Acórdão nº 55/13.8TAMDR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução05 de Dezembro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães (Secção Penal) Relatora: Fátima Furtado; adjunta: Elsa Paixão.

  1. RELATÓRIO No processo comum singular nº 55/13.8TAMDR, da instância local de Bragança, secção criminal, juiz 1, da comarca de Bragança, foi submetido a julgamento o arguido Pedro V.L., com os demais sinais dos autos.

    A sentença, proferida a 1 de fevereiro de 2016 e depositada no dia 2 do mesmo mês e ano, tem o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, decide o Tribunal: I. Condenar o arguido, Pedro V.L., pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171º nº3 alínea b) do Código Penal, na pena de 14 (quatorze) meses de prisão.

  2. Condenar o arguido, Pedro V.L., pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171º nº3 alínea b) do Código Penal, na pena de 14 (quatorze) meses de prisão.

  3. Condenar o arguido em cúmulo jurídico das penas referidas em I) e II) na pena única de 20 (vinte) meses de prisão, suspensa, nos termos do artigo 50º nº1 e 5 do Código Penal, por igual período, condicionando-se tal suspensão ao cumprimento pelo condenado de regime de prova, assente em plano de reinserção social elaborado pela DGRSP, no qual, para além das demais obrigações previstas no artigo 54º nº3 daquele diploma, se incluam as seguintes regras de conduta / injunções impostas ao condenado: Ø Proibição de contactos, por qualquer meio e durante o período de suspensão da pena aplicada, com as menores, JM. e AA.; Ø Proibição, durante o período de suspensão da pena aplicada, quer no domínio da respectiva actividade profissional, quer fora desse contexto, de exercício de actividades que envolvam contactos e convívio com menores de 18 anos; Ø Obrigação de indemnizar as menores no valor de € 6.000,00 (€ 3.000,00 para cada menor), devendo proceder à liquidação do valor de € 3.000,00 no período de seis meses após o trânsito em julgado da sentença e devendo liquidar o remanescente até ao final do período da suspensão da pena aplicada, dirigindo em ambos os casos o referido pagamento a este Tribunal por via de depósito efectuado à ordem do presente processo; Ø Frequência de entrevistas dirigidas pela DGRSP no sentido de o mesmo ser sensibilizado para o desvalor da respectiva conduta.

  4. Custas criminais pelo arguido nos termos dos artigos 513º e 514º do CPP, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal, sem prejuízo do apoio judiciário de que o arguido beneficie ou venha a beneficiar.

  5. Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pela progenitora D.S. em representação da sua filha, AA., parcialmente procedente, por provado, e, em conformidade condenar o arguido à pagar à menor a quantia de € 3.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, a contar da notificação do pedido ao demandado e até efectivo pagamento, absolvendo este do demais peticionado.

  6. Fixar, nos termos do artigo 82º-A do Código Penal, indemnização a favor da menor, JM., no montante de € 3.000,00, condenando o arguido no pagamento da aludida quantia à referida ofendida, por intermédio do Tribunal, nos termos supra-fixados, sem prejuízo de a referida indemnização vencer juros de mora, à taxa civil aplicável, contados estes do trânsito em julgado da presente sentença e de dever ser tida em consideração em futura acção decorrente de eventual pedido de indemnização deduzido pela jovem em separado – cfr. nº3 daquele artigo.

  7. Condenar as partes nas custas cíveis na proporção do respectivo decaimento, fixando-se este em ½ para a Demandante e ½ para o Demandado (artigo 527º nº1 do NCPC), tudo sem prejuízo do apoio judiciário de que as partes beneficiem ou venham a beneficiar.

  8. Determinar a restituição, após trânsito, ao arguido dos objectos apreendidos a fls. 116 e 132, nos termos do artigo 186º do CPP.

    Deposite (artigo 372º nº5 do CPP).

    Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal.

    Após trânsito, e imediatamente, solicite, com urgência, à DGRSP a elaboração do plano de reinserção social nos termos do artigo 494º nº3 do CPP e no prazo máximo aí fixado.

    Tendo em vista a proibição de exercício de actividades que envolvam contacto com menores de 18 anos imposta o arguido, comunique de imediato a presente decisão à Igreja Católica Portuguesa (Diocese de ..) com menção de que a decisão ainda não transitou; após trânsito, comunique novamente com menção de tal facto.»*Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões: «I– Como da lei resulta, o crime de abuso sexual de menor de 14 anos p. e p. pelo artº. 171º, nº 3, alínea b) do C Penal, não é punível a título de negligência; II – O Arguido Recorrente foi condenado pela prática de dois crimes de abuso sexual de menores de 14 anos, p. e p. pelo nº 3 da alínea b) do artº. 171º do C Penal; III – Nos termos do disposto pelo artº. 15º do C Penal age com negligência quem por não proceder com o cuidado a que segundo as circunstância está obrigado e de que é capaz, não representa como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime, mas actuar sem se conformar com essa realização ou quem não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto; IV – Nos termos do disposto pelo artº. 14º do C Penal, age com dolo (dolo directo) quem representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar, com dolo necessário quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta, e com dolo eventual quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime, for representada como consequência possível da conduta e o agente actuar conformando-se com aquela realização; V – Como refere Maia Gonçalves, em Código Penal Português – Anotado e Comentado – 14ª Edição, 2001, em nota ao artº. 14º do C Penal, o dolo directo corresponde, grosso modo, à intenção criminosa e nele o agente prevê e tem como fim a realização do facto criminoso, existindo dolo necessário quando o agente sabe que como consequência da sua conduta, realizará um facto que preenche um tipo legal de crime, não se abstendo apesar disso de empreender tal conduta; VI – E o mesmo autor, obra e local citados, continua, referindo que o dolo eventual abrange aqueles casos em que o agente previu o resultado como consequência possível da sua conduta, não se abstendo de a empreender e conformando-se com a produção do resultado; VII - Em parte alguma da matéria de facto dada por provada resulta provado que o ora Recorrente se tenha representado a prática de um facto que preenchesse um tipo legal de crime e de actuar com a intenção de o realizar; VIII – Nenhum facto resultou provado do qual se possa retirar a conclusão fundada de que o Recorrente teve conhecimento da menoridade de 14 anos das Ofendidas e que mesmo assim actuou com intenção de realizar o seu desiderato, estando por isso e à partida afastada a hipótese de dolo directo, por falta da referida intenção criminosa e a vontade de realizar o facto criminoso; IX – O próprio Tribunal expressamente afastou, na decisão em recurso, a prova da ocorrência de dolo na sua modalidade de dolo eventual, como expressamente refere ao elencar os factos que não resultaram provados da discussão da causa referida em A) não ter ficado provado que o Arguido ora Recorrente “soubesse que as crianças JM. e AA. eram, à data dos factos descritos, em 1) a 18) menores de 14 anos; X – Não se verificou a existência de dolo eventual na conduta do Arguido ora Recorrente, pois não resultou provado na matéria de facto dada por assente que ao Arguido se tenha representado como consequência possível da sua conduta o preenchimento de um tipo legal de crime e também não ficou provado que o Recorrente se conformou em atuar com aquela realização; XI – Não foi dado como provado qualquer facto que demonstre que o Recorrente tinha conhecimento de que as referidas menores tivessem menos de 14 anos à data dos factos 1) a 18) da matéria dada por assente, antes, como se referiu já – Conclusão IX – o Tribunal a quo deu como não provado que o Recorrente tivesse conhecimento de tal menoridade; XII – Ocorre no presente caso insuficiência da matéria de facto provada para que o Tribunal “a quo” pudesse considerar provada a prática do crime por que vinha acusado o Recorrente, impondo-se por isso a absolvição do mesmo, nos termos do disposto pelo artº. 410º, nº 2, alínea a) do CP Penal; XIII – Ocorre contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova; XIV – O Tribunal “a quo” parece ter confundido dolo eventual com negligência, pois que, tendo dado como não provado que o Recorrente tivesse conhecimento da menoridade de 14 anos das Ofendidas – Conclusão XV – conclui que o mesmo não podia ter deixado de colocar-se a questão de saber se as Ofendidas não seriam menores de 14 e por isso o condenando, por entender que o Recorrente se agisse com o cuidado e a diligência possível teria de admitir a ocorrência de tal menoridade, colocando assim o Tribunal a questão da negligência; XVI – Ocorre por isso erro notório na apreciação da prova e contradição insanável entre a fundamentação e a decisão; XVII – Para se poder concluir pela prática ou não dos crimes por que vem acusado o Recorrente a questão não está em saber se ao Recorrente devia ter representado a possibilidade de as Ofendidas serem menores de 14 anos, se tivesse agido com prudência e cuidado, mas antes, o que está em causa é saber se está provado ou não que o Recorrente, à data da prática dos factos, tinha ou não conhecimento da referida menoridade, pois que se não tinha conhecimento de tal menoridade não pode falar-se em dolo, mesmo eventual, só se podendo falar em negligência, e como se referiu os crimes em causa não são puníveis a titulo de negligências e quanto a não ter sido provado o dolo é claro conforme resulta da decisão – Conclusão IX XVIII – Mas, como dos autos resulta, nem sequer resultou...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT