Acórdão nº 2515/12.9TJVNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelFRANCISCA MICAELA VIEIRA
Data da Resolução02 de Maio de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Origem: Comarca de Braga, Guimarães, Instância Central, 2ª Secção Civel, J3.

Relator: Francisca Micaela da Mota Vieira.

  1. Adjunto Des. Fernando Fernandes Freitas 2º Adjunto Des. António M. A. Figueiredo de Almeida Acordam os Juízes da 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO ANA, solteira, residente na Rua Joaquim José de Oliveira, nº…., Calendário, em Vila Nova de Famalicão, desta Comarca de Braga, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BERNARDINO e mulher, MARIA, pedindo que se proceda à necessária demarcação entre o seu prédio e o dos Réus, “tornando a linha divisória que se encontra incerta e discutida, em certa e definitiva, nos termos em que, esta seja traçada considerando a área de terreno que se situa no exterior da adega existente no prédio de que é proprietária, devendo ser repartida proporcionalmente, pois que o título que possui indica um espaço menor do que o abrangido pela totalidade do terreno, reclamando a necessidade de lhe ser atribuído esse acréscimo”, devendo, em concretização disso, “relegar para execução de sentença a definição dos pontos exactos por onde há-de passar a linha divisória entre os respectivos prédios”.

Alega, para tal, que por partilha de um prédio misto, consubstanciada formalmente em doações, lhe adveio prédio urbano que identifica, assim como prédio rústico, que daquele primeiro prédio misto fazia parte, e que agora com este urbano confina, e doado, pelos mesmos doadores ao Réu, sendo certo que sempre o campo doado ao Réu foi delimitado através de um socalco existente a seguir à segunda ramada e que o distinguia da parte urbana (doada à Autora), ademais que para aceder à adega neste existente, sempre foi utilizado um acesso próprio e perpendicular à avenida interior principal, com a largura de 2,70 metros e o comprimento de 8,70 metros.

Mais alega que os Réus se desentenderam consigo e que impedem o acesso à dita adega, tendo construído um receptáculo em blocos de cimento para guardar botijas de gás além de destruírem sistematicamente todas as plantações efectuadas pela Autora, assim tentando deturpar as estremas e os limites do seu prédio.

Regular e pessoalmente citados, os Réus apresentaram douta contestação onde acusam a parte contrária de má-fé (e pedem uma condenação em multa exemplar e uma indemnização de € 5.000,00) e esgrimem as excepções de caso julgado (dada a existência anterior de uma acção de reivindicação intentada pela Autora e julgada improcedente) e da ineptidão da petição inicial (pelo facto de a Autora não articular factos que levem a que a demarcação seja feita nos termos por ela requeridos). Prosseguiram referindo que desejam que a demarcação seja feita, mas impugnaram boa parte da factualidade alegada pela Autora, pelo que terminaram pugnando que a demarcação seja feita “por uma linha colocada imediatamente a seguir ao alçado poente de uma das casas de habitação do prédio da Autora”.

A Autora replicou a fls.92 e seguintes dos autos, pugnando pelo indeferimento das excepções invocadas.

Frustrada a tentativa de conciliação, foi proferido despacho saneador onde se julgaram improcedentes a excepção da nulidade decorrente da ineptidão da petição inicial e a excepção do caso julgado (cfr. fls.160 a 163), tendo-se em seguida fixado os Factos Assentes e elaborado a Base Instrutória, da qual as partes reclamaram, sem sucesso (cfr. fls.196) Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância de todo o formalismo legal e gravação dos respectivos depoimentos e foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, decidiu que a linha divisória entre os prédios identificados em I.1 e I.5 seja fixada, em incidente póstumo de liquidação, em local a determinar entre a linha C e a linha A marcadas pelos Peritos no levantamento topográfico de fls.259 destes autos, de modo a repartir toda essa faixa de terreno em igual área por Autora e Réus.

Inconformados, os Réus interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes Conclusões: A-Na presente acção o pedido efectuado era que se procedesse à demarcação da linha divisória entre os prédios da Autora e dos Réus.

B-A forma como se faz a demarcação está contemplada no artº 1354 do Código Civil.

C- Decorre deste preceito legal que a demarcação é feita segundo critérios que se devem seguir de forma escalonada e sequencial, ou seja, ter-se-á que ter em atenção, primeiramente, os títulos (quaisquer títulos existentes) de cada um, na falta destes ou da insuficiência dos mesmos, atende-se à posse ou daquilo que resultar de outros meios de prova, apenas se recorrendo à distribuição equitativa do terreno em causa se não houver área definida em lado algum.

D-Nos presentes autos existem títulos suficientes para que a douta sentença, através deles, pudesse efectuar a demarcação.

E-Na douta sentença refere-se, porém, que tais títulos eram “imprestáveis”, porque os mesmos não podiam considerar-se fiáveis no que a áreas diz respeito, uma vez que tais áreas (e não só) podiam sofrer modificações, alterações e arranjos.

F- Tal seria compreensível se os títulos fossem antigos, se não fossem do perfeito conhecimento das partes, se fossem vistos de forma isolada e não houvesse correspondência entre os mesmos.

G-Os títulos que existem no processo – inscrição matricial e registo predial – foram todos apresentados pelos doadores nas respectivas repartições públicas, no ano anterior a terem sido efectuadas as escrituras de doação. Eram, portanto, títulos recentes, pelo que se não pode dizer que os elementos deles constantes não eram correctos. Tanto mais que, para que os doadores atribuíssem as áreas que atribuíram, houve, necessariamente, que ter sido feita a medição das parcelas em causa.

H- Acresce que um dos títulos mais importantes e que definem claramente a área a doar a cada um dos donatários é a respectiva escritura. E, naquela que foi feita a favor do recorrente marido, está plasmada, com toda a clareza, a metragem que pretendiam doar – 1786,50 metros quadrados.

I -Existe uma muito pequena diferença (cerca de 4%), diferença essa perfeitamente aceitável e normal, e até com consagração legal – (artºs 28º e 28º-A do DL n.º 224/84, de 06 de Julho – CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL) de 137 metros quadrados entre a soma das áreas dos três prédios doados e a área do total do prédio (mãe) antes das doações, pelo que tal argumento levado em conta na sentença recorrida não pode colher, principalmente se pender o ónus de “desconto” de tal área, no prédio dos recorrentes.

J-À recorrida foi doado um prédio composto por casa de habitação e adega na cave e quintal. Ora, a recorrida é possuidora, como aliás consta dos diversos depoimentos testemunhais e dos vários documentos juntos aos autos, nomeadamente da planta junta pelos peritos, que é exactamente isso que ela tem: a leira (quintal) junto ao caminho de acesso à sua habitação, a casa, anexo e adega.

K -Aliás, tal matéria ficou clara e devidamente esclarecida na douta sentença proferida no processo nº 3534/06.0TJVNF, do extinto 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão, já transitada em julgado.

L-Todavia, na douta sentença, atento o entendimento do Julgador (salvo o devido respeito, de forma errada) de que os títulos não davam a segurança necessária para que, através deles, se pudesse fazer a demarcação, decidiu partir para outro critério, abrindo assim a porta a que se discutisse não a demarcação mas essencialmente aquilo que foi doado a cada uma das partes, mesmo fazendo tábua rasa da sentença proferida nos autos referenciados na conclusão anterior.

M-Mas, mesmo partindo para o critério da posse que entendeu não ter sido dado por provado, e decidindo-se pelo último dos critérios legalmente fixados na parte final do nº 2 do artº 1354º do Código Civil, (apesar de o mesmo, em nosso modesto entendimento, apenas poder ser utilizado no caso de os títulos não determinarem a área do prédio – e no caso dos autos determinam claramente) decidiu pela repartição do terreno em partes iguais.

N-Mas que terreno? Mas que quantidade de terreno? As extremas dos prédios têm de se definir dentro dos limites das áreas de cada um dos prédios. A recorrida, em lado algum, refere que o seu prédio devia ter mais área do que aquela que efectivamente lhe foi doada. Nem diz que o prédio dos recorrentes têm maior área do que aquela que lhes foi doada.

O- Mesmo partindo do princípio de que os títulos são “imprestáveis”, no que não se concede, nem se concebe, sequer, sempre haveria de ser formulado pedido concreto dizendo por onde deveria ser feita a demarcação, justificando tal com uma divergência concreta de áreas. Ora, a recorrida faz o seguinte pedido: «[…] se proceda à necessária demarcação, tornando a linha divisória que se encontra incerta e discutida, em certa e definitiva, nos termos em que, esta seja traçada considerando a área de terreno que se situa no exterior da adega existente no prédio de que é proprietária, devendo ser repartida proporcionalmente, pois que o título que possui indica um espaço menor do que o abrangido pela totalidade do terreno …», ou seja, não refere qual a área concreta que lhe diz faltar.

P- E, até por aqui, se pode verificar que a sentença de que se recorre julgou extra vel ultra petitum. Efectivamente, ao decidir «que a linha divisória … seja fixada … em local a determinar entre a linha C e a linha A marcadas pelos Peritos no levantamento topográfico … de modo a repartir toda essa faixa de terreno em igual área por Autora e Réus.», está a conceder mais do que aquilo que foi peticionado. Ou seja, enquanto a A. Apenas pediu mais terreno no exterior da adega, a sentença condena a que lhe seja atribuído terreno em toda a extensão do prédio dos RR.

Q- Para chegar a esta conclusão, que também não pode colher, baseou-se o Meritíssimo Juiz na prova produzida em sede de audiência de julgamento, como é óbvio e natural. Fê-lo, no entanto, e salvo o mui devido...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT