Acórdão nº 376/11.4TACHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução15 de Dezembro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães No processo comum singular nº 376/11.4TACHV da Instância Local, Secção Criminal, de Chaves da Comarca de Vila Real, a arguida Sandra C.

foi julgada tendo sido proferida decisão a 08/03/2016 com o seguinte teor (transcrição): «

  1. Condenar a arguida Sandra C. pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, com publicidade, p. e p. pelos arts. 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a multa final de € 1320,00 (mil trezentos e vinte euros).

  2. Condenar, ainda, a arguida no pagamento das custas, fixando-se em 2 (três) UCs a taxa de justiça, (artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa ao mesmo) e nos demais encargos do processo.

    Quanto à parte cível c) Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante Mário F. e, em consequência, condenar a demandada Sandra C. a pagar-lhe a quantia de 3 500,00€ (três mil e quinhentos euros) a título de danos de natureza não patrimonial, quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal sobre a referida quantia desde a presente decisão e até efectivo e integral pagamento, (cfr. artºs. 804º, 805º nº 3 e 806º do Cód. Civil e 78º do Código de Processo Penal), absolvendo-a do demais peticionado pelo demandante.

  3. Custas relativamente ao pedido de indemnização civil por demandante e demandada, na proporção do respectivo decaimento (art.º 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e art.º 4.º, al. n do Regulamento das Custas Processuais, a contrario).».

    *Inconformada com a referida decisão, a arguida interpôs recurso, formulando na sua motivação as seguintes conclusões: «A. Com todo o respeito que é devido se entende que os factos constantes dos pontos 7, 9, 10, 11, 12, 19, 20, 21, 23 a 30, deveriam ter sido valorados como “não provados”; B. A arguida nunca disse que o arguido se prostituía, mas apenas que se havia registado num site de prostituição - depoimento, prestado a 13.01.2016 (mn. 05:28 – 05:31); C. Ao conceder a entrevista objeto dos presentes autos, a Arguida teve como único intuito e propósito “denunciar situações de violência doméstica, contando a sua experiência” - pág. 16, último parágrafo da sentença recorrida; depoimentos da arguida, prestados a 17.12.2015 (mn. 04:51 – 05:20; mn. 10:05 – 10.51; mn. 11:57 – 12:44), a 13.01.2016 (mn. 00:14 – 00:23) e a 03.02.2016 (mn. 18:00 – 19:24; 20:25 – 20:46; 24:14 – 25:25) e depoimento de Fernanda Ferreira, mãe da arguida, prestado a 03.02.2016 (mn. 09:28 – 10:17); D. A arguida desconhecia que toda a sua conduta era proibida e punida por lei - depoimento prestado a 03.02.2016 (mn. 18:00 – 19:00); E. A arguida não tinha consciência de que o programa “Praça da Alegria” seria visualizado (se é que o foi) por “milhões de pessoas” em todo o “mundo” - depoimento prestado no dia 03.02.2016 (mn. 19:24 – 19:52); F. Na entrevista, a arguida nunca referiu o nome do assistente; G. A arguida nunca teve o propósito de atingir o assistente na sua honra e consideração ou sob qualquer forma; H. O assistente não se sentiu envergonhado, com a entrevista dada pela arguida e objeto dos presentes autos – depoimento do assistente prestado no dia 06.01.2016 (mn. 10:02 – 11:12; mn. 26:02 – 27:12); I. A factualidade dada como provada, no que aos pontos supra mencionados diz respeito, carece de fundamentação, tanto mais que, por requerimento apresentado a 27.11.2015, o assistente prescindiu de todas as suas testemunhas; J. A condenação da arguida consubstancia uma violação ao seu direito constitucionalmente reconhecido, e fundamental para uma sociedade que se quer democrática, à liberdade de expressão – artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa; K. A arguida sempre esteve convicta que estava a exercer um direito legítimo e próprio, em prol da comunidade, assim, “convertido” em direito social, de elevada importância; L. Não foi dado como provado que os factos imputados pela arguida ao assistente na entrevista sejam falsos e não tivessem correspondência com a verdade (Factos não provados da douta sentença recorrida); M. O interesse público e social visado com a concessão da entrevista, no sentido de combater a violência doméstica, levando a que as suas vítimas tenham a coragem de falar e denunciar as situações de maus tratos, justificou as declarações da arguida; N. O princípio da imediação ou produção da prova em julgamento, consagrado no artigo 355.º do Código de Processo Penal, determina que apenas possam valer para a formação da convicção do tribunal as provas que forem produzidas ou examinadas em audiência; O. O princípio do contraditório estipula que toda a prova deva ser produzida perante o arguido, por forma a ser-lhe permitido o exercício desse mesmo contraditório; P. Garantindo o contra interrogatório previsto no n.º 4, do artigo 348.º do Código de Processo Penal; Q. As declarações das testemunhas do assistente, prestadas em sede de inquérito, e que constam das pág. 7 e 8 da “fundamentação da convicção do tribunal”, não foram lidas em sede de audiência de julgamento, nos termos e para os efeitos do vertido no artigo 356.º do Código de Processo Penal; Sem prescindir, R. O assistente prescindiu de todas as suas testemunhas por requerimento datado de 27.11.2015 com a referência 644578, do qual consta expressamente, SIC: “Mário F. (…) vem mui respeitosamente prescindir de todas as testemunhas por si arroladas nos presentes autos”; S. O que determinou tais declarações se tenham tornado prova proibida, não podendo servir para fundamentar a sentença condenatória; Sem prescindir de tudo o que supra se alegou, T. O artigo 31.º, do Código Penal prevê as causas “gerais” de exclusão da ilicitude, devendo aplicar-se, in casu, a causa constante da alínea b), do n.º 2, do artigo 31.º do Código Penal; U. Ao conceder a entrevista alvo do presente processo criminal, a arguida fê-lo no uso de um direito legítimo e perfeitamente válido, de liberdade de expressão; V. Não houve qualquer tipo de dolo por parte da arguida - artigo 14.º do Código Penal; W. Faltando ao mesmo o elemento subjetivo (volitivo ou intencional), pois nunca teve intenção do ofender o assistente ou atingi-lo na sua honra e consideração pessoais; Sem prescindir, ainda, X. A arguida não tinha consciência de que o seu comportamento poderia ser penalmente condenado, agindo sem culpa - n.º 1, do artigo 17.º do Código Penal e depoimento prestado no dia 03.02.3016 (minutos 18:00 – 19:24); Y. Razão pela qual se entende que, in casu, e sem prescindir de tudo o que se alegou supra, se verificou um erro sobre a ilicitude do comportamento da arguida, excluindo-se uma eventual culpa que lhe poderia ser imputada; Z. Por tudo o que supra fica dito se entende, salvo melhor opinião em sentido contrário e sempre com todo o respeito que é devido, que condenando a arguida, a douta sentença recorrida não fez uma correta interpretação dos artigos 13.º, 14.º, 37.º, 132.º, 348.º, 355.º, 356.º, do Código Penal, artigo 37.ª da Constituição da República Portuguesa e artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

    Nos termos supra mencionados e nos melhores de direito, deverá a douta sentença proferida ser revogada, devendo ser substituída por outra que absolva a arguida.

    O Ministério Público, em 1ª Instância, apresentou resposta à motivação, pugnando pela improcedência do recurso com as conclusões seguintes: «

    1. Não foi violado o disposto no art. 127º do C.P. Penal.

    2. A sentença recorrida fez uma correcta determinação da matéria de facto com interesse para a decisão da causa, sendo a sua fundamentação perfeitamente clara sobre o processo lógico a que conduziu.

    3. O recurso interposto pela recorrente é, em nosso entender, destituído de fundamento D) Do exposto e salvo o devido respeito por opinião contrária, deve o recurso improceder, assim fazendo, a habitual Justiça.».

    Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu fundamentado parecer, sustentando que apesar de o Tribunal de 1ª Instância se ter socorrido de prova proibida para formar a sua convicção, tal nulidade apenas afecta a decisão proferida sobre a parte...

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