar ofensa na sua honra e consideração, logrando alcançar tal resultado.--- Em decorrência de tudo quanto se deixou dito, impõe-se proferir decisão de não pronúncia.” 3- Decidiu o Tribunal “a quo” “… não pronunciar, para julgamento em processo comum e com intervenção do Tribunal Singular, Joaquim A., melhor id. nos autos, pela prática, em autoria material, de um crime de injúria, p. e p. pelo artº 181º do Cód. Penal, conforme lhe vem imputado por via da acusação particular de fls. 93 e 94.” 4- Por discordar da douta decisão instrutória proferida, a Assistente dela recorre, por entender existirem razões de facto e de Direito, que impunham decisão diversa.
5- Existem nos autos indícios suficientes da prática, pelo arguido, do crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º do Código Penal; 6- A fase processual penal de instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento; É o que determina o artigo 286º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
7- E, nos termos do disposto no artigo 308º, n.º 1 do Código de Processo Penal se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário profere despacho de não pronúncia.
8- Por sua vez, estabelece o artigo 283º, n.º 2 do Código de Processo Penal, que a suficiência de indícios encontra-se dependente de deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
9-a) Sufragamos a posição do Prof. Doutor Germano Marques da Silva, que, a propósito, defende: “No CPP/87 a fase da instrução não visa nunca um juízo sobre o mérito, mas tão-só a apreciação judicial da legalidade da acusação (...). Trata-se verdadeiramente de um juízo sobre a acusação em ordem a verificar a sua regularidade processual para a submissão a julgamento. O requerente da instrução não solicita ao tribunal um juízo sobre o mérito da acusação, tão-só sobre a existência dos pressupostos para que a causa seja submetida a julgamento. É esse o juízo que o despacho de pronúncia e não pronúncia corporizam.” pág. 168- in Curso de Processo Penal, Volume III, Verbo.
9-b) E, acrescenta, o mesmo autor: “Nas fases preliminares do processo não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, antes e tão-só indícios, sinais, de que um crime foi eventualmente cometido por determinado arguido. As provas recolhidas nas fases preliminares não constituem pressuposto da decisão jurisdicional de mérito, mas de mera decisão processual quanto à prossecução do processo até à fase de julgamento. Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige, pois a prova, no sentido de certeza moral da existência de um crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido.”, pág.s 182 e 183 - in Curso de Processo Penal, Volume III, Verbo.
10- A Assistente/recorrente, ouvida a fls. 25 dos autos, confirmou a queixa apresentada a fls. 2 a 5 dos autos, nomeadamente, as expressões que o arguido lhe dirigiu, as circunstâncias de tempo e lugar em que as mesmas foram proferidas e descreveu o contexto em que os factos se verificaram, nomeadamente, da sua surpresa com a conduta do arguido, pois não existiu facto ou acontecimento – nomeadamente, cometido pela Assistente – que temporalmente precedesse a atitude do arguido e que, de alguma forma, a justificasse ou pelo menos, a explicasse.
11- O arguido (fls. 63) negou a prática dos factos participados e explicou que a denúncia-crime se deveu ao facto dele ser testemunha em vários processos judiciais que implicam os elementos da direcção pedagógica em 2011 do Conservatório de Música de Barcelos, do qual a denunciante fazia e ainda hoje faz parte; 12- O arguido não relata qualquer comportamento prévio da Assistente; 13- Tal versão é contrariada pela testemunha Ana M. que afirmou que a conduta do arguido foi de reacção a uma provocação da Assistente/recorrente (fls. 85 e 86); 14- O arguido reconheceu ter trocado umas palavras com a Assistente, que gesticulou e falou alto, por ter um problema de gaguez e admitiu ter dito a frase “não voltes a fazer isso”; 15- O arguido não explicando o contexto em que disse a frase citada no item 14º, para se perceber o porquê de o ter dito, nem explica como uma conversa, que não passou de uma troca de palavras, nela se insira frases, tal como aquela que o arguido admite ter dito, isto é, “não voltes a fazer isso”.
16- As testemunhas Maria G. e Ana P. que depuseram de forma coincidente quanto ao contexto e circunstâncias em que o arguido se dirigiu à Assistente, confirmaram que, abeirando-se delas a Assistente, logo de seguida se aproxima o arguido/recorrido dizendo-lhe ”não voltes a fazer isso”.
17- As testemunhas Maria G. e Ana P. ao relatarem que quando se aperceberam que a conversa assumia um teor pessoal, retiraram-se para dentro das respectivas salas de aula, situadas junto ao local em que se mantiveram arguido e Assistente, falando o arguido alto, necessariamente tinham que ouvir toda a troca de palavras entre ambos, até porque admitem ter ouvido, ainda, a Assistente a perguntar ao arguido se a estava a ameaçar e a resposta deste “estou”.
18- Por outro lado, as testemunhas Maria G. e Ana P. ao declararem que a conversa assumiu “um teor pessoal”, estão a admitir que ouviram outras palavras trocadas pelo arguido com a Assistente, para além das que relataram que, inclusive, apelidam de “pessoal”.
19- Do relato das mesmas testemunhas Maria G. e Ana P. resulta, ainda, que o arguido disse de uma só vez a frase ”não voltes a fazer isso”, em momento algum se referindo que o arguido gaguejou ao proferir a mesma, pelo que o falar alto e gesticular não pode ter sido em consequência da gaguez de que padece.
20- A testemunha Maria A. (fls. 82) relatou uma conversa telefónica...
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