Acórdão nº 456/14.4JABRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Maio de 2016
Magistrado Responsável | FERNANDO PINA |
Data da Resolução | 22 de Maio de 2016 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE GUIMARÃES: I. RELATÓRIO A – Nos presentes autos de Processo Comum Colectivo, com o nº 456/14.4JABRG, da Comarca de Braga – Braga - Instância Central – 1ª Secção Criminal – Juiz 3, foi pronunciado o arguido: - D. S.
, casado, vigilante, filho de J: D. e de M. G., natural da freguesia de …, concelho de …, nascido a … e, residente na Rua … …, pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelo artigo 172º, nº 1, com referência à alínea a), do nº 1, do artigo 177º, ambos do Código Penal.
O arguido D. S. não apresentou contestação, mas arrolou testemunhas.
A assistente B. M., deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, requerendo a sua condenação a pagar-lhe o valor de € 22.800,00 (vinte e dois mil e oitocentos euros), a título de danos não patrimoniais e de danos patrimoniais futuros, face à necessidade de acompanhamento psicológico permanente, pelo menos por 10 anos.
O arguido/demandado apresentou contestação ao pedido civil, impugnando os factos e o montante indemnizatório reclamado. Realizado o julgamento, veio a ser proferido pertinente Acórdão, no qual se decidiu: - Condenar o arguido D. S., pela prática de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelos artigos 171º, nº 1 e, nº 2 e, 177º, nº 1, alínea b), ambos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão; - Julgar parcialmente procedente o pedido cível deduzido e, em consequência, condenar o demandado/arguido D. S. a pagar à demandante/ofendida B. M. a quantia indemnizatória global de € 16.980,00 (dezasseis mil novecentos e oitenta euros), sendo mil novecentos e oitenta euros relativos aos danos patrimoniais e quinze mil euros para compensação dos danos não patrimoniais sofridos, a acrescer de juros de mora à taxa legal sucessivamente em vigor desde a data da notificação para contestar até integral pagamento, absolvendo-o do restante valor peticionado.
Inconformado com esta decisão condenatória, o arguido D. S. da mesma interpôs o presente recurso, extraindo da respectiva motivação, as seguintes extensas conclusões (transcrição): 1. O douto acórdão proferido condenou o arguido pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelos artigos 171º, nº 1 e 2 e 177º, nº 1, alínea b) do Código Penal (CP), na pena de 6 (seis) anos de prisão.
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O presente recurso tem como objecto a reapreciação de matéria de facto, através de uma impugnação ampla da matéria de facto e um pedido de revista alargada da matéria de facto; e ainda de matéria de direito.
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Na impugnação da matéria de facto, o recorrente debruça-se sobre cada um dos factos, sendo que por uma questão de coerência e unidade do texto, arguir-se-ão as nulidades da sentença, bem como se analisarão as questões de direito atinentes a cada um deles.
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Ao julgar provados os factos constantes dos pontos 5 e 6 (5 Pelo menos desde que a B. M. fez 5 anos de idade (27 de Julho de 2001), até ao ano de 2010, por diversas vezes, o arguido, que, à data trabalhava como segurança, com horários rotativos, quando chegava a casa durante a noite, aproveitando-se que a esposa se encontrava a dormir, deslocava-se ao quarto da ofendida B. V.. 6 Aí chegado, retirava a roupa da B. M., esfregava-se em cima dela e apalpava-a.) o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento.
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A fundamentação do acórdão assenta no pressuposto de que o recorrente confessou que os factos ocorriam tanto à noite como de dia – cfr. fls. 8 do acórdão.
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As declarações do arguido em julgamento demonstram que este não só não confessou como negou que tais factos tivessem ocorrido à noite [cfr. gravação em CD áudio desde 15:22:49 a 16:30:06 (01:07:16) – acta de 03-10-2016, no período de 03:03 a 03:54; e cfr. gravação em CD áudio nº 1 desde 15:22:49 a 16:30:06 (01:07:16) – acta de 03-10-2016, no período de 17:33 a 17:54].
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Assentando a convicção do Tribunal na confissão do arguido de que os factos ocorreram à noite, quando este não confessou, daqui decorre um erro de julgamento, devendo os factos constantes dos pontos 5 e 6 ser julgados não provados.
Sem prescindir: 8. A testemunha E. I. relatou que foram pouquíssimas as vezes em que não estava acordada aquando do regresso do recorrente do trabalho a casa; que por hábito, e para esperar pelo arguido, não se deitava antes de este chegar; e, por regra, iam ambos dormir ao mesmo tempo [cfr. gravação em CD áudio com início a 16:08:00 (2.ª parte do depoimento – 00:23:19) – acta de 12-10-2016, em especial no período de 00:00 a 02:15].
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Nas declarações para memória futura (cfr. transcrição fls. 214 a 275 dos autos) a ofendida, embora com hesitações e nem sempre de forma clara, afirmou que os factos sucediam "também durante a noite, quando ele [o recorrente] chegava do trabalho", que quando o recorrente chegava do trabalho vinha logo directo ao seu quarto, o que sucederia por volta ou após a meia-noite – cfr. em especial as transcrições fls. 255 a 257; 259 e 260; 268 a 275 dos autos.
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Se a convicção do Tribunal se fundou igualmente no depoimento da testemunha E. V. e nas declarações da ofendida – e a motivação da decisão de facto não o explicita –, também aqui existe um erro de julgamento, porquanto não foi feita prova de que tal tivesse ocorrido, e em consequência, os factos constantes dos pontos 5 e 6 devem ser julgados não provados.
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Ao julgar provado que o recorrente apalpou a vagina da ofendida, tal como consta do ponto 7 dos factos provados (7 No mesmo período de tempo supra referido, em data que não se logrou apurar concretamente apurar, mas quando a B. M. tinha 5 anos, por diversas vezes, o arguido sentou-a no seu colo enquanto esta estava a jogar computador, apalpou-lhe a vagina, causando-lhe desconforto.), o douto acórdão recorrido enferma de uma nulidade da sentença.
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O recorrente negou ter apalpado a vagina da ofendida [cfr. gravação em CD áudio desde 15:22:49 a 16:30:06 (01:07:16) – acta de 03-10-2016, em especial no período de 06:30 a 08:52].
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A convicção do Tribunal firmou-se nas declarações da ofendida [cfr. transcrição de fls. 223 e 224]; nas mesmas, porém, em que esta afirma que o recorrente não se limitava a apalpá-la, mas também que a violava.
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Não obstante aquelas declarações da ofendida, o douto acórdão considerou não provado "- Que no período compreendido entre 2001 e 2010, o arguido, por diversas vezes, introduziu os seus dedos na vagina da ofendida B. M." e consequentemente não provado o artigo 7 do libelo acusatório (cfr. fls. 7 da sentença).
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A fundamentação do acórdão não esclarece devidamente porque é que as declarações da ofendida foram valoradas de forma diversa: o Tribunal ficou convencido, para além de dúvida razoável, e julgou provado que o recorrente apalpou a vagina da ofendida mas julgou como não provado que a tivesse violado, introduzindo-lhe os dedos.
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Sem beliscar o princípio da livre apreciação da prova ou apresentar uma interpretação diversa dos factos, o que não é claro, nem perceptível é o processo de valoração de um mesmo meio de prova. A fundamentação não esclarece, não indica nem examina criticamente as provas que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal, donde, neste inciso, existe uma nulidade da sentença (cfr. artigos 379º, nº 1, alínea a) e 374º, nº 2, do CPP).
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O Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento ao dar como provado os factos constantes sob o ponto 8 (8 No mesmo período de tempo supra referido, em data que não se logrou concretamente apurar, mas por diversas vezes, o arguido apareceu durante a noite no quarto de B. M., todo nu, exibindo-lhe o pénis.) 18. As declarações da ofendida [cfr. a transcrição de fls. 225 a 227 dos autos] nada referem quanto a tais factos e não existe nos autos qualquer outra prova que sustente os mesmos, donde o erro de julgamento, devendo os factos constantes do ponto 8 ser julgados não provados.
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Ao julgar provada a matéria factual do ponto 11 (11 Em data que não se logrou apurar, mas no período compreendido entre 2001 (depois de a menor completar 5 anos) e 2010, o arguido, por diversas vezes, masturbou-se em frente à mesma.), o Tribunal incorreu num erro de julgamento.
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O arguido negou tal comportamento (cfr. pág. 9, 1º parágrafo do acórdão); por outro lado, em nenhum momento a ofendida relata que os factos tenham ocorrido [cfr. transcrição de fls. 214 a 275 dos autos], inexistindo qualquer outra prova – o que constitui um erro de julgamento, e em consequência, os factos vertidos no ponto 11 devem ser julgados não provados.
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Ao julgar provado que o arguido introduziu os dedos na vagina da ofendida e lhe causou grande dor, nos termos dos pontos 13 e 14 (13 Para satisfazer as suas intenções libidinosas, o arguido ainda apalpou as “mamas” à sua enteada B. V. e acariciou-lhe a vagina, tendo, acto contínuo, introduzido os seus dedos na vagina daquela. 14. Por ter causado grande dor à menor B. M., esta gritou ao que os vizinhos chamaram a PSP, ao que o arguido não abriu a porta.), o douto acórdão evidencia um erro notório na apreciação da prova e verifica-se uma nulidade da sentença.
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Referindo-se aos factos sob os pontos 12, 13 e 14, a ofendida declarou que o recorrente a violou, entendendo-se por tal a introdução do pénis e/ou dos dedos na vagina [cfr. transcrição das declarações de fls. 230 e 231; 243 e 244 dos autos]; enquanto o recorrente negou que tivesse praticado os factos (cfr. pág. 9 do acórdão).
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No episódio ocorrido em Fevereiro de 2009, a ofendida não afirmou se a violação consistiu na introdução dos dedos, do pénis ou na introdução de ambos na vagina [cfr. transcrição a fls. 230 e 231; 243 e 244 dos autos].
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A convicção do Tribunal a quo resultou de presunções extraídas das declarações e dos silêncios do arguido [cfr. pág. 9, parágrafos 2 e 3 do acórdão], em particular por não ter explicado factos sobre os quais não foi inquirido [cfr. gravação em CD áudio desde 15:22:49 a...
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