Acórdão nº 291/15.2T8FAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL SILVA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - HISTÓRICO DO PROCESSO 1. B. instaurou ação contra C. – COMPANHIA DE SEGUROS, SA, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 15.300,00, relativos aos danos sofridos no seu veículo em virtude de acidente de viação, bem como € 35,00 diários pela privação do respetivo uso.

Invocou ter celebrado um contrato de seguro com a Ré, abrangendo danos próprios, por um valor máximo de € 15.300,00; do acidente resultou a perda total do veículo, recusando-se a Ré a pagar. Só lhe foi atribuído veículo de substituição durante 20 dias.

A Ré contestou e excecionou invocando que o acidente foi dolosamente provocado, que não beneficia da cobertura do seguro por ter incumprido o dever de evitar prejuízos adicionais e que o dano de privação do uso também não beneficia de cobertura.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que condenou a Ré a pagar à Autora € 15.300,00 (reduzidos da franquia de € 306,00), relativos à perda total do veículo, bem como € 35,00 diários pela privação do respetivo uso, desde o 30º dia após o acidente até ao pagamento do valor do veículo.

2. Inconformada, vem a Ré apelar para este Tribunal da Relação, formulando as seguintes CONCLUSÕES: «I. Os danos resultantes de uma eventual privação de uso do veículo seguro não estão cobertos pela cobertura de «danos próprios» contratada com a apelante, cuja responsabilidade em face da apelada é meramente contratual, cingindo-se aos estritos limites das condições do contrato de seguro celebrado entre as referidas partes.

  1. Apenas foi contratada a condição especial 15, relativa a atribuição pela apelante de veículo de substituição, no caso, pelo prazo máximo de 20 dias por sinistro e ano, como, de facto, foi atribuído, e a apelada usufruiu.

  2. A presente questão situa-se no âmbito das coberturas facultativas do contrato de seguro e tendo este a natureza de seguro de danos, é aqui plenamente aplicável o disposto no artigo 130º do Lei do Contrato de Seguro (LCS), sendo que não foi convencionado pelas partes nenhuma cobertura adicional relativa a um eventual dano de privação de uso do veículo HF, pelo que, a apelante só responde pelo dano de privação de uso nos precisos termos convencionados.

  3. É aqui plenamente aplicável o princípio indemnizatório, pelo que, mediante o pagamento da quantia relativa à reparação ou perda total do veículo HF em que a apelante foi condenada, esta cumpre todas as obrigações contratuais para com a apelada, decorrentes do contrato de seguro em causa, nada mais sendo devido, sendo que, qualquer pagamento adicional, seria violador do sobredito princípio indemnizatório, uma vez que a apelante estaria a ressarcir a apelada por um alegado dano que não encontra cobertura contratual, carecendo de fundamento tal indemnização, constituindo, assim, um enriquecimento ilegítimo daquela.

  4. O estatuído no nº 3 do artigo 806º CC constitui impedimento à concessão de ressarcimento de um alegado dano adicional de privação que a apelada sustenta ter sofrido, porquanto não encontra fundamento legal a reclamação de indemnização suplementar no âmbito de responsabilidade contratual, como a que ora é reclamada, devendo, como tal, limitar-se aos juros de mora, contados à taxa legal, a indemnização pela mora no pagamento da quantia pecuniária de capital em causa, conforme previsto nos nºs 1 e 2 do supra preceito legal.

  5. Não podendo o intérprete – neste caso, o tribunal recorrido – recorrer à interpretação, designadamente, por recurso a doutrina e jurisprudência, onde o legislador expressou a sua vontade de forma expressa, no caso, por via do disposto no artigo 130º da LCS, afastando a aplicação deste preceito em favorecimento daquela doutrina e jurisprudência.

  6. Para o ressarcimento de um alegado dano extra rem, tem vindo a ser exigido pela jurisprudência uma demora irrazoável ou inexplicável no pagamento da indemnização, em conjugação com uma atitude infundadamente intransigente.

  7. A apelante promoveu, logo após o sinistro, à respectiva averiguação, que obteve o dito resultado; ao longo de todo este processo ficaram claros os juízos 12 divergentes das partes quanto à causa do sinistro, cujo apuramento determinava toda a apreciação quanto à causa e simulação ou não do mesmo; tal divergência só ficou sanada, como supra dito, com a perícia oficiosamente determinada nestes autos.

  8. Assim, em momento algum existiu uma demora irrazoável ou inexplicável no pagamento da indemnização, em conjugação com uma atitude infundadamente intransigente.

  9. Face a tudo o exposto, a sentença proferida, ao decidir como decidiu, no segmento de que ora se recorre, com os fundamentos invocados, fez, salvo o devido respeito, uma errada aplicação do previsto nos artºs 406º e 806º do Código Civil, e 128º e 130º da Lei do Contrato de Seguro, devendo, como tal, ser revogada e substituída por outra decisão que absolva a apelante da parte do pedido referente ao pagamento de indemnização pelo alegado dano de privação do uso do veículo seguro.

    TERMOS EM QUE o presente recurso deverá ser julgado procedente, alterando-se a sentença recorrida conforme atrás concluído, com o que se fará JUSTIÇA!» 3. A Autora contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    II - FUNDAMENTAÇÃO 4. OS FACTOS Foram os seguintes os factos considerados provados em 1ª instância, e que as partes não questionam: «1) A A. é dona e proprietária do veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Renault, modelo Mégane, de matrícula …HF…; 2) Na data de 16/12/2014 aquele veículo era objecto do contrato de locação financeira n.º …, no qual figurava como locatária a A. e como locadora a D., S.A.; 3) Por via de tal contrato, a A. podia, no fim do mesmo e mediante o pagamento do valor residual, adquirir o descrito veículo o que veio a suceder, tendo a locadora declarado em 05/03/2015 que deixou de ter interesse no mesmo veículo; 4) A R. é uma sociedade comercial que se dedica à actividade seguradora; 5) Entre C.- Companhia de Seguros, SPS, Sucursal em Portugal, à qual a R. sucedeu em todos os direito e obrigações, como seguradora, e a A., como tomadora e segurada, foi celebrado o contrato de seguro do ramo «… + Auto», titulado pela apólice nº …, tendo por objecto seguro o veículo de matrícula …-HF-.., um Renault Mégane 1.5 dCi Dynamique S Lim, de Fevereiro de 2009 e em que figurava como beneficiária a locadora D., S.A., nos termos que constam das condições particulares de fls. 47v.º-48v.º e condições gerais de fls. 49-114, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 6) O contrato de seguro identificado previa, além do mais, a cobertura adicional de danos próprios – condição especial 04 “Danos acidentais sofridos...

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